sábado, 19 de setembro de 2015

XXV Domingo Comum: caminho de Cristo, caminho da cruz

No domingo passado – deveis recordar - Jesus anunciou aos Seus discípulos que Ele era um Messias não de glória, mas de humildade e serviço até à morte de cruz. Ao final, triunfaria pela ressurreição. Pedro havia se escandalizado com tais palavras.

Hoje, Jesus continua Sua pregação. Ele ensinava a sós a Seus discípulos: “’O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens e eles O matarão. Mas, três dias após, Ele ressuscitará’. Os discípulos, porém, não compreendiam estas palavras e tinham medo de perguntar”.

Vede, caríssimos, é a mesma atitude da semana passada. O ensinamento do Senhor tem como seu centro o Reino de Deus que viria pela Sua cruz e ressurreição. Entrar no Reino é tomar com Jesus a cruz e com Ele chegar à Glória!

Estejamos atentos: este não é apenas mais um dos muitos ensinamentos de Cristo; este é o ensinamento por excelência, a mensagem central que o Senhor veio nos revelar e mostrar com Sua palavra, Suas atitudes e Sua própria vida. Repito: eis o que Jesus ensina: que o caminho do Reino passa pela cruz, passa pela morte e chega à plenitude da Vida na ressurreição.

Observai que Ele ensina isso de modo insistente e prepara particularmente os discípulos para esse caminho...

E, no entanto, os discípulos não compreendem a linguagem de Jesus, não compreendem Sua missão, Seu caminho! Esperavam um messias glorioso, cheio de poder, que resolvesse todos os problemas e reafirmasse orgulhosamente a glória terrena de Israel... Um messias na linha da teologia da prosperidade. Nada mais distante de Cristo que esse tipo de coisa!

Observai que, enquanto Jesus caminha adiante ensinando isso, os discípulos, seguindo-O com os pés, próximos fisicamente, estão com o coração muito longe do Senhor. No caminho, vão discutindo sobre quem deles era o maior! Jesus fala da humilhação e do serviço até à cruz; Seus discípulos, nós, falamos de quem é o primeiro, o maior...

Que perigo, caríssimos, pensarmos que somos cristãos, que seguimos Jesus, e estarmos com o coração bem longe do Mestre amado!

Temos nós essa tentação também? Certamente!

A linguagem da cruz continua difícil, dura, inaceitável para nós. É claro que não teoricamente: persignamos-nos com a cruz, beijamos a cruz, trazemo-la pendurada ao pescoço, veneramos a cruz... Mas, o caminho da cruz se faz na vida, não na teoria!

Essa cruz de Cristo está presente nas dificuldades, no convite à renúncia de nossa vontade para fazer a vontade do Senhor, na aceitação dos caminhos de Deus, na doença e na morte, nas perdas que a vida nos apresenta, nos momentos de escuridão, de silêncio do coração e de aparente ausência de Deus... Todas essas coisas nos põem à prova, como o justo provado da primeira leitura deste hoje. É a vida, são os acontecimentos, são os outros que nos provam: “Armemos ciladas aos justos... Vamos pô-lo à prova para ver sua serenidade e provar a sua paciência; vamos condená-lo à morte vergonhosa, porque, de acordo com suas palavras, virá alguém em seu socorro”. Jesus passou por esse caminho, fez essa experiência em total obediência à vontade do Pai. E nos convida a segui-Lo no hoje, no aqui da nossa vida. Nossa tentação é a dos primeiros discípulos: um cristianismo fácil, de acordo com a mentalidade do mundo atual; um cristianismo a baixo preço – isso: que não custe o preço da cruz! Se assim for, como estaremos longe de Jesus, como não O conheceremos! Ele nos dirá: “Apartai-vos de Mim! Não vos conheço!” (Mt 7,23).

Caros irmãos, ouvindo isso, talvez digamos: mas, como suportar a dureza da cruz? Como amá-la? Não é possível! É que ninguém pode amar a cruz pela própria cruz, caríssimos!

Cristo amou sua cruz e a abraçou por amor total e absoluto ao Pai, por fidelidade ao Pai. Nós, também, somente poderemos compreender a linguagem da cruz e somente não nos escandalizaremos com ela se for por um amor apaixonado pelo Senhor Jesus, para segui-Lo em Seu caminho, para estarmos em união com Ele.

Eis, portanto: é o amor ao Senhor que torna a cruz aceitável e até desejável! Sem o amor ao Senhor, a cruz é destrutiva, é louca, e desumana! Com Jesus e por causa de Jesus, a cruz é árvore bendita de libertação e de vida. É o amor a Jesus que torna doce o que é amargo neste vida! Não é por isso que tantos hoje, querem desconto nas exigências do Evangelho, quem abatimento nas exigências de Jesus? É que somente o amor torna leve e suave o que, em si mesmo, é exigente e pesado! Só o amor torna leve e suave o jugo de Jesus! Queremos nós tornar o Evangelho suave e doce aos homens? Façamo-los amar o Senhor! O Cristo não nos indica nem nos autoriza outro caminho!

O problema é que precisamos redescobrir a experiência tão bela e doce de amar Jesus. Não se pode ser cristão sem paixão pelo Senhor, sem um amor sincero entranhado para com Ele!

Como se consegue isso? Estando com Ele na oração, aprendendo a contemplá-Lo no Evangelho, alimentando durante o dia, dia todo, Sua lembrança bendita, procurando a Sua graça nos sacramentos, sobretudo na Eucaristia, lutando pacientemente para vencer os vícios e colocar a vida, os sentimentos, os instintos e a vontade em sintonia com a vontade do Senhor Jesus...

Sem esses exercícios não há amor, sem amor não há como compreender a linguagem da cruz e sem tomar a cruz com e por Jesus não há a mínima possibilidade de ser cristão! Quando vier a crise, largaremos tudo, trairemos o Senhor e terminaremos por fazer do nosso jeito, salvando a pele e fugiremos covardemente da cruz...

Então - pode ser que perguntemos – por que o Senhor quer nos fazer passar pela cruz?

Por que escolheu e determinou um caminho tão difícil?

Eis a resposta: porque somos egoístas, imaturos, quebrados interiormente! O pecado nos desfigurou profundamente! São Tiago traça um perfil muito realista e muito feio da nossa realidade: guerras interiores, paixões, disputas, autoafirmação doentia, desordens e toda espécie de obras más...

