domingo, 31 de março de 2019

Retiro Quaresmal - A liberdade para a qual Cristo nos libertou

Meditação XXII - segunda-feira da IV semana da Quaresma

Reze o Salmo 118/119,1-8
Retornemos à nossa Epístola. Agora, leia Gl 3,23; 4,1-7

1. Agora, uma outra ilustração de como a Lei é provisória e não dá a Vida. Partindo da ideia de que a Lei de Moisés tutelou o Povo de Israel até que, em Cristo, viesse o cumprimento da Promessa, o Apóstolo, agora utiliza outra imagem, comum no direito judaico e romano: o herdeiro menor de idade, que tem a herança, mas dela não pode fazer uso até a maioridade, ficando sob um tutor. Este herdeiro era Israel e o tutor era a Lei. Releia atentamente Gl 4,1-3.

2. Sugiro, aqui, que alarguemos o pensamento da Epístola. Então, quem é este herdeiro? Certamente, o Povo de Israel, a quem foram feitas primeiramente as promessas do Senhor (cf. Rm 9,4). Todo o Antigo Testamento era tempo de preparação, de espera, de levar a “criança”, o herdeiro menor de idade até o Mestre, o Prometido, Cristo (cf. Lc 16,16; 1Cor 10,1-11; Hb 1,1s). Assim, a Lei de Moisés, santa, necessária e útil, preparava e conduzia os judeus para Cristo. Mas, agora, chegado o Senhor Jesus Cristo, os judeus deviam dar o passo de crer e acolher o Prometido, reinterpretando Nele, através Dele e em relação a Ele toda a história de Israel e todas as Sagradas Escrituras e as observâncias de Lei de Moisés, que eram apenas figura do que deveria vir (cf. Jo 5,39; 6,29; Rm 9,4).

3. Mas, esse menor de idade são também os pagãos. Basta pensar no que o Apóstolo dirá no v. 8, referindo-se aos gálatas, vindos da gentilidade. Para eles também existia a Promessa, mesmo sem eles saberem. É só reler Gn 12,3! Mas, sem conhecerem o verdadeiro Deus, viviam debaixo da idolatria, sem verdadeira esperança, debaixo da lei do pecado, das paixões e dos elementos deste mundo, verdadeiros “filhos da ira” de Deus (cf. Ef 2,1-3)! Assim, judeus e gentios, “nós”, judeus (v. 3) “vós”, gentios (v. 8),toda a humanidade era “menor”, era tutelada, à espera do Prometido, do Descendente, do cumprimento da Promessa do Senhor Deus. Certamente, os judeus eram conscientes da Promessa; tinham o conhecimento do Deus verdadeiro (cf. Jo 4,22-24), tinham esperança no Senhor e, por isso, eram superiores sim aos gentios diante de Deus! Israel será sempre o primogênito de Deus (cf. Ex 4,22; Dt 7,6; Am 3,2; Os 11,1; Rm 11,28). Mas, agora, diante de Cristo, “não há judeu nem grego, escravo nem livre, não há homem nem mulher, pois todos vós sois um só em Cristo Jesus” (Gl 3,28).
É este pensamento amplo e ousado que está presente nos vv. 1-3 deste capítulo 4.

4. O próximo versículo, o 4, começa com uma adversativa: “Mas, porém...”É a marca de uma virada, de uma verdadeira revolução, de uma mudança de tempo, de época: “Porém, quando chegou a plenitude do tempo...” Agora, sim, no plano de Deus, vai se passar da promessa para o cumprimento, da figura para a realidade, da profecia para a realização, do tempo de Lei para o tempo da graça no Espírito Santo, tal como os profetas de Israel haviam prometido! Releia atentamente o v. 4.

a) A plenitude do tempo: o tempo previsto na providência divina. O Senhor Deus tem um plano de salvação, uma economia da salvação, isto é, uma sequência organizada e desenvolvida na história, no tempo, segundo Sua sabedoria e providência. A plenitude do começa com Jesus, nossos Senhor. Leia Mc 1,14s. O próprio Senhor Jesus Cristo sabia que esta plenitude chegara com Ele!

b) O Filho amado vem da parte do Pai, que o envia. Esse Pai é o Deus santo de Israel. Não, portanto, oposição entre a Lei que preparou e conduziu para Jesus Cristo e a Promessa, que é cumprida em Nosso Senhor e marca a realização e plenitude da Lei! Aliás, o judeu que desejasse realmente cumprir a Lei radicalmente e no seu espírito, deveria, necessariamente, reconhecer e acolher Jesus pela fé!
Outro aspecto importantíssimo: a iniciativa radical da salvação promana do Pai: “Deus amou tanto o mundo, que entregou o Seu Filho único, para que todo o que Nele crê não pereça, mas tenha a Vida eterna” (Jo 3,16). Esta salvação nos vem através do Filho na potência do Santo Espírito.

c) “Nascido de mulher”. Esta é a primeira referência do Novo Testamento à Virgem Maria! A Epístola aos Gálatas é mais antiga que os quatro evangelhos. O primeiro a ser escrito foi o de São Marcos, pelo ano 64. Esta Mulher, aqui, é a Virgem (cf. Jo 2,4; 19,26; Ap 12,1). Observe que não haveria necessidade de dizer que o Filho nasceu de mulher. Ao dizer, o Apóstolo pensa na Virgem Santíssima. Ela é a Nova Eva (cf. Gn 3,15), que tem um papel primordial no desígnio salvífico de Deus! É muito importante compreender que nestes versículos que estamos meditando, o Apóstolo resume admiravelmente o núcleo da história da salvação e, precisamente aí, coloca a Mulher! Cante, com a Mulher, com a Virgem Maria, a salvação de Deus: Lc 1,46-55.

 d) “Nascido sob a Lei”. Nascido de mulher pelas leis da natureza, o Cristo é também nascido debaixo da Lei de Moisés como judeu, descendência de Abraão! Assim, Ele, morrendo e ressuscitando, resgataria a todos, seja da lei da natureza decaída pelo pecado (cf. Rm 7,14-25), seja da Lei de Moisés com seu fardo pesado de preceitos e observâncias (cf. 23,4).

5. Por agora, paramos aqui. Ante o que estamos expondo, escute o Senhor. Leia e reze Mt 11,28-30. Acolha no seu coração o convite do Senhor. Repouse no Coração de Cristo. Reze a ladainha do Coração de Jesus!
Reze também o Sl 102/103


sábado, 30 de março de 2019

Homilia para o IV Domingo da Quaresma - ano c

Js 5,9a.10-12
Sl 33
2Cor 5,17-21
Lc 15,1-3.11-32


Este Domingo hodierno marca como que o início de uma segunda parte da Santa Quaresma. Primeiramente é chamado “Domingo Laetare”, isto é “Domingo Alegra-te”, porque, no Missal, a antífona de entrada traz as palavras do Profeta Isaías: “Alegra-te, Jerusalém! Reuni-vos, vós todos que a amais; vós que estais tristes, exultai de alegria! Saciai-vos com a abundância de suas consolações!” Um tom de esperança jubilosa na sobriedade quaresmal! É que já estamos às portas “das festas que se aproximam”. A Igreja é essa Jerusalém, convidada a reunir seus filhos na alegria, pela abundância das consolações que a Páscoa da salvação nos traz! Este tom de júbilo que nasce da esperança no Deus salvador aparece nas flores que discretamente são colocadas hoje na igreja e na cor rosa dos paramentos dos ministros sagrados.

Depois deste Domingo, o tom da Quaresma muda. A partir de amanhã, até a Semana Santa, quase todos os evangelhos da Missa serão de São João. Isto porque o Quarto Evangelho é, todo ele, como um processo entre os judeus e Jesus: os judeus levarão Jesus ao tribunal de Pilatos. Este condena-Lo-á, mas Deus haverá de absolvê-Lo e ressuscitá-Lo! A partir de amanhã também, a ênfase da Palavra de Deus que ouviremos na Missa de cada dia, deixa de ser a conversão, a penitência, a oração e a esmola, para ser o Cristo no mistério de Sua entrega de amor, de Sua angústia, ante a Paixão e Morte que se aproximam.

