XLIV Dia da Quaresma - XXXVIII de Penitência
Mt 26,36-46
36Jesus chegou com eles a uma propriedade chamada
Getsêmani e disse aos discípulos: “Sentai-vos, enquanto Eu vou orar ali!”
37Levou consigo Pedro e os dois filhos de Zebedeu e começou a ficar triste e
angustiado. 38Então lhes disse: “Sinto uma tristeza mortal! Ficai aqui e vigiai
Comigo!” 39Ele foi um pouco mais adiante, caiu com o rosto por terra e orou:
“Meu pai, se possível, que este cálice passe de Mim. Contudo, não seja feito
como Eu quero, mas como Tu queres.”
40Quando voltou para junto dos discípulos,
encontrou-os dormindo. Disse então a Pedro: “Não fostes capazes de ficar
vigiando uma só hora Comigo? 41Vigiai e orai, para não cairdes em tentação;
pois o espírito está pronto, mas a carne é fraca”.
42Jesus afastou-se pela segunda vez e orou: “Meu Pai,
se este cálice não pode passar sem que Eu o beba, seja feita a Tua vontade!”
43Voltou novamente e encontrou os discípulos dormindo, pois seus olhos estavam
pesados. 44Deixando-os, afastou-se e orou pela terceira vez, repetindo as
mesmas palavras. 45Então voltou para junto dos discípulos e disse: “Ainda
dormis e descansais? Chegou a hora! O Filho do Homem está sendo entregue às
mãos dos pecadores. 46Levantai-vos, vamos! Aquele que vai Me entregar está
chegando”.
Comentando:
Terminada a Ceia, Jesus dirige-Se ao Monte das
Oliveiras. Já está tudo decidido: ao entregar-Se no Seu Corpo e Sangue na
Eucaristia, Ele selou Sua sorte: o que fez naquela Ceia derradeira terá de
fazer na carne de Sua vida: entregar-Se e Seu corpo será suspenso na cruz,
alquebrado pela flagelação e a dor, Seu sangue, sinal da Sua vida, será
derramado até a morte, para a remissão dos pecados do mundo... No Monte das
Oliveiras, do lado do Monte que fica de frente para Jerusalém, Jesus entra num
pequeno jardim de oliveiras, chamado de Getsêmani, ou seja, “lagar de azeite”.
Provavelmente ali existiria uma prensa para fabricar óleo... o óleo da unção,
do Messias... Lugar muito significativo para a agonia do Ungido de Deus, do Rei
de Israel, do Salvador da humanidade!
A tremenda realidade que o Senhor tinha pela frente
não era uma brincadeira, um faz-de-conta: Ele, Deus verdadeiro e perfeito,
Pessoa divina, realmente assumiu a natureza humana, sendo homem verdadeiro.
Agora sentia todo o pavor que a morte nos causa – e mais ainda nele, pois essa
morte tem o trágico do pecado do mundo; é uma morte obscura, que envolve
traição, trama, maldade, violência, desprezo, ignomínia! Toda a natureza humana
de Jesus nosso Senhor rebela-se contra a possibilidade de morrer. Faz parte de
nossa natureza, pois fomos criados para a vida, não para a morte! O instinto de
sobrevivência do Senhor era igual ao nosso: Seu corpo, Seus reflexos, Sua
vontade humana, tudo reage à ideia de morte, e morte violenta... Ele procura
refúgio no regaço do Pai: procura-O na oração! Que exemplo para nós! Ele, o
Filho de Deus precisou rezar procurando conformar Sua vontade humana àquela do
Pai! Pense nisso, meu Leitor, e seja assíduo e fiel à oração, se realmente
quiser viver na vontade de Deus! Sem a oração, só vemos a nossa vontade e, pior
ainda, a confundimos com a santa vontade de Deus... Quem não reza é ateu, pois,
na prática, vive como se Deus não existisse!