Quem tiver a coragem de entrar em si mesmo, quem for maduro para se olhar de frente verá em si todas essas tendências. Quantas vontades, quantas guerras interiores! Ora, isso tudo nos fecha para Deus, nos joga na idolatria do ter, do poder, do prazer, da autossuficiência de pensar que somos deuses... É a cruz do Senhor quem nos purifica, nos corrige e nos liberta de verdade. Não há outro modo, não há outro caminho. Somente sentimentos, risos, cantorias e boa vontade não nos construiriam, não nos colocariam de verdade em comunhão com o Senhor no Seu caminho. O mistério do pecado é sério demais, profundo demais para ser tratado com leviandade... “Quem quiser seu Meu discípulo tome a sua cruz e siga-Me” – diz o Senhor!

Caríssimos, tenhamos coragem! Na docilidade ao Espírito Santo que o Senhor nos concedeu, teremos tal união com o Senhor Jesus, que tudo poderemos e suportaremos. Foi esse o caminho dos santos de Deus de todos os tempos; é esse o caminho que agora nos cabe caminhar... Que o Senhor no-lo conceda por Sua graça, Ele que é Deus com o Pai e o Espírito Santo pelos séculos dos séculos. Amém.

domingo, 13 de setembro de 2015

XXIV Domingo Comum: Um Messias exigente, que nos pede a entrega do própria vida

Is 50,5-9a
Sl 114
Tg 2,14-18
Mc 8,27-35

O Evangelho que acabamos de ouvir apresenta-nos, caríssimos, alguns dos aspectos mais essenciais da nossa fé cristã, aspectos que jamais poderemos esquecer se quisermos ser realmente fiéis a Nosso Senhor. Vejamo-los um a um:

Primeiro. A pergunta de Jesus: “Quem dizem os homens que Eu sou?”
Notai bem que as respostas são muitas: umas erradas, outras imprecisas, nenhuma satisfatória. Estejamos atentos a este fato: somente a razão humana, entregue às suas próprias forças, jamais alcançará verdadeiramente o mistério de Cristo.
A verdade sobre o Senhor, Sua realidade mais profunda, Sua obra salvífica, o mistério de Sua Pessoa e de Sua missão, Sua absoluta necessidade para que o mundo encontre salvação, vida e paz somente podem ser compreendidos à luz da fé, isto é, daquela humilde atitude de abertura para o Senhor que nos vem ao encontro e nos fala.
O homem fechado em si mesmo, preso no estreito orgulho da sua razão, jamais poderá de verdade penetrar no mistério de Cristo e experimentar a doçura de Sua salvação.
Quanto já se disse de Jesus; quanto se diz hoje ainda: já tentaram descrevê-Lo como um simples sábio, como um homem bom e justo, como uma espécie de pacifista, como um pregador de uma moral humanista, como um revolucionário, o primeiro comunista, como um hippie, etc. Nós, cristãos, não devemos nos iludir nem nos deixar levar por tais visões do nosso Divino Salvador. Jesus é e será sempre aquilo que a Igreja sempre experimentou, testemunhou e ensinou sobre Ele: o Filho eterno do Pai, Deus com o Pai e como o Pai, o Messias, o único Salvador da humanidade, através de Quem e para Quem tudo foi criado no céu e na terra. Qualquer afirmação sobre Jesus que seja menos que isso, não é cristã e deve ser rejeitada claramente pelos cristãos, no mínimo como insatisfatória!

Segundo. Ante as opiniões do mundo, o Senhor dirige a pergunta a nós, Seus discípulos: “E vós, quem dizeis que Eu sou?”
Em cada geração, todos nós e cada um de nós devemos responder quem é Jesus. Não se trata de uma resposta somente teórica, teológica, digamos assim. Trata-se de uma resposta que deve ter sérias repercussões na nossa vida. A resposta deve ser dada, então, com a palavra da proclamação e as atitudes, as obras, que atestam a verdade do que cremos! Como nos adverte São Tiago, a fé, a proclamação com os lábios e o coração, sem as obras, sem as atitudes concretas na escolhas da existência e no modo de viver, é uma fé inútil, morta, ineficaz; tão ineficaz como dizer a um faminto e maltrapilho: “Irmão, vai em paz; Deus te abençoe: come à vontade”, sem lhe dar nada: nem roupa, nem alimento, nem dinheiro! Para que serviriam essas palavras ocas? Palavra não mata a fome, não veste... Assim, do mesmo modo dizer: “Eu creio em Jesus! Jesus é o meu Senhor! Ele é o Messias de Deus!” E, no entanto, depois, viver do meu modo, sem compromisso com Sua palavra, com Suas exigências, com Seu Evangelho... Palavras, palavras, sentimentos bonitos... Vento, somente vento e vazio!
Então: quem é Jesus para mim? Que papel desempenha na minha vida? Como me relaciono com Ele? Amo-O? Procuro-O na oração, procuro de todo o meu coração viver na Sua Palavra? Estou disposto a construir minha existência de acordo com a Sua verdade? Deixo-me julgar por Ele ou eu mesmo, discretamente, procuro julgá-Lo e adequá-Lo e mim e meus desejos?
São perguntas muito atuais, caríssimos, sobretudo hoje, quando nossa sociedade ocidental vira as costas para o Cristo, julgando-O anacrônico, exigente demais e ultrapassado. Agora que a nossa cultura já não considera mais Jesus como Aquele que é o Caminho, a Verdade e a Vida, mas julga que a própria razão humana, com seus humores e pretensões, é que é a verdade e a luz, é, mais que nunca, essencial que nós proclamemos com a vida, com a palavra e com os costumes que Jesus é realmente o nosso Senhor, o nosso critério, a nossa única Verdade!

Terceiro. Pedro respondeu quem é Jesus: “Tu és o Messias!”, isto é, “Tu és o Cristo, o Esperado de Israel, Aquele que Deus prometera aos nossos Pais!”
Recordai, meus caros, que na mesma passagem, em São Mateus, Jesus declara claramente: “Não foi carne nem sangue que te revelaram isto, mas o Meu Pai que está nos céus” (Mt 16,15). Insisto: somente o Pai, na potência do Santo Espírito que habita em nós e na Igreja como um todo, é que pode revelar-nos quem é Jesus. A fé não é uma experiência acadêmica, não é fruto de estudos, não se resume a uma especulação teológica. Para um cristão, crer é entrar na experiência que há dois mil anos a Igreja vem fazendo na Palavra, nos sacramentos, na vida de cada dia: a experiência do Cristo Senhor, que foi morto pelos nossos pecados e ressuscitou para nossa vida e justificação.
Quem se coloca fora dessa fé, da fé da Igreja, já não é realmente cristão! Aqui é muito importante compreender que a nossa fé é pessoal, mas nunca individual: cremos na fé da Igreja, cremos no Cristo da Igreja, cremos como Igreja e com a Igreja de hoje e de todos os tempos, pois a fé da Igreja não é somente a fé dos cristãos atuais, mas dos católicos de todos os tempos, da geração apostólica a hoje, avançando pelo amanhã adentro! Uma outra fé, um outro Cristo seriam triste ilusão!