Em todo caso, não esqueçamos: a Quaresma conduz à Páscoa. A primeira leitura da Missa no-lo recorda ao nos falar da chegada dos israelitas à Terra Prometida. Eles celebraram a Páscoa ao partirem do Egito e, agora, chegando à Terra Santa, celebram-na novamente. Aí, então, o maná deixou de cair do céu.
Coragem, também nós: estamos a caminho; nossa Terra Prometida é Cristo, nossa Páscoa é Cristo, nosso maná é Cristo! Ele, para nós, é, simplesmente, tudo! Estão chegando os dias solenes de celebração de Sua Páscoa bendita e santa!

Quanto à liturgia da Palavra, chama-nos atenção hoje a parábola do filho pródigo. Por que está ela aí, na Quaresma? Recordemos como Lucas começa: “Naquele tempo, os publicanos e pecadores aproximavam-se de Jesus para escutá-Lo. Os fariseus, porém, e os escribas criticavam Jesus. ‘Este homem acolhe os pecadores e faz refeição com eles’”. Então: de um lado, os pecadores, miseráveis sem esperança ante Deus e ante os homens, que, agora, cheios de esperança nova e alegria, aproximam-se de Jesus, que Se mostra tão misericordioso e compassivo. Do outro lado, os homens de religião, os praticantes, que sentem como que ciúme e recriminam duramente Jesus! É para estes que Jesus conta a parábola, para explicar-lhes que o Seu modo de agir, ao receber os pecadores, é o modo de agir de Deus: “O Filho nada pode fazer por Si mesmo, mas só aquilo que vê o Pai fazer. Tudo o que Este faz, o Filho o faz igualmente” (Jo 5,19).

Quem é o Pai da parábola? É o Deus de Israel, o Pai de Jesus.
Quem é o filho mais novo? São os pecadores e publicanos. Este filho sem juízo deixou o Pai, largou tudo, pensando poder ser feliz por si mesmo, longe de Deus, procurando uma liberdade que não passava de ilusão. Como ele termina? Longe do Pai, sozinho, humilhado e maltrapilho, sem poder nem mesmo comer lavagem de porcos - recordemos que, para os judeus, os porcos são animais impuros! Mas, no seu pecado, na sua loucura e na sua miséria, esse jovem é sincero e generoso: caiu em si, reconheceu que o Pai é bom (como ele nunca tinha parado para perceber), reconheceu também que era culpado, que fora ingrato, e teve coragem de voltar: confiou no amor do Pai. Cheio de humildade, ele queria ser tratado ao menos como um empregado! Esse moço tem muito a nos ensinar: a capacidade de reconhecer as próprias culpas, a maturidade de não jogar a responsabilidade nos outros, a coragem de arrepender-se, a disposição de voltar, confiando no amor do Pai! Para cada filho que volta assim, o Pai prepara uma festa (a Páscoa) e o novilho cevado (o próprio Cristo, Cordeiro de Deus) e um banquete (a Eucaristia) e a melhor veste (a veste alva do Batismo, cuja graça é renovada na Reconciliação).

E o filho mais velho, quem é? São os escribas e fariseus, são os que pensam que estão em ordem com o Pai e não Lhe devem nada, são os que se acham no direito de pensar que são melhores que os demais e, por isso, merecem a salvação. O filho mais velho nunca amou de verdade o Pai: trabalhou com Ele, nunca saiu do lado Dele, mas fazendo conta de tudo, jamais se sentindo íntimo do Pai, de tudo foi fazendo conta para, um dia, cobrar a fatura: “Eu trabalho para Ti a tantos anos, jamais desobedeci qualquer ordem Tua. E Tu nunca me deste um cabrito para eu festejar com meus amigos.” O filho nunca compreendera que tudo quanto era do Pai era seu, porque nunca amara o Pai de verdade: agia de modo legalista, exterior, fazendo conta de tudo... E, agora, rancoroso, não aceitava entrar na festa do Pai, no coração do Pai, no amor do Pai, para festejar com o Pai a vida do irmão! O Pai insiste para que entre para o banquete, mas, os escribas e os fariseus não quiseram entrar na festa do Pai, que Jesus veio celebrar neste mundo...

Quem somos nós, nesta parábola? Somos o filho mais novo e somos também o mais velho! Somos, às vezes, loucos, como o mais jovem, e duros e egoístas, como o mais velho. Pedimos perdão como o mais novo, e negamos a misericórdia, como o mais velho. Queremos entrar na festa do Pai como o mais novo, e, às vezes, temos raiva da bondade de Deus para com os pecadores, como o mais velho! Convertamo-nos!

São Paulo nos ensinou na Epístola que, em Cristo, Deus reconciliou o mundo com Ele e fez de nós, criaturas novas. O mundo velho, marcado pelo pecado, desapareceu. Em nome de Cristo, Paulo pediu – e eu vos suplico também: “Deixai-vos reconciliar com Deus! Aquele que não cometeu nenhum pecado, Deus O fez pecado – isto é, Vítima pelo pecado – por nós, para que Nele nos tornemos justiça de Deus!”

Alegremo-nos, pois! Cuidemos de entrar na Festa do Pai, que Cristo veio trazer: peçamos perdão a Deus, demos perdão aos irmãos! “Como o Senhor vos perdoou e acolheu, perdoai e acolhei vossos irmãos!” Deixemos que Cristo nos renove, Ele que é Deus bendito pelos séculos. Amém.


Retiro Quaresmal - A liberdade para a qual Cristo nos libertou

Meditação XXI - sábado da III semana da Quaresma

Reze o Salmo 118/119,169-176
Retomando o texto da Epístola, releia, agora, Gl 3,23-29

1. Nesta meditação e na próxima, vamos nos deter nos vv. 26-28. São uma preciosidade, uma fonte de graça, consolo e esperança de salvação!

2. “Vós todos sois filhos de Deus pela fé em Jesus Cristo”. Lembre-se: São Paulo está escrevendo aos gálatas. Eles eram gentios, “pagãos”, diríamos nós; não conheciam o Deus verdadeiro, nunca haviam escutado falar de Abraão, de Moisés, dos profetas, provavelmente, nem sequer sabiam que existia, distante, um povo chamado Israel... Viviam entregues à idolatria, presos na própria lógica humana, enredados na gaiola estreita da própria razão humana entregue a si própria, escravos dos próprios desejos e paixões.
Leia, rezando, dois textos que mostram o que é o homem por si próprio, sem conhecer a Cristo e o que ele pode se tornar em Cristo. Leia com atenção, vendo o que somos por nós mesmos e a que somos chamados!

a) Primeiro texto: Ef 2,1-22. Veja que graça: de perdidos, mesmo os pagãos, os gentios, são agora, pela fé em Cristo, o Prometido de Deus (cf. Gn 12,3; 15,5s), trazidos para perto do Senhor, são da família de Deus! Contemple, adore, agradeça! Quantos, neste mundo infiel e apóstata, não têm a graça e a alegria de crer! Você tem essa graça... O que tem feito com a sua fé?

b) Agora, com o mesmo espírito de oração, com o coração aberto, leia o segundo texto: Ef 4,17-20. É outra perícope preciosa, comovente mesmo! Mostra-nos, como a anterior, a lama, o charco, o vazio, a miséria, o potencial de desespero do qual Cristo nos arrancou! Leia! Deixe que estas palavras penetrem o seu coração! Confronte-as, diante de Deus, com a sua vida! Faça uma revisão de vida, um exame sério de consciência!

c) Isto, os gálatas eram, antes de ouvirem a pregação de São Paulo! Isto, nós somos sem Cristo, longe do Salvador! Isto, o mundo é e será sempre: é só frequentar a maioria dos seus amigos e colegas, a televisão, a maioria dos sites da internet, o shopping center, e você verá o vazio, a superficialidade e fugacidade da existência humana sem Cristo... Agradeça ao Senhor Jesus Cristo, que Se tornou seu Caminho, sua Verdade, sua Vida!

