sábado, 19 de abril de 2014

Retiro Quaresmal - A Paixão segundo Mateus (12)

Tríduo Pascal: Sábado Santo - XL e último Dia de Penitência
Mt 27,45-56

45Desde o meio-dia, uma escuridão cobriu toda a terra até às três horas da tarde. 46Pelas três da tarde, Jesus deu um forte grito: “Eli, Eli, lamá sabactâni?”, que quer dizer: “Meu Deus, Meu Deus, por que Me abandonaste?” 47Alguns dos que ali estavam, ouvindo-o disseram: “Ele está chamando por Elias!” 48E logo um deles correndo, pegou uma esponja, ensopou-a com vinagre, colocou-a numa vara e Lhe deu de beber. 49Outros, porém, disseram: “Deixa, vamos ver se Elias vem salvá-Lo!”

50Então Jesus deu outra vez um forte grito e entregou o espírito. 51Nisso, o véu do Santuário rasgou-se de alto a baixo, em duas partes, a terra tremeu e as pedras se partiram. 52Os túmulos se abriram e muitos corpos dos santos falecidos ressuscitaram! 53Saindo dos túmulos, depois da ressurreição de Jesus, entraram na Cidade Santa e apareceram a muitas pessoas.

54O centurião e os que com ele montavam a guarda junto de Jesus, ao notarem o terremoto e tudo que havia acontecido, ficaram com muito medo e disseram: “Este era verdadeiramente Filho de Deus!” 55Grande número de mulheres estava ali, observando de longe. Elas haviam acompanhado Jesus desde a Galileia, prestando-lhe serviços. 56Entre elas estavam Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e de José, e a mãe dos filhos de Zebedeu.


Comentando:

Jesus está erguido na cruz e a escuridão cobre “toda a terra”. Inútil procurar uma explicação científica para tal fato... Uma tempestade de areia, um eclipse? É perda de tempo concentrar a atenção neste tipo de questão! Mateus não brinca: exprime plasticamente o que Jesus dissera de modo dramático: “Esta é a vossa hora e o poder das trevas!” (Lc 22,53) e João constata com o modo profundo que lhe é próprio: “Depois de receber o bocado, Judas saiu imediatamente. Era noite” (Jo 13,30). Para o Evangelho, o sol parou de brilhar (cf. Lc 23,44s) e a treva cobriu toda a terra! Não é para menos: a Luz está crucificada, o Sol de justiça está para Se apagar! A treva do humano pecado, o poder satânico parecem por um momento levar a melhor!
Não se brinca com estas coisas: há um misterioso combate, um duelo estupendo, que nos ultrapassa, entre a Morte e a Vida, o Pecado e a Graça, o poder das trevas e o desígnio onipotente e eterno do Senhor Deus. A criação toda e a humana história são perpassadas por tal duelo... E tal combate impressionante chega ao seu paroxismo na cruz: aqui o Mal mostra toda a sua crueza, toda a sua força, toda a sua petulância tremenda; mas aqui também aparece toda a sua fraqueza, a sua destruição definitiva, o seu fim inapelável!
Deus triunfou – quis livre e gratuitamente mostrar Sua vitória num amor sem limite, numa caridade sem medidas, numa doação infinita! Quão grande é nossa treva; quão intensa a luz de Deus! Quão grande a capacidade do homem de negar Deus, até crucificá-Lo e eliminá-Lo; quão grande o amor criativo de Deus, que faz do próprio humano pecado o motivo e o instrumento da maior graça salvífica!
Mistério da cruz, cruz misteriosa, que jamais compreenderemos, que nos ultrapassa, nos coloca em crise, nos mostra como em nenhuma outra ocasião a santidade (santo = separado = diferente = incompreensível pela grandeza, pela profundidade do Seu ser e do Seu agir) a santidade desconcertante de Deus! Deus Santo, Deus Forte, Deus Imortal: Santo no instrumento de maldição, Forte na maior fraqueza, Imortal ao entrar na morte! Mistério, Silêncio, Amor, Adoração, Estupefação, Reverência! Houve treva por toda a terra...
Naquela cruz está o Senhor, o Precioso, o Verbo através de Quem e para Quem tudo foi criado no céu e na terra! Naquela cruz está o Criador, a Vida mesma da qual provém toda vida possível! Crucificado pela humanidade pecadora: pelas guerras, pelas traições, pelas paixões desenfreadas, pelas falsidades e incoerências, pelas injustiças que destroem o corpo e o coração de tantos, pelos massacres da história, por todas as mentiras, demagogias, ingratidões, infidelidades...
Cruz tão dura, tão feia!
Cruz tão suave, tão bela!
Salve cruz, única esperança do mundo!
Salve cruz,
única esperança da minha vida,
motivo da minha glória,
sentido da minha existência,
chave que abre todos os mistérios,
consolo que alivia toda dor,
bálsamo na hora da morte!
Salve, cruz bendita! Salve, árvore da vida, antes lacrada por querubins e agora aberta para que todo aquele que crê possa comer do Fruto da Vida, Fruto bendito do bendito ventre da santa Virgem Maria!
Cruz, meu medo e minha coragem,
meu pesadelo e meu sonho!
Cruz, minha maturidade, minha liberdade, minha certeza de vida eterna!
Cruz! Sabedoria de Deus e estultice dos que são sábios a seus próprios olhos!
Cruz, ponte que liga a terra ao céu, o homem a Deus!
Cruz, em cujas asas podemos voar com o Salvador até o coração do Pai!