Quarto. O Evangelho nos surpreende com uma afirmação: “Jesus proibiu-lhes severamente de falar a alguém a Seu respeito”. Por quê? Porque havia o perigo de pensar Nele como um messias glorioso, um messias como os sonhos dos judeus haviam fabricado: o messias do sucesso, das curas, dos shows da fé, dos palanques políticos, das libertações sócio-econômicas, etc.
Jesus somente afirmará de modo público que é o Messias quando estiver preso, amarrado, diante do Sumo Sacerdote. Aí já não haverá ocasião para engano.
Mas, aqui a dura questão: Também nós, muitas vezes, não temos a tentação de querer um Cristo do nosso modo, sob a nossa medida, para nosso consumo? Amamos o Cristo como Ele é ou O renegamos quando não faz como gostaríamos? Estamos realmente dispostos a ir com Ele até o fim, crendo Nele e Nele nos abandonando ou, disfarçadamente, pensamos em dar jeitinhos para escamotear a verdade e a exigência límpida e direta do Senhor que nos fere com Sua Palavra amorosa e verdadeira?

Quinto. Exatamente para deixar claro que tipo de Messias Ele é, Jesus começa a dizer “que o Filho do Homem devia sofrer muito, ser rejeitado; devia ser morto e ressuscitar depois de três dias. Ele dizia isso abertamente”. Eis, caríssimos, o tipo de Messias, o tipo de Salvador, o tipo de Deus que Jesus é! Ele é o Messias Servo, aquele Sofredor anunciado por Isaías na primeira leitura de hoje, aquele que deverá dolorosamente tomar sobre Si os pecados nossos e do mundo inteiro para, humilhado e morto, ressuscitar, sendo motivo de salvação para a humanidade. Será que nos interessa? Estamos nós dispostos a seguir um Mestre assim?

Sexto. Pedro aventura-se a corrigir Jesus, a fazê-Lo mais racional, mais de acordo com as expectativas humanas... Não será a nossa a mesma atitude de Simão, que repreende Jesus, que desejaria um mestre mais razoável, mais palatável, menos radical? Não é essa a maior tentação nossa: um Cristo sem cruz, um cristianismo sem renúncia, uma vida cristã que não nos custe nada? Um seguimento de Cristo à moda do mundo? O Senhor deixa claro a Pedro que ele também é discípulo! Ainda que seja o que em nome de todos anuncia a fé da Igreja – Tu és o Messias!” – ele, diante do único Mestre, do único Guia, do único Senhor, é discípulo: seu lugar é atrás, segundo o Senhor, o único que indica o traçado do caminho!

Sétimo. A resposta de Jesus, portanto, é clara, curta e dirigida perenemente a todos nós: “Se alguém Me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e Me siga. Pois quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas quem quiser perder a sua vida por causa de Mim e do Evangelho, vai salva-la!” O caminho é este, sem máscara, sem acordos, sem jeitinhos! Nosso Senhor nunca nos enganou; sempre disse claramente quais as condições para segui-Lo...

Caríssimos, saiamos hoje daqui com estas palavras que nos incomodam, nos provocam e nos desafiam. Que Ele, o Senhor, nosso Salvador, Messias do Pai, nos conceda a graça de reconhecê-Lo como nosso único Senhor, de segui-Lo como nossa única Verdade e de Nele viver como nossa única Vida, Ele que é bendito pelos séculos dos séculos. Amém.

domingo, 6 de setembro de 2015

XXIII Domingo Comum: O Senhor nos cura na força do Seu Espírito

Caríssimos, é cheio de detalhes significativos o Evangelho deste hoje: trazem a Jesus um surdo-mudo.

Observai, antes de tudo, este detalhe: o homem enfermo é trazido por outros até o Senhor. Outros o ajudam, orientam-no, incentivam-no, e o conduzem ao Senhor! Mais ainda, por ele intercedem junto a Cristo: "Pediram que Jesus lhe impusesse a mão!"


É assim, Irmãos meus: a experiência de fé, de encontro com o Senhor, tem um aspecto sempre comunitário, envolve sempre outros que nos ajudaram com uma palavra, um conselho, um exemplo, um belo testemunho, com a oração 
Percebendo ou não, nós somos conduzidos a Jesus uns pelos outros, uns sustentando os outros, uns animando os outros, uns testemunhando a fé para os outros, quando os outros sentem vacilar o ânimo ou a confiança!

Quão longe da experiência cristã aquele que pensa que se basta na sua fé,

Esta experiência é o que caracteriza a Igreja, a Comunidade dos discípulos do Senhor, a família da Cristo, na qual temos a alegria de compartilhar a mesma fé, o mesmo amor ao Senhor, a mesma esperança que não decepciona!


A Igreja é o "nós" dos que foram encontrados por Cristo Jesus, dos que Nele creem e Nele arriscam a vida é a morte, certos de que Ele é o Sentido, o Caminho por onde trilhar a existência, a Verdade que descortina a realidade nossa e das coisas, a Vida que dá consistência à nossa vida e a transforma em Vida Eterna.

Pois bem, trazem a Jesus o surdo-mudo e o Senhor, num gesto à primeira vista estranho, o cura. Que faz o nosso Salvador bendito? "Jesus afastou-Se com o homem, para fora da multidão; em seguida, colocou os dedos nos seus ouvidos, cuspiu e com a saliva tocou a língua dele. Olhando para o céu, suspirou e disse: 'Efatá!', que quer dizer: 'Abre-te!'"

Que significa tudo isto? Primeiro o modo como o Nosso Senhor respeita as pessoas: não as expõe a shows de cura, não faz de Seus milagres meio de vida ou busca de sucesso e afirmação!
É sempre encantador o respeito de Jesus pelos demais, é sempre tocante à Sua delicadeza, mesmo quando, por vezes, tem que ser firme! Jesus leva o homem surdo-mudo para um lugar afastado...
Sua atitude de olhar para o éu e suspirar tem um sentido tão belo e doloroso: é como se mostrasse ao Pai a situação da humanidade, como é unisse Sua dor à dor de todo homem que vem a este mundo! - Jesus, solidário conosco, Jesus, feito um de nós, Jesus, tocado pelas nossas misérias! Jesus, Senhor, tem piedade de nós!