3. A homens que viviam numa situação de idolatria, paixões, cegueira e escravidão, o Apóstolo, agora, diz: “sois filhos de Deus pela fé em Jesus Cristo”! Tendo ouvido a pregação do Evangelho, o Evangelho de Paulo sobre Jesus Cristo (cf. Gl 1,6-12), tendo nele acreditado e confessado Jesus como o Cristo Senhor, esses gálatas receberam o Batismo (cf. Mt 28,19s; Mc 16,15s; Jo 3,5-8) e, assim, foram lavados, purificados, unidos a Cristo pela ação do Espírito Santo do Senhor Jesus (cf. Tt 3,3-7). Eles, agora, são filhos no Filho Jesus, são filhos de Deus segundo a Graça, isto é, segundo o Espírito Santo; agora são ainda mais que o antigo Israel segundo a carne (cf. Rm 8,14-17)! Esta é a grande graça que o Cristo nos trouxe: a filiação adotiva no Seu Espírito de Filho!

4. Atenção: este é o único modo de alguém se tornar filho de Deus: a fé em Cristo seguida do Batismo, recebendo o Santo Espírito! Não há outro caminho! Toda a criação e todos nós somos criaturas amadas pelo Pai, todos nós e toda a criação somos amados filialmente pelo Pai através do Filho no Espírito; podemos até, chamar a Deus de pai, no sentido de que Ele cria, providencia, cuida, ama, protege... Podemos afirmar, portanto, que há uma filialidade natural da criação em relação a Deus. Mas, a adoção filial, a plenitude da filiação, de uma qualidade diversa e de uma plenitude inaudita, somente pelo Batismo no Espírito de Cristo pode ser alcançada. Leia atentamente Rm 6,3-14. O Batismo, sacramento da fé em Cristo, é a grande porta da salvação, pois nos dá o Espírito do Senhor Jesus Cristo imolado e ressuscitado, que nos faz verdadeiramente filhos do Pai. Por isso mesmo, após a Ressurreição Jesus no indica o quanto agora entramos na relação de filhos com o Seu Deus e Pai (cf. Jo 20,17). Somos verdadeiramente filhos no Filho (cf. Jo 1,12; 1Jo 3,1; 5,1). O Batismo é absolutamente indispensável para que alguém receba a filiação adotiva em Cristo!

5. Pense bem: a grande graça do cristão é ser verdadeiramente filho de Deus. E isto não é somente um dizer, um sentimento, um afeto! Pelo Batismo, o Espírito do Filho imolado e ressuscitado vem realmente habitar em nós e vai nos filializando mais e mais, num processo sempre crescente até a Vida eterna, quando seremos como o Filho é: totalmente glorificados Nele para a glória do Pai (cf. 1Jo 3,1s)! E tudo isto começa no nosso Batismo.
Procure responder: Qual a data do seu Batismo? Como você celebra, anualmente, este acontecimento capital, central mesmo para a sua existência neste mundo e na Eternidade? Vai à Missa nesse dia? Lembre: “fomos todos batizados num só Espírito para formarmos um só corpo” na Eucaristia (cf. 1Cor 12,13). Você procura viver a Vida nova em Cristo, própria de um batizado? Você vive, realmente, como cristão?

6. Leia 1Pd 2,1-10: Em Cristo, renascemos! No Batismo, fomos feitos crianças recém-nascidas...
Reze, agradecido, o Sl 130/131; 144/145. Nunca esqueça: Deus é Bom! Em Cristo, no Espírito, Ele nos fez verdadeiramente Seus filhos. Leia mais uma vez Rm 8,17.


sexta-feira, 29 de março de 2019

Retiro Quaresmal - A liberdade para a qual Cristo nos libertou

Meditação XX - sexta-feira da III semana da Quaresma

Reze o Salmo 118/119,161-168
Leia, agora, Mt 9,14-17

1. Este é o segundo dos dois textos do Evangelho com os quais eu quis ilustrar o quanto a visão de São Paulo sobre a Lei de Moisés e seu significado coincide com a própria visão do Senhor Jesus Cristo. O Santo Apóstolo nada mais fez que explicitar e aplicar na sua pregação, no seu Evangelho (cf. Gl 1,6.8s), o que o Senhor nosso já havia dito em germe, como fundamento do que deveria ser o comportamento dos Seus discípulos, sejam provindos do judaísmo sejam provindos da gentilidade.

2. Como se pode perceber, nesta perícope há dois temas, aparentemente independentes, mas que estão interligados:

a) Primeiro, a questão do jejum, prática importante do judaísmo: os discípulos dos fariseus e de João Batista praticavam jejuns devocionais. O Senhor Jesus e Seus discípulos não o faziam. Por quê? O Senhor dá uma resposta surpreendente: Ele Se considera o Deus-Esposo de Israel. Enquanto Ele estiver presente no mundo, nos dias de Sua missão, estão se cumprindo as Escrituras que falavam do matrimônio entre Deus e o Seu Povo Israel: Jesus mesmo é o Deus-Esposo que veio desposar o Israel (Igreja)-Esposa (cf. Os 2,4-25; Is 54,6-8; Jr 2,2; 31,3; Ez 16,1-43; Jo 2,1-10; 3,28-30; Ef 5,25-32). Ora, os discípulos são as testemunhas, os convidados para a festa de casamento, são “amigos do Esposo”. Assim, enquanto o Esposo estiver presente, desposando Sua Esposa, não há lugar para penitência, tristeza e luto, mas somente para a alegria dos dias do Messias (cf. Is 54,1-10; Sf 3,14-17; Zc 9,9s). Antes, deve jorrar o vinho da alegria, que é imagem do Espírito Santo derramado na Nova e Eterna Aliança (cf. Ef 5,18)! Quando Noivo for tirado, dando-Se em sacrifício na Cruz, então, sim, os discípulos jejuarão. Assim, o Cristo, aqui, estava Se referindo à Nova Aliança que Ele viera instaurar, substituindo a Antiga.

b) Depois, o Senhor apresenta duas parábolas: não se deve colocar remendo de pano novo em roupa velha nem vinho novo em odres velhos: o remendo novo repuxaria a roupa velha e o vinho novo estouraria os odres velhos. O que isto significa?
O pano velho e os odres velhos são a Antiga Aliança, centrada na Lei de Moisés, com seus preceitos e práticas, como o jejum. O pano novo e o vinho novo são a Nova Aliança, trazida por Jesus nosso Senhor, Aliança no Vinho novo, que é o Santo Espírito. O Senhor Jesus está dizendo aqui que não adianta remendar a Antiga Aliança: o cristianismo não é um puxadinho, um complemento da Antiga Aliança; não cabe nos parâmetros dos preceitos e práticas do judaísmo, mas é algo totalmente novo. Então, não adianta querer enquadrar o Novo Testamento no Antigo! Não dá mais: o Antigo foi definitivamente ultrapassado!

3. Então, o cristianismo radica-se no judaísmo, a Igreja radica-se em Israel, a Nova Aliança radica-se no Antigo Pacto, a Lei do Espírito que dá Vida radica-se na prefiguração da Lei de Moisés, mas o que é Novo cumpre e ultrapassa completamente o Antigo: o Vinho novo do Espírito estoura os limites dos odres velhos dos preceitos e práticas do Antigo Testamento! O Vinho novo requer uma nova Aliança, não mais fundada em preceitos, mas no Espírito de Cristo, Espírito de Amor, que faz homens novos em Cristo Jesus (cf. 2Cor 5,17)! É, isto, precisamente que o Apóstolo desejava tanto que os gálatas compreendessem para serem fieis à absoluta novidade trazida pelo Cristo nosso Senhor!