Como é comovente: Jesus, abatido, precisa do apoio dos
discípulos. Escolhe para permanecer com ele na agonia os mesmos três que
escolhera para ver sua glória no Tabor. Na verdade, a glória do Tabor era uma
preparação para a agonia do Getsêmani. E Jesus cai numa profunda depressão: “
comçou a a ficar triste e angustiado”, a ponto de desabafar, pedindo socorro:
“Sinto uma tristeza mortal! Ficai aqui e vigiai comigo!” – Vigiamos contigo,
Senhor, quando nas horas de escuridão nossas ou da tua Igreja, mantemos a fé e
a união contigo, quando não nos acovardamos, quando não esfriamos no nosso
ardor e na nossa adesão a ti e à tua santa Esposa. Vigiamos contigo quando nos
mantemos fieis nos combates da vida. Ajuda-nos a não esmorecer, a não dormir no
pecado, na frieza e no descaso! Dá-nos a graça de escutar, um dia, aquele teu
elogio agradecido: “Vós sois aqueles que permaneceram comigo em minhas
provações” (Lc 22,28)!
E o Senhor cai por terra, prostrado em dor e agonia:
“Meu Pai, Pai querido, que sempre estás comigo! Se este cálice puder passar de
mim!” Jesus sabe que o Pai o ama, que o Pai é todo carinho; mas, agora, quanta
angústia: seu coração, seus sentimentos parecem frios, entorpecidos pela
angústia. Jesus não sente o calor do carinho do Pai: está unido a ele, sabe que
ele é fidelíssimo, que ele é todo amor e, no entanto, sua sensibilidade, todas
as suas potências humanas, encontram-se em profunda treva. Mas, ele se
abandona, ele confia, ele se entrega: “Não seja feito como eu quero, não seja
feita minha vontade tão humana, mas como tu, meu Pai amado, como tu queres!”
E quando volta, numa pausa da oração, para procurar
apoio nos discípulos prediletos, que decepção: encontra-os dormindo! Caro
Leitor: em toda a sua vida Jesus foi tão sozinho! Seu caminho foi de uma
profunda solidão existencial diante do Pai! E agora experimenta isto de modo
tão tristemente doloroso: “Não fostes capazes de ficar vigiando uma só hora
comigo?” A pergunta é a Pedro, àquele que é o cabeça dos Doze, o que deve
confirmar os irmãos na fé, na vigilância, na fidelidade, enquanto a Igreja
nascida do lado do Salvador perdurar neste mundo. E o conselho – um conselho do
qual o próprio Jesus é exemplo: “Vigiai e orai, para não cairdes em tentação!
Se não vigiardes, não compreendereis o desígnio do Pai quando vierem as trevas
e as lutas da vida! Se não vigiardes, perdereis a fé, errareis o caminho,
compreendereis de modo errado, sentireis como o mundo sente e não segundo o
coração do Pai! Vigiai e orai: o espírito está pronto, vossa vontade é reta,
mas a carne, a natureza humana, é frágil!”
É interessante como o Pai vai convencendo Jesus na
oração. Primeiro ele pediu: “Se possível, que este cálice passe de mim...”
Agora pede: “Se este cálice não pode passar...” Na oração, ele vai
compreendendo: o Pai escuta, o Pai sustenta, mas sua vontade deve ser
realizada. E Jesus vai aceitando, fazendo-se cada vez mais dócil! Jesus reza,
Jesus vai aprendendo a obedecer entre gemidos e lágrimas (cf. Hb 5,7-8).
Enquanto isso, os discípulos dormem, distantes, indiferentes à dor do
Salvador... – Perdoa-me, Senhor, porque muita vez sou assim também: tão
distante do teu sentimento, tão sem compromisso com tuas dores, tuas
perseguições, teus padecimentos! Dá-me a graça de ter em mim os mesmos
sentimentos teus (cf. Fl 2,5).
Pronto! “Chegou a hora!” Jesus está pronto, curtido
pela dor, pelo combate, vencido na oração! Agora ele está totalmente pronto
para realizar a vontade do Pai, numa total obediência amorosa, que é a causa da
nossa salvação (cf. Hb 5,9). Este é o caminho de Jesus; este é o nosso caminho.
Não há outro!
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