Quem é esse surdo-mudo? É todo aquele que, por um motivo ou outro, é incapaz de ouvir a Palavra do Evangelho, aquele que, por razões tão diversas, não consegue de verdade deixar que a Palavra penetre e frutifique no seu coração.
E porque é surdo, também é mudo, ou seja, não consegue falar as maravilhas de Deus, não consegue louvar de coração livre, agradecer com ânimo de criança que tudo recebe do Pai, não consegue confessar a fé com a limpidez e alegria de quem experimentou a presença amorosa e salvífica do Senhor!

Mas o nosso Jesus, santo Messias de Deus, veio para curar! Ele pode, com a Sua graça, nos curar a surdez e a mudez! Não era isto que o Profeta anunciava na primeira leitura de hoje? "Criai ânimo, não tenhais medo! Vede, é vosso Deus, é a recompensa de Deus; é Ele que vem para vos salvar. Então se abrirão os olhos dos cegos e se descerrarão os ouvidos dos surdos. O coxo saltará como um cervo e se desatará a língua dos mudos, assim como brotarão águas no deserto e jorrarão torrentes no ermo!"
Eis, Irmãos! Por onde passa o Senhor, a vida brota, a luz brilha, a alegria e a paz jorram! - Senhor, nosso Deus, meu Deus, passa pela nossa vida, passeia pela minha vida! Tu és o braço estendido do Pai, Tu és o Santo de Deus; através de Ti e para Ti tudo foi criado no Céu e na terra. De tudo és a razão, de tudo és o sentido! Nós cremos em Ti e a Ti nos entregamos com todo o nosso coração!

E os gestos do Senhor Jesus?

Primeiro cura a surdez do homem: abre-lhe os ouvidos com o toque de Seus dedos. São os dedos de Deus, do próprio Autor da Vida! É o Dedo de Deus é uma imagem do próprio Espírito Santo. Certa vez, Jesus disse: "Se é pelo Dedo de Deus que Eu expulso demônios..." e, em outra passagem, explicou: "Se é pelo Espírito Santo que Eu expulso demônios..." Eis, meus caros: a potência do Espírito Santo de Cristo pode vencer a nossa surdez, pode romper o fechamento do nosso coração, pode nos fazer crer! 
Peçamos pelos que não creem, pelos que têm dificuldade de acolher a Palavra do Senhor com um coração de criança!

Depois de tocar os ouvidos do surdo, Jesus cospe e com a saliva toca a língua do mudo! Gesto realmente esquisito!
Na concepção bíblica, a saliva é o sopro feito líquido. Eis aí, portanto, novamente, um símbolo do Espírito, o Sopro Criador e Recriador do Senhor!
O sentido é forte, é belíssimo: Jesus, o Ungido do Pai, cheio do Espírito, Força que O habita e Dele emana, cura, liberta, restaura para o Reino de Deus a humanidade presa por tantos empecilhos!
Vamos, Irmãos! Supliquemos ao Senhor nosso que nos cure a surdez, a mudez, a cegueira!

Não é à toa que São Tiago, na segunda leitura, nos convida a ver com o olhar de Deus, superando uma visão dos outros segundo as medidas deste mundo, para vermos como o Senhor vê e sentirmos como o Senhor sente!
Como termina a história desse homem do Evangelho? "Imediatamente seus ouvidos se abriram, sua língua se soltou e ele começou a falar sem dificuldade!"

- Cura-nos, Senhor, para que também nós Te escutemos de ouvidos abertos e coração disponível! Cura-nos, Senhor!
Desata a nossa língua, para que, sem dificuldades proclamemos o Teu Nome e anunciemos a este mundo ferido, cansado, desorientado, surdo e cego, a Alegria graciosa da Tua Salvação! 
A Ti a glória hoje é sempre! Amém.

terça-feira, 1 de setembro de 2015

A aventura de crer

Pensam alguns que a fé verdadeira nunca é assaltada pela dúvida, por períodos de profunda escuridão, de secura dos sentimentos e noite profunda do entendimento, que nos impede de sentir, de compreender, de articular nossa afirmação mais fundamental da existência: "Eu creio!"

Todo crente é peregrino diante Daquele que, antes de ser Palavra, é Silêncio.
Deus é Mistério infinito,
Deus é Noite escura que nos deixa cegos com Sua luminosidade,
Deus é o Santo, o Separado, o Diverso de tudo o mais,
Radicalmente incomparável!
Deus é Aquele que Se revela escondendo-Se
E Se esconde revelando-Se...
Deus... Como percebê-Lo, esquadrinhá-Lo, ter a pretensas soberba de compreendê-Lo,
A Ele, que tem mundo inteiro escondido na palma da Sua mão?
Eis: estamos Nele, tudo está Nele: na palma da Sua mão!

Assim, caminhar com o Senhor exige radical atitude de fé humilde e peregrina!
Uma fé que não atravesse o deserto das perguntas muitas vezes sem resposta,
Uma profissão de fé que não experimente, por vezes, as pesadas noites do não-sentir, do não-saber, do não mais ter perspectiva, é uma fé que não foi suficientemente provada... Não conheceu o verdadeiro e tremendo cadinho que a faz amadurecer entre lágrimas, cansaços, lutas e procuras...

Crer não é compreender tudo!
Crer exige a tremenda é sempre desafiadora pobreza de colocar-se diante de um Deus que é Mistério, um Deus que não nos presta contas de Seus atos e Seus silêncios, porque já nos disse tudo e tudo de Si nos explicou na Cruz e na Ressurreição do Seu Filho.

E, no entanto, crer é perguntar pelo Senhor,
É sempre, de novo, repor a pergunta sobre Ele!
Crer é procurá-Lo,
Por Ele ansiar,
Por Ele esperar,
É antevê-Lo em tudo,
É divisar, de modo misterioso, Seus passos benditos,
De modo que o coração teimoso e cansado advinha:
"Ele esteve aqui! Ele passou por aqui!" - E tudo, de repente, torna-se bendito,
Só pela presença Dele, pela passagem Dele, pelos rastros Dele!
Crer é teimar em viver assim: nômade, andarilho, peregrino,
Até compreender que procurar é já encontrá-Lo
E encontrá-Lo é pôr-se sempre, de novo, a procurá-Lo!

A fé é uma adesão ao Mistério,
É um constante e sofrido pôr-se em marcha, como Abraão,
Pôr-se em saída, como Moisés...

Vamos, peregrino, como eu!
Vamos de novo,
Vamos, que é Páscoa, é Passagem
- a vida neste mundo é tua embarcação, não tua morada!
Vamos como na Noite da Vigília:
O Cristo feito Círio à frente, luminoso, no meio da noite do mundo e da fé;
E nós, atrás,
Sua pobre Igreja,
Por vezes cansada,
Por vezes confusa,
Sempre por Ele sustentada na potência do Seu soberano Espírito!