4. Agora leia os seguintes textos:
Is 54,1-17: nos cuidados do Senhor com a Jerusalém restaurada já se pode antever os carinhos do Cristo-Esposo para com o Israel(Igreja)-esposa.
Is 55,1-13: aqui, aparece de modo belo e evocativo a novidade da Nova Aliança, já predita pelos profetas.
Reze o Sl 44/45: o Esposo é o Cristo; a Esposa é a Igreja que, deixando o paganismo que seus filhos abraçavam na gentilidade, entra no palácio real da Nova Aliança, desposada pelo mais belo dos filhos dos homens.


quinta-feira, 28 de março de 2019

Retiro Quaresmal - A liberdade para a qual Cristo nos libertou

Meditação XIX - quinta-feira da III semana da Quaresma

Reze o Salmo 118/119,147-152
Continuando o que vimos na meditação anterior, leia Mt 5,20.

1. Prossigamos agora o que iniciamos na meditação anterior: o modo como o Senhor Jesus Cristo considerou a Lei de Moisés, a santa Torá dos judeus. Ainda no contexto de Mt 5,17-48, tomemos o importante v. 20: “Eu vos asseguro que se a vossa justiça não ultrapassar a dos escribas e fariseus, não entrareis no Reino dos Céus”. Que significam tais palavras?

2. Aqui, “justiça” refere-se à prática religiosa, ao modo como viver a relação com Deus, em outras palavras, à prática da Lei de Moisés. O justo é aquele que vive debaixo da Torá, aquele que pratica os preceitos da Lei. Basta ver o belíssimo Sl 118/119 que rezamos no início de cada meditação... Veja, por exemplo os vv. 1-8.

3. A quem Jesus está dirigindo estas palavras? Veja Mt 5,1s: Ele está falando não “aos judeus”, mas aos “Seus discípulos”! Então, na concepção de nosso Senhor, existe uma justiça dos escribas e fariseus, isto é, um modo de viver a relação com Deus, um modo de interpretar a Lei de Moisés e seu papel, próprio daquilo que se tornou o judaísmo rabínico, e existe um modo de viver a religião, a relação com Deus, um modo de interpretar a Lei e seu papel, que é próprio dos discípulos de Cristo! E o cristão não é cristão e não entrará no Reino que Jesus viera inaugurar (cf. Mt 4,23) se não passar da justiça dos escribas e dos fariseus para a justiça de Cristo, que é a justiça do Reino!
Leia Mt 6,33. Foi isto que São Paulo fez na vida dele: de judeu, fariseu observante, perdeu tudo e abraçou a fé no Cristo, Descendente de Abraão para receber a bênção prometida (cf. Gn 15,5s. 12,3).

4. A justiça dos escribas e fariseus é baseada na centralidade absoluta da Lei e na prática minuciosa dos seus preceitos. A Lei é vista como uma realidade absoluta, a medida e o fim de tudo. Em situações mais radicais, pode-se mesmo chegar a uma falta de amor e de misericórdia em nome da Lei, desfigurando a própria Lei, numa triste hipocrisia.
Leia, por exemplo, Jo 8,1-9 e Mt 23,1-36. É importante meditar seriamente sobre estes textos! Ainda agora, no cristianismo, uma visão de Cristo e da religião sem a fidelidade ao Espírito Santo de Cristo, conduz a uma visão dura, exterior e hipócrita da prática religiosa... Assim, cai-se novamente na justiça dos escribas e dos fariseus!
Aqui, faça uma pausa para um sério exame de consciência! Pode ser que sejamos cristãos na profissão de fé, na doutrina e escribas e fariseus na prática religiosa!

5. A justiça dos cristãos é baseada não na Lei de Moisés, mas na Pessoa adorável de Jesus Cristo nosso Senhor: “Vinde a Mim! Aprendei de Mim! Tomai sobre vós o Meu jugo! O Meu jugo é suave; o Meu fardo é leve!” (Mt 11,28s) O Senhor supera o fardo dos escribas e dos fariseus e dele liberta com um fardo baseado no amor Dele, no amor a Ele e, Nele e por Ele, no amor ao Senhor Deus e ao próximo! Assim, Ele não extingue a Lei, mas a plenifica e a supera.

6. Como o Senhor faz isto? Dando uma nova Lei que interioriza e radicaliza a Lei de Moisés! Que Lei bendita é esta? Lembre da Festa da Lei para os judeus: era a Festa de Pentecostes. Foi nesta Festa, depois da Páscoa do ano 30, que Jesus nosso Senhor, derramou sobre os Seus discípulos o princípio da Nova Lei, da Nova e Eterna Aliança, como os profetas anunciaram! Esta Lei é o próprio Espírito Santo de Amor.
Leia atentamente Rm 8,1-17:

a) Observe, no v. 2, como São Paulo fala na “Lei do Espírito”: é não mais a Lei de Moisés, mas a Lei do Espírito de Amor, derramado nos nossos corações (cf. Rm 5,5), que nos faz ter os sentimentos e atitudes de Cristo Jesus (cf. Fl 2,5; 1Pd 2,21-25).

b) Veja, no v. 3, como o Apóstolo explica que a Lei de Moisés fora enfraquecida pela fraqueza ( = carne) humana, incapaz de cumpri-la integralmente (cf. Gl 3,21s).

c) Releia o texto indicado de Rm 8,1-17 e veja o que significa viver no Espírito de Cristo, na Nova Lei, plenitude da Antiga Lei!

7. Paremos aqui. Agora, só nos resta admirar e louvar a Deus por Seu imenso desígnio de salvação. Reze o Salmo 66/67, que canta a alegria dos que sentem a fecundidade da obra de Deus! Que a chuva fininha e discreta da água, que é o Espírito, faça dar frutos a terra do nosso coração!

Cristo, não mais a Lei, é o Caminho
Cristo, não mais os rabinos, é o Mestre!

quarta-feira, 27 de março de 2019

Retiro quaresmal - A liberdade para a qual Cristo nos libertou

Meditação XVIII - quarta-feira da III semana da Quaresma

Reze o Salmo 118/119,137-144
Não estranhe, mas, nesta meditação e nas seguintes, vamos tomar com atenção e piedade os seguintes textos: Mt 5,17-48 e Mt 9,14-17 para aprofundar o pensamento exposto na Epístola aos Gálatas! Assim, leia agora, rezando, Mt 5,17-48.

1. Agora, meditaremos neste primeiro texto para colher nas palavras do próprio Senhor Jesus Cristo, nosso Salvador bendito, aquilo que o Apóstolo São Paulo tem nos ensinado na Epístola aos Gálatas sobre o papel da Lei de Moisés e sua relação com a fé no Cristo Senhor e a salvação por Ele trazida.

2. Tomemos, pois, Mt 5,17-48. Vamos acompanhar passo a passo o ensinamento de Cristo:

a) O Senhor aí deixa claro Seu respeito pela Lei de Moisés: o Salvador ensina a santidade da Lei, também deixa claro sua durabilidade e sua eficácia, sua relação com o Reino dos Céus (quem é hostil ou desrespeitoso para com a Lei, não herdará o Reino dos Céus) e a necessidade de observá-la! Veja que, à primeira vista, pareceria que São Paulo não fora fiel a Nosso Senhor! Mas, vamos compreender as palavras de Cristo!

b) Realmente, o Senhor Jesus não veio revogar a Torá: sendo Palavra do Senhor Deus, ela não pode ser revogada, pois Deus não muda nem volta atrás no que disse e prometeu. Como ensinara São Paulo, Deus concedera a Lei a Israel para indicar-lhe o caminho, para regular sua vida, na perspectiva de uma Plenitude que viria depois: o cumprimento da Promessa em Jesus Cristo nosso Senhor, que daria a bênção da salvação a todo aquele que Nele cresse, fosse de que nação fosse, conforme a palavra do Senhor Deus a Abraão (cf. Gn 12,3)! Neste sentido veja o que diz o Apóstolo em Rm 7,12.14: a Lei é santa, porque vem do Deus santo e a Ele leva; a Lei é espiritual, porque é dada no Espírito de Deus e somente pode ser cumprida quando o homem é sustentado pelo Espírito!

c) O Senhor Jesus Cristo afirma ter vindo dar à Lei pleno cumprimento. Aqui está a chave para compreendermos toda esta questão. “Cumprir”, neste contexto, não significa obedecer, mas sim realizar, cumprir seu objetivo! Se a Lei foi o pedagogo de Israel para o Cristo, ela, entregando Israel a Cristo, cumpriu sua missão e Cristo deu descanso, realização, plenitude à Lei! Cristo, realizando o que a Lei previra, deu cumprimento e “repouso” à Lei!
Dou dois exemplos para ilustrar esta ideia:

(1) um botão de flor: ele não existe para permanecer botão, mas se cumpre na flor: quando a flor desabrocha, o botão desaparece: a flor dá-lhe pleno cumprimento. O botão não foi abolido, mas cumprido, realizado, pleno! Sem ele, a flor não existiria;

(2) os treinos de um time de futebol: a equipe treina, treina, em vista da partida decisiva e, no momento da partida, os treinos são cumpridos! Sem os treinos, a partida seria uma tragédia; sem a partida, os treinos seriam inúteis e sem sentido! No momento da partida, os treinos perdem a utilidade: foram cumpridos e podem passar!