É tarde de “parasceve”, de “preparação” para a Páscoa judaica. Os cordeiros pascais estão sendo sacrificados e, na cruz, o Cordeiro está sendo imolado! Tudo é Treva, tudo será Luz! Mas somente será Luz passando pela Treva, somente será Vida atravessando o tremendo vale da Morte! Pela hora nona, o nosso Jesus, o Justo inocente exclama, rezando o Salmo 21 e exprimindo toda a escuridão e toda esperança do Seu coração: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?”
Para compreender o que o Senhor quis exprimir aqui é necessário rezar todo este salmo: aí se vê todo o realismo da dor física e espiritual do Senhor, mas também se vê toda a Sua esperança no Pai, todo o Seu abandono e a serena certeza do Seu triunfo e de que de Sua dor uma multidão seria gerada!

Confundem “Eli” com “Elias”, talvez pelo vento, que distorce a clareza das palavras, talvez pelo modo cansado e extremamente fraco com que Jesus pronunciou as palavras, talvez pela crença de que Elias era precursor do Messias e o padroeiro dos que estavam em angústia... Oferecem-lhe vinagre, como um gesto de compaixão... Este vinagre é de uva, uva azeda! Cumpre-se dramaticamente, radicalmente a queixa do Senhor Deus e a atitude rebelde e ingrata de Israel: vinha plantada amorosamente pelo Senhor, deu somente uva azeda como fruto: “Que Me restava ainda fazer à Minha vinha que não tenha feito? Por que quando esperava que desse uvas boas, deus apenas uvas azedas? Pois bem, a vinha do Senhor dos exércitos é a casa de Israel, e os homens de Judá são a sua plantação preciosa!” (Is 5,4.7)
Que mistério! Israel, a vinha querida, a vinha amada, cuidada... A vinha que deu ao seu Senhor o tremendo azedume a ingratidão, do “não” como resposta, da descrença, da coroa de espinhos, da zombaria, da cruz!
E eu? E você? Que fruto damos?

Jesus dá um forte grito, talvez repetindo a invocação do Salmo: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” E entregou o espírito... Não só o espírito, a alma: entregou ao Pai o Espírito, o Espírito Santo, Espírito de Amor, que é Seu vínculo com o Pai.
Não foi Ele Quem Se ofereceu ao Pai no Espírito eterno (cf. Hb 9,14)?
Temos aqui um mistério que jamais compreenderemos neste mundo e, talvez, nem no outro: o Filho, num ato de absoluta pobreza, entrega tudo ao Pai, até entregar o Espírito – Espírito que é o Amor do Pai que repousa no Filho, Espírito que é o Vínculo de amor entre as Primeira e Segunda Pessoas divinas da Trindade Santa... É um mistério tremendo! Há como que uma mort, uma ruptura e dentro da própria Trindade! O Deus Triuno se deixa ferir até o âmago pelo pecado do mundo, para redimir o mundo no Seu amor! Que mistério! Silêncio!
Assim, o Filho cai na morte, naquela morte dos sem-Deu, dos afastados do Espírito de Deuss... Faz-Se solidário conosco até o impossível, para nos tirar do fundo abismo da Morte!
– Obrigado, Jesus! Tu morreste como eu, para que na minha morte eu não esteja sozinho, eu possa morrer como Tu, completando na minha carne o que faltou da Tua morte! Obrigado, meu Salvador! Porque morreste como eu, porque morreste da minha morte e na minha morte, nem a morte poderá separar-me de Ti!

Depois, o Evangelista, mostra de modo dramático os efeitos da morte do Senhor:
O véu do Santuário do Templo rasgou-se de alto a baixo: a Antiga Aliança passou, o antigo sacerdote perdeu serventia, o homem tem pleno acesso a Deus, pois tem agora um caminho novo, um templo novo para encontrar a Deus: o corpo morto e ressuscitado do Salvador!
A terra tremeu com o tremor de parto de um mundo novo, de uma nova criação, restaurada, renovada pela morte e ressurreição dAquele que faz novas todas as coisas.
Os túmulos se abriram depois da ressurreição do Crucificado: os justos entraram na Jerusalém celeste e podem ser vistos na luz da fé por aqueles muitos que irão crer.
O centurião e os demais soldados, todos pagãos romanos, prenunciando a conversão de tantos pagãos, testemunham que Aquele Malfeitor era o Filho de Deus!


Depois o grupo de discípulas, mulheres fieis que acompanhavam Jesus e ajudavam certamente o Senhor e o grupo dos Doze: Madalena, de quem só sabemos que Jesus lhe expulsara sete demônios e que o Senhor ressuscitado lhe apareceu; Maria, mãe dos irmãos de Jesus, provavelmente esposa de Alfeu também chamado Cléofas e a mãe de Tiago e João, filhos de Zebedeu... As mulheres, que desde o começo de nossa fé cristã, são um exemplo de dedicação, de fidelidade, de coragem, de serviço... Aquelas que compreenderam o amor do Senhor, aquelas que nunca abraçaram a lógica do feminismo tolo e de uma interpretação da Igreja como jugo de poder, mas como serviço de amor. Que estas santas mulheres ao pé da cruz, que todas as santas mulheres da história da Igreja, com Maria, a Mãe de Jesus, intercedam por nós!


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