Vamos! Vamos!
Digamos ainda, de novo, teimosos:
"Senhor, eu creio! Sustenta minha pobre fé, até o fim,
Até a plena Visão! Amém!"

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

E os escândalos, hein?

Caro Leitor meu, gostaria de propor-lhe algumas reflexões sobre Lc 17,1-6. Tenha a paciência de ler. Penso que que possa lhe ser útil... Mas, aviso logo que não estou aqui pensando em alguma situação concreta; desejo apenas propor o que o Evangelho nos ensina como bússola para nossa vida de cristãos. Lá vai, portanto!

"Naquele tempo, Jesus disse a Seus discípulos: “É inevitável que aconteçam escândalos. Mas ai daquele que produz escândalos! Seria melhor para ele que lhe amarrassem uma pedra de moinho no pescoço e o jogassem no mar, do que escandalizar um desses pequeninos.
Prestai atenção: se o teu irmão pecar, repreende-o. Se ele se converter, perdoa-lhe. Se ele pecar contra ti sete vezes num só dia, e sete vezes vier a ti, dizendo: ‘Estou arrependido’, tu deves perdoá-lo”.
Os apóstolos disseram ao Senhor: “Aumenta a nossa fé!” O Senhor respondeu: “Se vós tivésseis fé, mesmo pequena como um grão de mostarda, poderíeis dizer a esta amoreira: ‘Arranca-te daqui e planta-te no mar’, e ela vos obedeceria”

Não lhe parece muito assunto neste texto do Evangelho, coisas diversas mal arranjadas na mistura? E, no entanto, veja como têm sentido!

1. Jesus nos avisa que na Sua Igreja sempre haverá escândalos: “É inevitável!” – diz Ele de modo surpreendente.
Em grego, “skandalon” seria uma pedra de tropeço, um empecilho que afasta alguém do caminho que pretendia seguir. Então, no contexto do Evangelho, escândalo seria toda atitude, todo comportamento que possa afastar os pequeninos (= fracos, imaturos) na fé. Desde o início da Igreja esses escândalos estão presentes. Basta pensar na fuga dos Doze, deixando Jesus sozinho, na negação do nosso primeiro Chefe, nas divisões entre cristãos judeus e gentios de que dão conta os Atos dos Apóstolos, nas divisões e imoralidades na Igreja de Corinto, nas brigas e cismas referidas nas epístolas de São João.
Pensemos nos escândalos de hoje, que tanto nos magoam e ferem a Igreja, sobretudo quando são provocados por membros do clero... O Senhor já prevenira: “É inevitável que haja escândalos”... Ainda que tenhamos o dever de evitá-los...

2. Mas Jesus chama atenção de modo grave para a responsabilidade de quem provoca tais escândalos: “Seria melhor para ele que lhe amarrassem uma pedra de moinho no pescoço e o jogassem no mar, do que escandalizar um desses pequeninos”. São palavras duríssimas!
É uma responsabilidade tremenda ser responsável pela queda e abandono da fé por parte de um irmão fraco, que se escandaliza com o escândalo. Todos nós, cristãos, devemos nos perguntar se nossas atitudes não têm provocado escândalo nos irmãos mais fracos... Fraco na fé é todo aquele que faz sua adesão ao Senhor e à Sua Igreja depender de pessoas. É tão triste quando ouvimos dizer que alguém se afastou ou se aproximou da Igreja por causa do Papa, de um Bispo, de um padre, de um irmão... Nossa adesão é a Cristo e não a pessoas quais sejam! Nossa rocha, nossa certeza, nossa esperança devem repousar unicamente no Senhor, com toda a Sua exigência é todo o Seu amor!

3. Por outro lado, Jesus deixa claro que mesmo aquele que escandaliza, arrependendo-se, deve ser perdoado – perdoado sempre!
A advertência do Senhor contra os escândalos e os que os provocam está longe da atitude hipócrita, do moralista chato do politicamente correto ou da falta de misericórdia. Qualquer um que se arrependa sinceramente deve ser perdoado e acolhido. A Igreja deve ser sempre lugar do perdão e da misericórdia. E misericórdia não no sentido da tolerância relativista do politicamente correto ao sabor do mundo e da moda, mas a misericórdia segundo o Evangelho, que exige sempre a conversão sincera e contínua!
Neste sentido, responderão a Deus aqueles que numa atitude farisaica, julgam-se melhores que aqueles que escandalizaram...

4. Diante dessa situação de escândalos, é interessante a atitude tão espontânea dos Apóstolos: “Aumenta a nossa fé!” Como é atual este grito, esta súplica!
Somente na fé podemos superar os escândalos, transformando-os em sereno e confiante abandono nas mãos do Senhor, que sabe tirar dos males o bem. “Aumenta a nossa fé” – devemos pedir ainda atualmente ao Senhor...
Que nossos olhos estejam fixos Nele, e nada nos abalará nem nos fará desviar do caminho! Jesus diz: “Se vós tivésseis fé, mesmo pequena como um grão de mostarda, poderíeis dizer a esta amoreira: ‘Arranca-te daqui e planta-te no mar’, e ela vos obedeceria”. Compreende? A fé madura e sólida, dá-nos capacidade de arrancar os escândalos, como quem joga fora uma amoreira! dito em breve: a fé arranca os escândalos, a fé madura, centrada em Cristo, único necessário e absoluto, não se escandaliza com escândalos!
Que Ele nos dê uma fé assim: ainda que pequenina como um grão de mostarda, para que joguemos longe de nós todas as amoreiras que ameaçarem nosso caminho para Ele, todos os escândalos que surgirem nesse mundo tão conturbado em que vivemos!

sábado, 29 de agosto de 2015

XXII Domingo Comum: A graça da Tua Lei

Dt 4,1-2.6-8
Sl 14
Tg 1,17-18.21b-22.27
Mc 7,1-8.14-15.21-23


A Palavra de Deus deste XXII Domingo chama atenção para o modo como o cristão deve viver sua prática religiosa: com sinceridade diante de Deus, humildade e amor para com os outros e não de forma legalista, fria e autossuficiente.

Com efeito, Jesus critica duramente os escribas e fariseus, que vieram de Jerusalém para observá-Lo e questioná-Lo.