É, precisamente, neste sentido que Cristo afirma não ter vindo revogar a Lei, mas cumpri-la!

d) Com Cristo, a Lei alcança sua gloriosa plenitude, porque sendo cumprida em Cristo, demonstra sua santidade, sua veracidade de pedagogo: o que o Antigo Testamento prometera realizou-se em Cristo Jesus uma vez por todas! A Lei estará garantida para sempre no seu cumprimento: nem um iota passará sem que tudo tenha sido cumprido (cf. Mt 5,18), pois Deus é fiel! Tanto que São Paulo mesmo afirma que Jesus Cristo é o “Sim” e o “Amém” do Pai (cf. 2Cor 1,19-22), pois tudo quanto o Senhor Deus prometera e anunciara na Lei, cumpriu-se em Jesus, nosso Senhor!

e) Com Cristo, a Lei foi consagrada para sempre e jamais passará no seu objetivo: o que ela preanunciara, prometera e preparara realizou-se para sempre no Cristo, agora imolado e ressuscitado para sempre à Direita do Pai! Assim, o Senhor Jesus Cristo não aboliu a Lei, mas cumprindo-a, validou-a para sempre, por toda a eternidade!

f) Jesus, nosso Senhor, sempre submeteu-Se a Lei (cf. Lc 2,22; Gl 4,4), era um judeu observante e praticante. Basta ver como, costumeiramente, ia aos sábados à sinagoga (cf. Lc 4,16), peregrinava a Jerusalém para as grandes festas judaicas (cf. Jo 2,13;5,1;7,2.14) e tinha respeito pelo Templo (cf. Jo 2,13-17). Além do mais, sempre recomendou aos judeus Seus contemporâneos que cumprissem a Lei (cf. Mc 10,17-19). Esta obediência à Lei de Moisés fazia parte do mistério da nossa salvação, pois o Senhor Se esvaziou de Si próprio, tomando a condição se Servo e fazendo-Se obediente e pobre. Leia Fl 2,5-8; 2Cor 8,5.

g) Jesus, nosso Senhor, rejeitava a importância e a centralidade que os fariseus davam à Lei oral (cf. Mc 7,1-8), bem como a absolutização dos preceitos da Lei sem que a prática brotasse do seu espírito, é que o amor a Deus e ao próximo (cf. Mc 12,28-34). Aqui já se percebem as raízes dos embates que São Paulo terá com os cristãos judaizantes, como aparecem na Epístola aos Gálatas!

h) Pela consciência profunda que Nosso Senhor tinha de ser o próprio Filho do Deus Santo de Israel, Ele sabia que estava acima da Lei e dar-lhe-ia a interpretação plena e definitiva (cf. Mt 5,21-48). É impressionante quando Ele diz repetidamente: “Ouvistes o que foi dito... Eu porém vos digo!” Ninguém em Israel, absolutamente, jamais teria esta ousadia! Somente Deus poderia aperfeiçoar a Lei de Moisés, Lei do próprio Deus! Por isso mesmo a pergunta dos judeus incrédulos de todos os tempos a Jesus: “Quem pretendes ser?” (Jo 8,53)

i) Por outro lado, como São Paulo, o Senhor nosso deixou claro aos judeus que eles deveriam crer Nele, se desejassem, de verdade cumprir as obras da Lei de Moisés! As muitas obras e práticas da Lei, agora, transformam-se numa obra só: “A obra de Deus é que creiais Naquele que Ele enviou!” (Jo 6,29) Além do mais, Jesus Cristo exortou os judeus a serem verdadeiros filhos de Abraão, crendo na Promessa e no Prometido, Descendente de Abraão: “Se fôsseis filhos de Abraão, praticaríeis as obras de Abraão”. Qual foi a obra de Abraão? Abraão creu (cf. Gn 15,6). Ao invés, os judeus procuravam matar o Prometido: “Vós, porém, procurais matar-Me, a Mim, que vos falei a verdade que ouvi de Deus. Isto Abraão não o fez! Vós fazeis as obras do vosso pai!” (Jo 8,39-41a). Compreendamos bem o sentido: Abraão creu e é pai de quem crê em Cristo-Isaac, realização da Promessa na qual Abraão creu (cf. Gn 15,5s); quem deseja matar Jesus nosso Senhor é filho de outro pai: “Vós sois do Diabo, vosso pai, e quereis realizar os desejos de vosso pai. Ele foi homicida desde o princípio e não permaneceu na verdade... Não credes em Mim!” (Jo 8,44.45)Assim, com palavras diferentes, o Senhor Jesus ensinara e proclamara o mesmo que Seu discípulo fiel, Paulo Apóstolo, gritou aos ouvidos dos gálatas!

3. Paremos por aqui. Na próxima meditação, farei ainda algumas considerações sobre este texto e passaremos ao segundo: Mt 9,14-17.

4. Agora reze o Sl 104/105, cantando a fidelidade de Deus a Israel. Tudo isto preparando o cumprimento da Promessa em Cristo!
Infelizmente, Israel foi como uma vinha infiel. Leia Is 5,1-7.
Reze o Sl 79/80: observe que a vinha é Israel; o “Homem da Tua direita, o Filho de Adão” do v. 18 é o Messias prometido, no qual a vinda de Israel deveria ter acreditado em peso!

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terça-feira, 26 de março de 2019

Retiro Quaresmal - A liberdade para a qual Cristo nos libertou

 Meditação XVII - terça-feira da III semana da Quaresma

Reze o Salmo 118/119,129-136
Releia, agora, Gl 3,8-29

1. Em todos estes versículos, nas várias meditações que aqui foram apresentadas até agora, vimos a preocupação do Apóstolo de colocar a Lei de Moisés não como algo absoluto, mas como uma realidade relativa a algo maior, no interior de algo maior e mais fundamental! De fato, para um judeu, a Lei é o centro, é a própria fonte da Vida, a Lei para na Lei, basta a Lei! E a Lei, para o israelita mais estrito é, sobretudo, preceitos.
Para um cristão, para o Apóstolo, a Lei é um instrumento santo dado por Deus ao Seu Povo, para ajudá-lo no caminho da realização da Promessa: a salvação de toda a humanidade (cf. Gn 12,3) através da fé no Descendente de Abraão, que daria a todos os que cressem a efusão do Seu Espírito (cf. Gl 3,8-15).

2. Pense bem: esta é a diferença central entre judaísmo e cristianismo e, por isso, os dois são tão próximos e tão inconciliáveis! Para um cristão, seria uma insensatez voltar à Lei de Moisés (cf. Gl 3,1). Do mesmo modo, é insensatez para um cristão retomar práticas o Antigo Testamento: óleo da alegria, proibição de imagens, de transfusão de sangue, batizar nas águas, fazer distinção entre alimentos puros e impuros, guardar o sábado, retomar costumes israelitas, inventar falso Templo de Salomão, culto à Arca da Aliança e coisas do gênero... Infelizmente, quando muitos cristãos já não têm ideia de que Cristo é o centro e o foco e o fim das Escrituras Sagradas, fica muito fácil cair na armadilha das seitas fundamentalistas: elas leem as Escrituras, mas sem um foco, sem um princípio unificador e interpretativo, que somente pode ser Jesus nosso Senhor!

