Gn 12,1-4a
Sl 32
2Tm 1,8b-10
Mt 17,1-9
No Domingo passado, primeiro da Quaresma, meditamos
sobre as tentações de Jesus. O Senhor no deserto, lutando contra o diabo,
convidava-nos ao combate espiritual, próprio do deserto quaresmal. Sim, porque
é isso que o tempo santo que estamos vivendo deseja ser: tempo de retiro no
deserto do coração para combater nossos demônios interiores e, pela oração, a
penitência, a caridade fraterna, a escuta da Palavra de Deus e a reconciliação
sacramental, caminharmos para a santa Páscoa. Na Quaresma, a Igreja toda deve
recordar o tempo de Israel no deserto e, como Novo Povo de Deus, deve combater,
vencendo as duras provas interiores e exteriores do caminho deste mundo...
Na liturgia deste hoje, ladeado por Moisés e Elias,
que também enfrentaram durante quarenta dias e quarenta noites o combate no
deserto para experimentarem o fulgor da Glória de Deus, Jesus nos mostra qual a
finalidade do nosso caminho quaresmal, Jesus nos revela aonde nos leva nosso
combate espiritual. Qual o objetivo? Qual a finalidade? Ei-los: celebrar com Ele
a Sua Páscoa, sendo com Ele transfigurado em glória! Nosso objetivo, nosso
escopo, o feliz e gozoso fim do nosso caminho é o Cristo envolto na Sua glória
pascal que nos transfigura também a nós! Mais que Moisés e Elias, nós seremos
envolvidos da glória de Cristo, aquela glória que é o Espírito Santo que o Pai
derramou sobre Ele na Sua santa Ressurreição! Passaremos, portanto, do roxo
quaresmal, tão sóbrio, para o esfuziante branco pascal, sinal da glória e da
imortalidade, transfigurados em Jesus e por Jesus, o homem perfeito, modelo de
todo ser humano que vem a este mundo. Um dia, meus caros em Cristo, passaremos do
roxo das lágrimas desta vida, para o branco da Glória eterna dos que,
revestidos da glória do Cordeiro, haverão de segui-Lo para sempre! De Quaresma
em Quaresma e de Páscoa em Páscoa, passaremos da Quaresma deste mundo para a
Páscoa da Glória eterna!
Mas, detenhamo-nos um pouco no Tabor do Evangelho
hodierno. Ele é prenúncio, uma misteriosa antecipação da Ressurreição. Com Sua
bendita Transfiguração, Jesus deseja preparar o Seus para as dores da paixão –
do mesmo modo que a Igreja nos deseja alentar e motivar para as renúncias e
observâncias quaresmais. Por isso mesmo, Pedro, Tiago e João, o três que estão
no Tabor são os mesmos que estarão no Jardim das Oliveiras. Por isso também o
Evangelho de hoje termina com uma alusão à Ressurreição de Jesus dentre os
mortos e, o relato da Transfiguração em Lucas afirma que “Jesus falava de Sua partida que iria consumar-se em Jerusalém” (9,30).
Eis: Moisés e Elias, a Lei e os Profetas dão testemunho da Paixão do Senhor:
tudo estava no misterioso desígnio de Deus! Após a ressurreição, isso ficará
claro: “’Não era preciso que o Cristo sofresse
tudo isso e entrasse em Sua Glória?’ E começando por Moisés e por todos os
Profetas, interpretou-lhes em todas as Escrituras o que a Ele dizia respeito”
(Lc 34,26-27). Eis que mistério: a Lei (Moisés) e os Profetas (Elias) dão
testemunho de Jesus e aparecem iluminados por Ele. Somente Nele, na luz da Sua
Cruz e Ressurreição, o Antigo Testamento encontra sua plenitude e sua luz!
Sendo assim, levantemo-nos! Tomemos, generosos, nosso
caminho quaresmal! Também nós somos chamados, como nosso pai Abraão o foi, a
sair: sair de nós mesmos, sair de nós velhos para nós renovados, transfigurados
à imagem do Cristo Jesus! Tenhamos a coragem de atravessar o deserto interior,
enfrentar o deserto do nosso coração, como Moisés e Elias, como o povo de
Israel, como o próprio Senhor Jesus, que por nós quis ser tentado no Seu
período de deserto! Somente assim chegaremos renovados e purificados ao nosso
destino. Este destino não é um lugar, mas uma situação, uma realidade: é o
homem novo, transfigurado à imagem do Cristo que, após o tormento imenso da
cruz, foi glorificado pelo Espírito do Pai. Eis o caminho quaresmal: do homem
velho ao homem novo, do pecado à graça, do vício à virtude, da preguiça
espiritual à generosidade, da morte à vida, da tristeza à alegria, trazendo em
nós, na nossa vida, o reflexo da glória do próprio Cristo Jesus! Não é este o
significado das palavras de São Paulo, na segunda leitura de hoje? “Sofre comigo pelo Evangelho. Deus nos
salvou e nos chamou a uma vocação santa... em virtude da graça que nos foi dada
em Jesus Cristo. Esta graça foi revelada agora, pela manifestação de nosso
Salvador, Jesus Cristo. Ele não só destruiu a morte, como também fez brilhar a
vida e a imortalidade” Eis! Os sofrimentos e lutas desta vida não são
pesados se compararmos com o objetivo tão alto que nos preparam!
Caríssimos, que as práticas quaresmais, vividas com
generosa fidelidade, arrancando o pecado que nos torna opacos, possam revelar em
nós o resplendor da Glória de Cristo a que somos chamados e que já está presente
em nós desde o nosso batismo!
Mais ainda: que a novidade de nossa vida transborde
para o mundo, que tanto tem necessidade do testemunho dos cristãos. Nunca
esqueçamos: este mundo mergulhado na violência (violência da injustiça,
violência do desrespeito à dignidade humana, violência da destruição da
família, violência da reta compreensão da sexualidade, violência da fome, violência
dos atentados à paz, violência das drogas e das mentiras, violência dos meios
de comunicação, violência da negação de Deus)... este mundo precisa de nosso
testemunho e de nossa palavra, mesmo quando nos rejeita, quando despreza o nome
de Cristo, quando deseja esquecer o seu Senhor e pisar os valores do Evangelho!
Deixemo-nos, portanto, transfigurar pelo Senhor e
sejamos luz para o mundo! Como pede a oração inicial da Missa hodierna: Senhor,
“que purificado o olhar da nossa fé, nos alegremos com a visão da Vossa Glória!”
Por Cristo, nosso único Senhor. Amém.
Valiosa reflexão essa de Dom Henrique. Não há dúvida que o pecado da inveja, do egoísmo, da ambição, do roubo, da impureza, da falta de fé, da injustiça, da impunidade, da violência, etc. Desfiguram o ser humano, enquanto a graça de Deus, nos transfigura para uma vida nova, por isso peçamos a Jesus que nos ajude na nossa conversão diária.
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