Qual é o problema deles? Certamente eram homens piedosos e queriam seguir a Lei de Deus. O problema era o espírito com o qual faziam: extremamente legalistas, a ponto de fixarem-se em simples tradições humanas estabelecidas pelos rabinos judeus, perdendo de vista o essencial da santa Lei de Deus. Vejamos um pouco: 

A Lei de Deus (para os judeus, expressa na Torah) é santa: “Agora, Israel, ouve as leis e os decretos que eu vos ensino a cumprir... Nada acrescentareis, nada tirareis à palavra que vos digo, mas guardai os mandamentos do Senhor vosso Deus...” Ora, o zelo dos fariseus e dos escribas eram tais e com uma mentalidade de tanto apego à letra pela letra, que se tornaram extremamente legalistas. Eles diziam: “Façamos uma cerca em torno da Lei”, ou seja, criaram pouco a pouco um número enorme de preceitos para evitar qualquer desobediência, ao menos remota, à Lei. Preceitos humanos que foram obscurecendo a pureza da Lei de Deus e sua característica de ser sinal de amor. Por exemplo: (a) A Lei dizia que o castigo não poderia ultrapassar as quarenta varadas. Os mestres de Israel permitam somente trinta e nove, para evitar qualquer perigo de ultrapassar a conta da Lei. (b) A Lei proibia o trabalho no sábado. Os rabinos judeus desenvolveram um complicada e minuciosa casuística sobre o que se pode ou não fazer no sábado; insistiam que até carregar o instrumento de trabalho no sábado era já um pecado: assim, um alfaiate não poderia carregar sua agulha no sábado. (c) A Lei prescrevia abluções (banhos rituais para o culto) só para os sacerdotes. Os fariseus queriam impô-las a todo o povo. A intenção era boa, mas o resultado, não: tornava a religião algo pesado, legalista e apegado a tantos detalhes que faziam esquecer o essencial: o amor a Deus e ao próximo! Os preceitos humanos obscureciam a intenção divina! 

A Lei não fora dada para ser um fardo que tira a liberdade e entristece a vida, mas como sinal do amor de Deus, que orienta e indica o caminho com ternura: “Vós os guardareis... porque neles está a vossa sabedoria e inteligência... Ouve as leis que vos ensino a cumprir para que vivais e entreis na posse da terra prometido pelo Senhor Deus”.

A Lei e toda prática religiosa devem ser caminho de vida, e não um fardo insuportável e asfixiante, tornando a religião algo tristonho e pesado, como se fosse obra de um Deus ciumento e invejoso da nossa felicidade! Jesus critica os fariseus e os escribas por isso: tornaram a religião um fardo pesado e triste, ao invés de ser primeiramente um relacionamento com Deus, íntimo, feliz e amoroso! 

Jesus censura também os escribas e fariseus pela incapacidade de distinguir entre o essencial e o secundário; em discernir o que vem Deus e o que é meramente prática e tradição humanas, talvez boas e louváveis, mas não essenciais. Em matéria de religião, nem tudo tem igual valor, nem tudo tem a mesma importância. A medida de tudo é o amor: o amor é a plenitude da Lei (cf. Rm 13,10); só o amor dá sentido a todas as coisas! Exprimindo esta realidade, o Santo Bispo de Hipona, Agostinho, exortava: “Nas coisas necessárias, unidade; nas discutíveis, liberdade; em tudo, caridade!”

Outro motivo de crítica é que uma religião assim, apegada a preceitos exteriores, torna-se desatenta do coração, sem olhar a intenção com que se faz e se vive. Cai-se na hipocrisia (a palavra hipócrita vem de hypokrités = ator teatral): uma religião meramente exterior, sem aquelas atitudes interiores, que são as que importam realmente: “Este povo Me honra com os lábios, mas seu coração está longe de Mim. De nada adianta o culto que Me prestam!”. É sério: no hipócrita, a atitude exterior (lábios) não combina com o interior (coração)! As práticas externas valem quando são sinal de um compromisso interior de amor e conversão em relação a Deus. É importante observar que Jesus não condena as práticas exteriores, mas a sua supervalorização e a sua atuação sem sinceridade: “Importava praticar estas coisas, mas sem omitir aquelas” (Mt 23,23). 

Há também o perigo da autossuficiência: a pessoa sente-se segura de si mesma por causa de suas práticas: “Ah, eu vou à Missa todo domingo, rezo o terço e dou esmola! Estou em dia com Deus!” O homem nunca está em dia com Deus. Pensar assim, é deixar de perceber que tudo é graça e que jamais mereceremos o amor que Deus nos tem gratuitamente. Sem contar que tal atitude nos leva, muitas vezes, a nos julgar melhores que os outros, desprezando os que julgamos mais fracos ou imperfeitos! Era exatamente o que ocorria com os fariseus: “Este povo que não conhece a Lei são uns malditos!” (Jo 7,49); “Tu nasceste todo no pecado e nos ensinas?” (Jo 9,34); “Ó Deus, eu Te dou graças porque não sou como o resto dos homens, ladrões, injustos, adúlteros, nem como este publicano!” (Lc 18,11). É interessante comparar estas atitudes com as que São Paulo recomenda aos cristãos: “Eu peço a todos e a cada um de vós que não tenha de si mesmo um conceito mais elevado do que convém, mas uma justa estima, ditada pela sabedoria, de acordo com a medida da fé que Deus dispensou a cada um” (cf. Rm 12,3-13) .

Jesus convida a ir ao essencial: vigiar as intenções e atitudes do nosso coração, pois “o que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior”. Com um coração puro, poderemos reconhecer que tudo de bom que temos é dom de Deus - “Todo dom precioso e toda dádiva perfeita vêm do alto; descem do Pai das luzes!” – e que, diante Dele, somos sempre pobres e pecadores, necessitados de Sua misericórdia. Isto nos abre de verdade para o amor aos outros e para a compaixão: somos todos pobres diante de Deus: “A religião pura e sem mancha diante de Deus Pai é esta: assistir os órfãos e as viúvas em suas tribulações e não se deixar contaminar pelo mundo”. 

Concluindo, podemos hoje nos perguntar diante do Senhor e da Sua santa Palavra: Como vai nossa prática religiosa, pessoal e comunitariamente? Buscamos um relacionamento amoroso, íntimo e pessoal com o Senhor ou nos contentamos com uma prática meramente exterior? Julgamo-nos melhores que os outros diante de Deus? Às vezes dizemos: “Eu não merecia este mal...” – julgando-nos credores de Deus! Dizemos também: “Há tanta gente pior que eu; por que aconteceu comigo?” – julgando-nos melhores que os outros!

O que é mais importante na nossa vida de fé? E na nossa vida de comunidade de discípulos do Senhor Jesus Cristo? O salmo de meditação da Missa de hoje dá ótimas pistas para um exame de consciência.