3. Outra ideia importante é a da Lei como pedagogo para o Cristo. Se pensarmos que, para um judeu, a Lei abrange todo o Antigo Testamento, fica, então claríssimo: toda a história de Israel, todas as Escrituras de Israel caminham para o Cristo: Ele é a razão de ser, a finalidade de Israel, das Escrituras Santas, de suas personagens e das instituições judaicas do Antigo Testamento! Assim, com espírito não somente de estudioso, mas sobretudo com espírito orante e admirado, tomemos alguns exemplos, contemplando o Cristo Jesus nosso Senhor:

a) Pessoas:

Adão: como o primeiro Adão foi princípio e síntese da antiga humanidade, marcada pelo pecado, Cristo é o Novo adão, princípio e síntese da nova humanidade nascida no Espírito para a Vida divina (cf. Rm 5,12-21; 1Cor 45-49; Ef 4,17-24).

Abel: como Abel é o modelo de justo e seu sangue clama a Deus por vingança, Cristo, o Inocente, é o Novo Abel e Seu sangue clama pela vingança de Deus contra o pecado, dando a salvação à humanidade (cf. Hb 12,22-24).

Isaac: como Isaac foi o descendente prometido a Abraão, do qual nasceu o antigo Povo e viria a bênção para todos os povos, Cristo é o Novo Isaac, do qual nasceu o Novo Povo, constituído pelos crentes de todos os povos da terra; como Isaac, humilde e manso, deixou-se oferecer em holocausto, assim Cristo, o Filho amado, deixou-Se oferecer por nós (cf. Rm 8,32; Hb 11,17-19)

Moisés: como Moisés foi o mediador da Antiga Aliança e rejeitado pelo seu povo, Cristo é o Mediador da Nova e Eterna Aliança, rejeitado por Israel (cf. Jo 1,17; At 7,35.37.38).

Davi: como Davi foi o rei de Israel e agradou ao Senhor Deus, assim Cristo, descendente de Davi é o Rei eterno, que cumpre todas as promessas do Senhor a Casa de Davi (cf. 2Sm 7,12-16; Sl 88/89,21-30; Lc 2,31; Mt 21,1-11; Rm 1,1,3s).

b) Eventos

A Arca de Noé (cf. 1Pd 3,18-22)
Os dons e a pessoa de Melquisedec (cf. Hb 7,1-3)
A páscoa de Israel prenuncia a Páscoa de Cristo e da Igreja (cf. Jo 13,1s; 1Cor 5,7)
A travessia do Mar dos Juncos prefigura o Batismo no Espírito de Cristo (cf. 1Cor 10,1-11)
O maná prenuncia a Eucaristia (cf. Jo 6,32-33)
A água que sai da rocha e sacia o Povo prenuncia o Espírito saído do lado de Cristo e dado nos sacramentos para saciar a Igreja, Novo Povo (cf. Jo 7,37-37; 19,31-35)
A travessia no deserto prenuncia o caminho da Igreja, Povo fundado em Cristo (cf. 1Cor 10,6-11)
O dom da Lei no Sinai ao Povo reunido no mesmo lugar, entre nuvens, trovões, ventania, tremor de terra e tempestade, prenuncia o Pentecostes, Festa da Lei, quando, no Cenáculo, Cristo deu ao Seu Povo a Lei definitiva, que é o Espírito derramado nos nossos corações (cf. At 2,1-6)

c) Instituições

Israel, Povo de Deus, imagem da Igreja, nascida de Cristo, composta de crentes de todos os povos da terra (cf. 1Pd 2,4-10)
A Tenda de Reunião, que prenuncia Cristo que armou Sua tenda entre nós (cf. Jo 1,14)
O Templo, imagem do próprio Corpo de Cristo (cf. Jo 2,18-22)
O Cordeiro pascal (cf. Jo 19,36)
Jerusalém, imagem da Igreja de Cristo (cf. Gl 4,26; Ap 21)

4. Agora, reflita: Como tudo se cumpre em Cristo, também a vida de todo homem que vem a este mundo e, concretamente, a sua vida, somente em Cristo encontra seu sentido último e seu fundamento. Sem Ele, que sentido tem a vida? “Do que nos valeria ter nascido se não nos redimisse em Seu amor?” – pergunta a Igreja no Precônio Pascal!
Procure responder: Cristo é o centro da sua existência? Ele é, realmente, seu Caminho, sua Verdade e sua Vida? Você consegue interpretar sua existência toda à luz de Cristo? Coisas sérias para serem pensadas!

4. Para meditar e rezar: 88/89. Lembre: Cristo é o verdadeiro Davi: humilhado na Cruz, Ele triunfou e sentou-Se para sempre no Seu trono nos Céus!

A Lei (Moisés) e os profetas (Elias)
brilhando na Glória de Cristo e Dele dando testemunho

segunda-feira, 25 de março de 2019

Retiro Quaresmal - A liberdade para a qual Cristo nos libertou

Meditação XVI - segunda-feira da III semana da Quaresma

Reze o Salmo 118/119,121-128
Leia, agora, Gl 3,23-29

1. Paulo continua refletindo sobre o papel, o significado da Lei de Moisés. Ele, agora, fala como judeu: “antes que chegasse a fé”, isto é, antes que chegasse o Descendente prometido por Deus a Abraão e no qual Abraão acreditou, ou seja, antes de Cristo, “nós éramos guardados sob a tutela da Lei para a fé que haveria de se revelar”. A ideia de São Paulo, aqui, é clara: Deus concedeu a Lei a Israel como um elemento preparatório, educativo, até que chegasse o tempo da realização da Promessa que o Senhor Deus fizera a Abraão: um Descendente através do qual todos os povos da terra seriam abençoados (cf. Gn 12,3; Gn 15,5s). Aqui aparece claro, mais uma vez, que a Lei foi dada em função da Promessa, com um caráter provisório e educativo “em vista da fé que haveria de se revelar”. A conclusão do Apóstolo é bela: usa a imagem do pedagogo, aquele que, na antiguidade, conduzia a criança até o mestre. Eis: “Assim, a Lei se tornou nosso pedagogo até Cristo, para que fôssemos justificados pela fé” (cf. v. 24). No pensamento do Apóstolo, a Lei educou e conduziu Israel à fé em Cristo. Crendo em Cristo, o Descendente prometido, os israelitas seriam justificados pela fé, como o Pai Abraão (cf. Gn 15,6). Assim, cumprida sua missão, a Lei com seus preceitos cede lugar à fé em Cristo, o Doador do Espírito, nova Lei, conforme anunciado pelos profetas (cf. Ez 36,26; 37,14; 39,29; Jl 3,1-5). Crendo em Cristo, o Prometido, o Descendente de Abraão, Israel passaria de simples Israel segundo a carne para ser também Israel segundo o Espírito do Filho Jesus Cristo!
Leia mais uma vez, rezando, Rm 8,1-17.

2. “Chegada a fé, chegado o Cristo, nós judeus, não estamos mais sob o pedagogo” (v. 25): o verdadeiro judeu, que deseja ser fiel ao plano de Deus, deveria, agora, acolher o Senhor Jesus pela fé e viver a Vida nova que Ele concede, dando a todos o perdão pela Sua Cruz e Ressurreição. Quanto aos que não eram israelitas, os gentios, “vós todos sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus…” (v. 26). Eis aqui: judeu ou gentio, crendo em Jesus como o Cristo, o Descendente prometido, torna-se filho de Deus em Cristo: “pois todos vós, que fostes batizados em Cristo, vos vestistes de Cristo. Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher; pois todos vós sois um só em Cristo Jesus” (vv. 27s). Frase estupenda!

a) Os judeus, crendo, devem receber o Batismo no Espírito de Cristo; também os gentios, crendo, como os judeus, recebem o Batismo, isto é, o mergulho (“batizar”, em grego, significa mergulhar) no Espírito de Cristo e são revestidos de Cristo, como o batizado é revestido da água do Espírito (cf. Jo 3,5).

b) Agora, em Cristo, toda diferença de separação é superada: seja judeu ou gentio, escravo ou livre, homem ou mulher, o importante é crer em Cristo e Nele ser batizado, recebendo o Seu Espírito e tornando-se Nele e por Ele uma só coisa, uma só realidade nova, participando daquela bênção que desde o início Deus prometera através da Descendência de Abraão (cf. Gn 12,3).

c) Aparece, aqui, o impressionante desígnio do Senhor Deus: reunir todas as coisas em Cristo, concedendo a toda a humanidade e a toda a criação o dom da salvação, que é a Vida nova no Espírito do Cristo Jesus. Leia com toda atenção Ef 1,3-14; Cl 1,21-23. Releia, medite, reze!