Ajude-nos o Senhor a viver realmente a nossa fé radicados no essencial! Amém.

domingo, 5 de julho de 2015

XIV Domingo Comum: Veio para o que era Seu e os Seus não O receberam

Ez 2,2-5
Sl 122
2Cor 12,7-10
Mc 6,1-6

O Evangelho deste Domingo apresenta-nos Jesus na Sua Nazaré. Ali mesmo, na Sua própria cidade, onde nascera e fora criado, os Seus O rejeitam: “’Este homem não é o carpinteiro, filho de Maria e irmão de Tiago, de Joset, de Judas e de Simão? Suas irmãs não moram aqui conosco?’ E ficaram escandalizados por causa Dele”. Assim, cumpre-se mais uma vez a Escritura: “Veio para o que era Seu e os Seus não O receberam” (Jo 1,11).
E a falta de fé foi tão grande, a dureza de coração, tão intensa, a teimosia, tão pertinaz, que São Marcos afirma, de modo surpreendente: “Ali não pôde fazer milagre algum!”, tão grande era a falta de fé daquele povo.

Meus caros, pensemos bem na advertência que esta Palavra de Deus nos faz!
O próprio Filho do Pai, em pessoa, esteve no meio do Seu povo, conviveu com ele, falou-lhe, sorriu-lhe, abraçou-o e, no entanto, não foi reconhecido pelos seus. E por quê? Pela dureza de coração, pela insistência teimosa em esperar um messias de encomenda, sob medida, a seu bel prazer...
Valia bem para Israel a censura da primeira leitura de hoje, na qual o Senhor Deus Se dirige a Seu servo: “Filho do homem, Eu te envio aos israelitas, nação de rebeldes, que se afastaram de Mim. A estes filhos de cabeça dura e coração de pedra, vou-te enviar, e tu lhes dirás: ‘Assim fala o Senhor Deus’. Quer escutem, quer não, ficarão sabendo que houve entre eles um profeta!”
Que coisa tremenda, meus caros: houve entre os israelitas um profeta, e mais que um profeta: o Filho de Deus, o Eterno, o Filho amado... E Israel o rejeitou!

Mas, deixemos Israel. E nós? Acolhemos o Senhor que nos vem? Escutamos com fé Sua Palavra, quando Ele Se dirige a nós na Escritura, aquecendo nosso coração? Acolhemo-Lo na obediência da fé, quando Ele Se nos dirige pela boca da Sua Igreja católica, ensinando-nos o caminho da Vida? Acolhemo-Lo, quando nos fala pela boca de Seus profetas?
Não tenhamos tanta certeza de que somos melhores que aqueles de Nazaré!
Aliás, é bom que nos perguntemos: por que os nazarenos não foram capazes de reconhecer Jesus como Messias? Já lhes disse: porque o Senhor não era um messias do jeito que eles esperavam: um simples fazedor de milagres, um resolvedor de problemas... Jesus, pobre, manso, humilde, era também exigente e pedia do povo a conversão de coração.
Mas, há também uma outra razão para os nazarenos rejeitarem Jesus: eles foram incapazes de ver além das aparências. De fato, enxergaram em Jesus somente o filho de José, aquele que correra e brincara nas suas praças, aquele ao qual eles haviam visto crescer. Assim, sem conseguir olhar com mais profundidade, empacaram na descrença.
Mas, nós, conseguimos olhar com profundidade? Somos capazes de escutar na voz dos ministros de Cristo a própria voz do Senhor? Somos sábios o bastante para ouvir na voz da Igreja a voz de Cristo?

É exatamente pela tendência nossa, tremenda, de sermos surdos ao Senhor, que Jesus tanto sofreu e que Paulo se queixava das dificuldades do seu ministério.
O Apóstolo fala de um anjo de Satanás que o esbofeteava. Que anjo era esse? Ele mesmo explica: suas “fraquezas, injúrias, necessidades, perseguições e angústias sofridas por amor de Cristo”. O drama de Paulo é uma forte exortação aos pregadores do Evangelho e a todos os cristãos. Aos pregadores do Evangelho essa palavra do Apóstolo recorda que o anúncio será sempre numa situação de pobreza humana, de apertos e contradições. A evangelização, caríssimos, não é um trabalho de marketing televisivo como vemos algumas vezes nos “missionários” dos meios de comunicação. O Evangelho do Cristo crucificado e ressuscitado, é proclamado não somente pela palavra do pregador, mas também pela carne de sua vida. Como proclamar a Palavra sem sofrer por ela? Como anunciar o Crucificado que ressuscitou sem participar da Sua cruz na esperança firme da Sua ressurreição? O Evangelho não é uma teoria, não é um sistema filosófico. O Evangelho é Cristo Jesus encarnado na nossa vida, de modo que possamos dizer como São Paulo: “Eu trago no meu corpo as marcas de Jesus” (Gl 6,17).
Triste do pregador que pensar em anunciar Jesus conservando-se para si mesmo. Um diácono, um padre, um bispo, que quisessem se poupar, que separasse a pregação do seu modo de viver, que fosse pregador de ocasião, tornar-se-ia um falso profeta, transformar-se-ia em marqueteiro do Evangelho, portanto, inútil e estéril. É toda a vida do pregador que deve ser envolvida na pregação: seu modo de viver, de agir, de vestir, de relacionar-se com os bens materiais, sua vida afetiva, seu modo de divertir-se, seu tipo de amizade... Tudo nele dever ser comprometido com o Senhor e para o Senhor!

Mas, essa palavra de São Paulo na Liturgia de hoje vale também para cada cristão. Hoje, somos minoria. O mundo não-crente, secularizado zomba de nós e já não crê no anúncio de Cristo que lhe fazemos. Sentimos isso na pele!

Pois bem, quando experimentarmos a frieza e a dura rejeição, quando em casa, no trabalho, nos círculos de amizades, formos ignorados ou ridicularizados por sermos de Cristo, recordemos do Evangelho de hoje, recordemo-nos dos sofrimentos dos apóstolos e retomemos a esperança: o caminho de Cristo é também o nosso; se sofrermos com Ele, com Ele reinaremos; se morrermos com Ele, com Ele viveremos (cf. 2Tm 2,11-12). Não tenhamos medo: nós somos as testemunhas, somos os profetas, os sinais de luz que Deus envia ao mundo de hoje! Sejamos fieis: o Senhor está conosco, hoje e sempre. Amém.

sábado, 20 de junho de 2015

XII Domingo Comum – Ano B: Teu mar é tão grande; meu barco é tão pequeno!