3. Pronto: agora fica fácil compreender a conclusão de Paulo: “E se vós sois de Cristo, então sois descendência de Abraão, herdeiros segundo a Promessa” (v. 29). Paulo fala aos gálatas: crendo e tendo sido batizados no Espírito do Cristo, Descendência de Abraão, eles, que, segundo a carne, estavam for a dessa descendência, são agora, pelo Batismo no Espírito de Cristo, o Descendente, descendência de Abraão segundo a fé e, portanto, herdeiros da bênção (cf. Gn 12,3), segundo a Promessa (cf. Gn 15,5s).

4. Com o coração admirado e grato ao Senhor, leia e reze Ef 2,11-18. Agora reze o Sl 137/138


sábado, 23 de março de 2019

Homilia para o III Domingo da Quaresma - ano c

Ex 3,1-18a.13-15
Sl 102
1Cor 10,1-6.10-12
Lc 13,1-9

O tempo da Quaresma recorda muitas vezes o tempo da travessia do deserto por parte de Israel: tempo de peregrinação, de provação e de purificação. O livro do Deuteronômio recorda isto com palavras muito fortes: “Lembra-te de todo o caminho que o Senhor teu Deus te fez percorrer durante quarenta anos no deserto, a fim de humilhar-te, tentar-te e conhecer o que tinhas no coração. Portanto, reconhece hoje no teu coração que o Senhor teu Deus te educava, como um homem educa seu filho” (Dt 8,2.5).
No deserto, portanto, Deus usou as provas pelas quais Israel passou para revelar ao Seu Povo aquilo que estava escondido no seu próprio coração, isto é, seu pecado, sua fraqueza, sua infidelidade. Mas, também no deserto, Deus cercou Seu Povo de carinho e proteção, alimentou-o com o maná e saciou-o com a água do rochedo, guiou-o pela nuvem luminosa de noite e protetora contra o sol de dia... Tempo de noivado e de amor entre Deus e o Seu Povo, foi o tempo do deserto! Por isso, pensar nessa travessia pelo deserto serve tanto para a nossa preparação para a Páscoa.

Mas, vejamos. Como começou o caminho de Israel deserto adentro? Começou com a “descida” de Deus para juntinho do Seu Povo que gemia debaixo de humilhante escravidão: “Eu vi a aflição do Meu Povo que está no Egito e ouvi o seu clamor por causa da dureza de seus opressores. Sim, conheço os seus sofrimentos. Desci para libertá-lo e fazê-los sair...” Que coisa impressionante: um Deus tão grande, tão santo, o Deus de Israel e, no entanto, é capaz de ver a aflição, ouvir o clamor, conhecer o sofrimento do Seu Povo, que era ninguém, que não passava de um punhado de escravos! “Eu desci para libertá-lo!”
Nosso Deus é um Deus que desce, que vem para junto do pobre que se encontra no monturo! 
Nosso Deus é um Deus que liberta e salva!
E quando Moisés pergunta pelo Seu Nome, Deus revela-O de dois modos: primeiro apresenta-Se como o “o Deus de teus pais, o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó” – isto é, o Deus fiel, o Deus que não esqueceu Seus amigos do passado, Abraão, Isaac e Jacó e agora vem em socorro de seus descendentes. Depois, Deus revela o Seu Nome: “Eu Sou Aquele que Sou” ou “Eu Sou Aquele que Será”. Segundo bons exegetas, assim deve-se traduzir o Nome de Deus. Isto é, Deus não revela o seu Nome a Moisés! Seu “Nome”, na verdade, é um desafio, um convite; quer dizer: “Eu Sou o que tu verás quando Eu agir! Tu verás quem Eu Sou à medida que caminhares Comigo! Eu Sou o que estará sempre contigo!” – O Deus que foi fiel a Abraão, a Isaac e a Jacó é confiável, pode-se apostar a vida Nele: Moisés e o Povo de Israel haverão de ver! E viram, em tantos momentos da travessia do deserto. Na segunda leitura, São Paulo recorda vários destes acontecimentos: a nuvem e o mar (imagens do Espírito e da água do Batismo), o maná (imagem da Eucaristia), a água que brotou da rocha (imagem do Cristo, de cujo lado traspassado brotou o Espírito). Deus fora todo carinho, todo proteção, todo compaixão e paciência... E, no entanto, Israel tantas vezes duvidou, revoltou-se, murmurou, foi de cerviz dura e infiel!

São Paulo nos previne: “Esses fatos aconteceram para servir de exemplo para nós, a fim de que não desejemos coisas más, como fizeram aqueles no deserto. Não murmureis, como alguns deles murmuraram... Portanto, quem está de pé tome cuidado para não cair”. Nós somos o Povo de Deus da Nova Aliança. Como Israel, atravessamos um longo deserto rumo à Terra Prometida, que é a Pátria celeste; e também nós somos sujeitos a tantas tentações, como Israel. O grande pecado do Povo de Deus da Antiga Aliança era descrer e murmurar contra Deus. De cabeça dura, Israel teimava em caminhar do seu modo, em fazer do seu jeito, em contar com suas forças e sua lógica. Quantas vezes o povo fez isso! Quantas vezes nós fazemos isso!

Neste santo Tempo quaresmal, somos chamados a uma sincera conversão, a mudar nossa lógica, confiando realmente no Senhor e trilhando sinceramente Seus caminhos! Estejamos atentos à seríssima advertência que o Senhor Jesus nos faz no Evangelho. Primeiro, Ele usa dois acontecimentos daqueles dias em Jerusalém para ilustrar a necessidade de conversão urgente: os galileus que Pilatos perversamente mandara matar e misturar seu sangue com o dos animais sacrificados no Templo – um ato de profanação! – e as dezoito pessoas que morreram por conta do desabamento de uma torre em Jerusalém. Jesus pergunta: “Pensais que essas pessoas eram mais pecadoras que as outras?” Não! Os sofrimentos da vida não são castigo pelos pecados! Mas, devem servir de reflexão e de alerta para todos! Há uma desgraça muito pior que qualquer acidente: morrer para Deus, ressecar o coração para o Senhor: “Se não vos converterdes, ireis morrer do mesmo modo!” Depois Jesus ilustra o que ele quer dizer com a parábola da figueira estéril: “Há três anos venho procurando figos nesta figueira e nada encontro!” A figueira da parábola é o Povo de Israel que, durante três anos, ouviu a pregação do Senhor e não O acolheu! Mas, e nós, há quantos anos escutamos o Senhor? Que frutos estamos dando? Nesta Quaresma deste ano, como vai o nosso combate espiritual, o nosso caminho de conversão?

Não abusemos da paciência de Deus, não tomemos como desculpa a Sua misericórdia para retardar nossa conversão! O Eclesiástico previne severamente: “Não digas: ‘Pequei: o que me aconteceu?’ porque o Senhor é paciente. Não sejas tão seguro do perdão para acumular pecado sobre pecado. Não digas: ‘Sua misericórdia é grande para perdoar meus inúmeros pecados’, porque há Nele misericórdia e cólera e Sua ira pousará sobre os pecadores. Não demores em voltar para o Senhor e não adies de um dia para o outro, porque, de repente, a cólera do Senhor virá e no dia do castigo perecerás” (Eclo 5,4-7)

Caríssimos, eis o tempo de conversão, eis o dia da salvação! Deixemo-nos reconciliar com Deus em Cristo! Convertamo-nos!