Jó 38,1.8-11
Sl 106
2Cor 5,14-17
Mc 4,35-41

Hoje, o Evangelho nos apresenta Jesus na barca, dormindo, cansado, ao anoitecer. Tão doce, essa imagem... Essa barca é a Igreja e pode ser considerada também como figura da nossa própria vida. Como quer que seja, o cenário é desolador mete medo: é noite, no meio do Mar da Galileia, e, de repente, levanta-se uma tempestade de vento muito forte, com as ondas lançando-se barco adentro.

Pensemos, caríssimos, que muitas vezes é assim que percebemos, seja a realidade da Igreja, seja a realidade de nossa própria existência.
Tanta vez é noite e nada podemos enxergar com clareza;
tanta vez as ondas parecem agitar tudo, e as torrentes ameaçam nossa pobre barquinha, de modo que nos sentimos pequenos e impotentes, como os navegadores descritos pelo Salmo de hoje: “Ele ordenou, e levantou-se o furacão, arremessando grandes ondas para o alto; aos céus subiam e desciam aos abismos, seus corações desfaleciam de pavor”.
Ai! Que tantas vezes encontramo-nos nessa situação, tantas vezes vemos a Igreja encontrar-se assim!
E o Senhor, como no Evangelho de hoje, parece dormir, parece alheio à nossa aflição, distante da nossa angústia, incapaz de nos salvar... Quantas vezes temos de dizer: “Senhor, por que dormes? Por que não respondes? Por que parece que não vês a dor e o sofrimento?”
Tempos do Senhor, modos do Senhor, que nos desorientam!

Não é ruim que gritemos ao Senhor, caríssimos, pois gritar-Lhe, pedir-Lhe e até queixar-se a Ele é sinal de fé. Só quem crê e considera realmente Deus como Alguém e não como uma ideia abstrata, é que reza realmente! Então, gritemos, então, rezemos, então supliquemos!
Só não o façamos com a atitude de descrença dos apóstolos! O mal deles não foi acordar o Senhor, não foi suplicar por socorro. Não! Seu mal foi duvidar do Seu amor! Vede, caros meus, como eles dizem: “Não Te importas que estejamos perecendo?” Duvidam da solicitude do Senhor, duvidam de Seu cuidado por eles, duvidam do Seu amor pela humanidade e por cada um de nós: “Não Te importas?” Chegam até a repreender o Senhor!

Aconteça o que acontecer conosco, meus caros, não temos o direito de duvidar do amor de Cristo, da Sua presença, do Seu cuidado para conosco.
Olhemos a cruz! Conhecemos o amor de Deus para conosco, sabemos o quando Cristo nos quer bem, o quanto é nosso amigo, pois que não há maior prova de amor que dar a vida pelos amigos” (Jo 15,13), e Ele deu a Sua vida por nós...
São Paulo nos recorda, na segunda leitura de hoje, que “um só morreu por todos, para que os vivos não vivam mais para si mesmos, mas para Aquele que por eles morreu e ressuscitou”.
E então, meus caros? Aquele que vai na nossa barca, na barca da Igreja e na barca da nossa vida, é o mesmo que Se deu todo a nós e todo por nós; Aquele que por nós morreu e ressuscitou!
Gritar por Ele, sim;
clamar por Ele, sim;
suspirar pelo socorro Dele, sim também;
mas duvidar e reclamar com soberba descrença, não!

Será que não cremos de verdade que Ele é o Senhor, que Ele está vivo?
Será que não sabemos com todo o nosso coração que Ele é o Deus que domina o orgulho das ondas do mar?
Vede como Ele impera, como ordena: “Silêncio, mar! Cala-te!” E, que diz o Evangelho? “O vento cessou e houve uma grande calmaria”.
E, então, Jesus perguntou aos Doze, e nos pergunta a nós: “Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?”
– Então, Senhor, por que tenho medo, se nada é impossível para Ti?
Por que me entristeço tanto, se nada é impossível para Ti?
Por que me sinto sozinho, abandonado na vida, inseguro, preso pelo destino, se podes tudo, se venceste a morte; se sei que nada é impossível para Ti?

Para a mentalidade bíblica, era muito claro que somente Deus pode domar o mar. E ainda hoje, o homem da tecnologia, tão prepotente e metido a autossuficiente, treme de medo diante da potência do oceano. Por isso, a pergunta assustada dos Doze: “Quem é Este, a Quem até o vento e o mar obedecem?” Pois bem, este é o próprio Deus!
Isso mesmo: Jesus é Deus, Jesus acalma o mar!
Hoje, caríssimos, temos a ilusão que podemos controlar nossa vida e nosso destino. É mentira, é ilusão, é soberba idolatria! A barquinha de nossa vida, que atravessa o mar borrascoso deste mundo, está nas mãos do Senhor. Então, entreguemo-nos a Ele, confiemo-nos em Suas mãos! E, se Ele parecer dormir, não temamos, porque estará sempre conosco e, se olharmos bem a Sua cruz, saberemos com toda certeza que, venha o que vier, Ele nos ama, Ele faz conta de nós, Ele não nos esquece!
Aliás, esta é a grande diferença entre quem crê e quem não crê: para aquele que de verdade acredita no Senhor e Nele coloca sua confiança, venha o que vier, ele espera e confia, ele sabe que está nas mãos de Alguém que nos ama.
Afinal, o que sabemos da vida?
Que sabemos do modo como Deus dirige o mundo e nossa existência?
Será que não percebemos que o Senhor está presente no silêncio tanto quanto está presente quando nos fala?
Será que não vemos que Ele está ao nosso lado no sorriso como também no pranto?
Será que esquecemos que mesmo a treva para Ele não é escura? Ele é a luz e, com ele, a própria noite resplandece como o dia! Pensemos ainda nas palavras do Salmista: “Gritaram ao Senhor na aflição, e Ele os libertou daquela angústia. Transformou a tempestade em bonança, e as ondas do oceano se calaram. Alegraram-se ao ver o mar tranquilo, e ao porto desejado os conduziu. Agradeçam ao Senhor por Seu amor e por Suas maravilhas entre os homens!”

– Senhor Jesus, perdoa porque ainda somos medrosos, ainda temos tantos temores!
Quantas vezes juramos confiança em Ti;
quantas vezes dizemos que Te amamos...
Mas, na tempestade e na treva do mar bravio e profundo, tememos e duvidamos e, ainda, raivosos, temos queixas de Ti e a Ti acusamos...
Perdoa nossa insensatez, perdoa nossa descrença, perdoa nossa cegueira!
Conduze, Tu mesmo, como bem quiseres, a barquinha da Igreja, o barco pequenino da nossa vida!

Dá-nos a confiança de que Tu és o fiel condutor e o porto bendito, no qual um Dia ancoraremos para sempre a pobre barca da nossa existência. Amém.