Retiro Quaresmal - A liberdade para a qual Cristo nos libertou

Meditação XV - sábado da II semana da Quaresma

Reze o Salmo 118/119,113-120
Leia, agora, Gl 3,19-22

1. Estamos vendo como São Paulo procura colocar a Lei de Moisés no interior de algo mais amplo e profundo: a Promessa de Deus, Promessa feita a Abraão de que através da sua Descendência, o Cristo-Isaac, todas as nações da terra seriam abençoadas: esta bênção é a salvação para todos! Promessa que foi cumprida pelo Senhor graças à fé de Abraão, de modo que este foi justificado pela fé! Assim, os que crerem no verdadeiro Isaac, que é Cristo, são justificados pela fé, como Abraão o fora. Nele, toda a humanidade, sejam judeus sejam gentios, encontra a salvação!
Todo este raciocínio pode, à primeira vista, nos fazer pensar que o Apóstolo desqualifica a Lei de Moisés, tornando-a quase que inútil e até mesmo má! Mas, não é esta a sua intenção nem sua doutrina! Como ele poderia considerar má uma realidade que é dom de Deus? Disto ele trata nos versículos que meditaremos agora.

2. “Por que, então, a Lei?” São Paulo medita sobre este tema nas cartas aos Romanos e aos Gálatas. Vejamos o que o santo Apóstolo diz...

a) A Lei fora acrescentada à Promessa. Em si, a Promessa já bastava: Deus daria Cristo à humanidade, a todo aquele que acreditasse Nele e, esses, crendo seriam justificados, seriam salvos no poder do Seu Espírito Santo (cf. Gl 3,14)! Mas, até que o Descendente viesse e a Promessa se cumprisse, Deus, na Sua sábia providência, quis dar a Israel a Torá, a Lei ao Povo do qual nasceria o Cristo. Poderíamos dizer que Israel é o Povo dos descendentes de Abraão do qual viria o Descendente, Cristo, verdadeiro Isaac!
A grande questão é que Paulo e os cristãos não concordam de modo algum com a absolutização da Lei de Moisés que o judaísmo cultivava e cultiva! Aqui, entre judaísmo e cristianismo não há acordo: são duas visões radicalmente diferentes e opostas! Para um cristão, jamais a Lei será o centro da relação com Deus; o centro é Cristo, realizador da Promessa! Qual é, então, o papel da Lei? Por que Deus a quis?

b) O Apóstolo já dissera que a Lei fora dada posteriormente à Promessa: esta foi feita a Abraão; a Lei foi dada a Israel através de Moisés. Então, ela, de modo algum, é importante como a Promessa (cf. Gl 3,17s). No pensamento paulino, a Lei deve ser compreendida dentro da Promessa e em função da Promessa; não como algo absoluto, um valor em si mesmo!

c) De modo surpreendente, São Paulo afirma agora que a Lei “foi acrescentada para que se manifestassem as transgressões” (v.19). Como compreender tal afirmação? A Lei, com suas cláusulas, regula, delimita, distingue e, assim, faz com que o homem veja o pecado, saiba com maior consciência o que é o pecado, o que agrada ou desagrada a Deus (cf. Br 4,4): tudo quanto está em desacordo com a Lei é pecado! Assim, a Lei faz com que se manifeste claramente a Israel as transgressões à vontade do Senhor Deus.
Mais ainda: o homem, conhecendo a Lei, vendo o que é o pecado, e desobedecendo, por malícia ou por fraqueza, acaba por se tornar um transgressor! Assim, a Lei termina por mostrar a visceral fraqueza do homem, sua impotência para agradar a Deus somente com suas forças: a Lei mostra o que é a transgressão e revela que o homem é um transgressor, revela o pecado! Sobre isto, o Apóstolo tem afirmações fortíssimas, que não convém aprofundar agora, mas que podem ser lidas para compreender o seu pensamento: Rm 3,20; 4,15; 5,20; 7,7-13; 1Cor 15,56

d) Deste modo, a Lei termina servindo para fazer com que o homem experimente que não pode sozinho cumprir a vontade de Deus e que necessita da graça de Deus para se salvar, porque ele, sozinho, não passa de um transgressor! Ora, esta graça de que o homem precisa, seja ele judeu ou gentio, é dada precisamente pelo Descendente a todo aquele que crer Nele, que é o prometido a Abraão e à sua descendência formada agora por todos aqueles que crerem, de todas as nações que, assim, se tornarão benditas, conforme a Promessa (cf. Gn 12,3). Assim, a Lei termina fazendo o fiel clamar pelo cumprimento da Promessa, realizada em Cristo!

3. São Paulo utiliza ainda um outro argumento para ilustrar que a Lei é inferior à Promessa. Trata-se de um argumento baseado numa crença muito presente na tradição judaica de que a Lei fora dada no Sinai pelo ministério dos anjos. Leia, por exemplo, At 7,38.53. O Apóstolo usa esta crença para argumentar que a Lei promulgada por anjos é inferior à Promessa feita pelo próprio Deus diretamente (vv. 19s). Assim, os gálatas são insensatos por se apegarem à Lei de Moisés ao invés de fundamentarem sua fé na Promessa do próprio Deus!

4. Há, ainda uma outra questão muito séria para o Apóstolo: a Lei em si, com seus preceitos, dá a norma, indica o caminho, mas não dá a graça, não dá a força para cumprir os mandamentos! Assim sendo, ela mostra o caminho da Vida e, também neste sentido ela é boa e louvável, é Vida para Israel, mas ela mesma, em si, não produz a graça, a força do Espírito que dá Vida divina que nos torna justos diante de Deus! Releia os vv, 21s. Como já vimos, a Lei mostra onde está o pecado, porque mostra o caminho de Deus, mas, em si mesma, não dá a força para evitar o pecado e fazer o bem! Para isto, é necessária a graça de Deus, que nos vem pela fé em Cristo, Descendente de Abraão, fruto da Promessa, doador do Espírito que dá Vida!

5. A conclusão deste raciocínio está no coração da nossa fé cristã: todos – judeus ou gentios – estão debaixo do pecado e todos podem ser salvos somente pela fé em Jesus Cristo, por quem o Senhor Deus cumpriu a Promessa de abençoar toda a humanidade com a salvação, no Dom do Espírito (cf. Rm 3,21s)!

6. Seria muito bom reler a Epístola aos Gálatas do princípio até 3,22.
Leia agora Jr 7,21-24. Aí, se encontra uma situação parecida com esta da relação entre a Promessa e a Lei. No caso de Jeremias, é a relação entre os sacrifícios no Templo e a prática da vontade do Senhor, a escuta da Sua Palavra, contida na Lei e pronunciada pelos profetas de cada geração.
Quando o Senhor Deus entregara a Israel o Decálogo, que é o coração de toda a Lei, não prescrevera ali nada de sacrifícios. Mas, ordenara simplesmente que escutasse a voz do Senhor (cf. Ex 19,5; Dt 5,1). Os sacrifícios cultuais no Templo depois também foram prescritos pelo Senhor Deus, mas somente teriam sentido se fossem expressão do cumprimento amoroso, obediente, cheio de amor fiel aos preceitos do Senhor Deus. No entanto, muitos em Israel – a maioria – parava nos sacrifícios, no culto externo e descuidava do coração da Lei, que era a escuta amorosa e fiel ao Senhor. Era a mesma coisa agora, na questão dos judaizantes: eles paravam na Lei e não compreendiam que a Lei somente tinha sentido em vista da Promessa realizada em Cristo! É sempre o perigo tão nosso de confundir os meios com o fim, o essencial com o acessório, o principal com o periférico!
Pense em você mesmo e no seu modo de viver a. religião e a sua relação com Deus e os irmãos: você trata o essencial como essencial e o menos importante como secundário?

7. Leia também Ap 7,9-10: fruto da Promessa em Cristo é a salvação da multidão humana dos que creem!
Agora reze novamente o Sl 97/98