terça-feira, 19 de março de 2019

Retiro Quaresmal - A liberdade para a qual Cristo nos libertou

Meditação XI - terça-feira da II semana da Quaresma

Reze o Salmo 118/119,81-88
Leia, agora, Gl 3,5-6

1. Em 3,2 São Paulo refere-se ao dom do Espírito que os gálatas receberam. Não se trata de um dom qualquer, uma experiência qualquer, mas é a grande característica do ser cristão: viver no Espírito do Cristo imolado e ressuscitado. Esta é a grande distinção do cristão: ele vive no Espírito de Cristo (cf. Rm 8,1s.9.14). Aquele que creu em Cristo e por Ele foi resgatado,

=> apesar de ter uma vida biológica, não vive simplesmente neste nível físico, somático e muito menos vive na carne (carne, aqui no sentido de pecado, de fechamento em si mesmo, sem relação com Deus, dizendo “a vida é minha, eu faço como eu quero”);

=> apesar de ter uma vida psíquica, racional, consciente, inteligente, não vive simplesmente no nível da razão e seu critério último não é mais a razão humana;

=> o cristão vive do Espírito e no Espírito: seu critério, sua vida é o Espírito do Cristo! Este Santo Espírito divino não somente é o princípio da Vida nova do cristão como também é Ele mesmo, a Lei na Nova Aliança, Lei dada, derramada no Pentecostes (cf. Rm 8,1s). Explicando melhor: Pentecostes, para os judeus era a festa das primícias da colheita e também a festa do dom da Lei a Moisés no Sinai. Pois bem, foi exatamente nesta festa que o Espírito foi dado, foi derramado sobre a Igreja, pois Ele é as verdadeiras primícias da Vida nova em Cristo, Ele a verdadeira e definitiva Lei da Nova Aliança. Mas, agora trata-se não de uma lei de preceitos, como a Lei de Moisés, escrita em tábuas, mas de uma Lei interior, que convence amorosamente, interiormente, a partir de dentro, do mais íntimo de nós, onde Deus habita (cf. 1Cor 2,10ss)! Desde o Batismo, o Espírito de amor habita o íntimo de cada cristão e o une a Cristo e lhe concede a Vida de Cristo, os sentimentos de Cristo, as atitudes de Cristo, a participação na Cruz e na Ressurreição de Cristo: “O amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito anto que nos foi dado” (Rm 5,5).
Leia, novamente, com toda atenção 1Cor 2,1-16! Medite, rumine, interiorize, reze!

2. Como foi dito, esta Lei bendita, própria da Nova Aliança, é uma lei interior. Não mais se trata de preceitos, mas sim de uma relação viva e amorosa com Cristo, uma Lei de amor forte, a ponto de São Paulo exclamar: “O Amor de Cristo os impele!” (2Cor 5,14)
Os profetas já haviam anunciado uma Nova Aliança escrita não em tábuas de pedra, feita não de preceitos exteriores, mas uma Aliança feita de amor, de intimidade com o Senhor, uma Aliança inscrita no íntimo, no coração do homem, de tal modo que aquele que entrasse nessa Aliança bendita teria uma conaturalidade com o Senhor, conheceria e reconheceria o Senhor. 
Leia com atenção Jr 31,34; Hb 8,6-13 e 1Jo 2,27. São textos importantíssimos para a nossa compreensão do mistério da vida em Cristo! A Unção do Santo é o Espírito de Cristo, Óleo bendito, Crisma de salvação, que, nos ungindo, habita em nós, dá-nos a Vida nova, esta conaturalidade com o Senhor Jesus Cristo morto e ressuscitado, a ponto de São Pedro afirmar que nós realmente participamos da natureza divina (cf 2Pd 1,4), pois, tendo ouvido o Evangelho do Cristo morto e ressuscitado e nele crido, fomos pelo Batismo, sacramento da fé, gerados de novo, nascidos de novo, agora no Espírito de Cristo (cf. 1Pd 1,23).
Estas são ideias centrais na nossa fé cristã, são o miolo da nossa vida em Cristo e, no entanto, quase não temos consciência desta realidade impressionante! É nestas coisas que São Paulo está pensando, são estas realidades que o Apóstolo está defendendo com unhas e dentes quando se dirige aos gálatas, agora fascinados pela Lei de Moisés!
O judeu vive na Torá, vive toda a sua vida na Lei de Moisés, feita de preceitos e interpretada e esmiunçada por normas e prescrições desenvolvidas geração após geração pelos rabinos de Israel; Lei feita de preceitos (cf. Mc 7,1-13). Certamente a Lei em si é santa e não é má, mas é totalmente insuficiente: ela é uma regra exterior, ela consiste em normas; ela não é interior, não dá por si mesma o Espírito de Deus, não é um princípio de transformação interior. A Lei de Moisés é somente um pedagogo, uma preparação para o Cristo, o Ungido, Aquele que é pleno do Espírito e que, com Sua Morte e Ressurreição, unge com o Espírito do Pai (cf. At 2,32s; Gl 3,24)! Nunca esqueça: sem o inestimável Dom do Espírito, sem o Espírito que é o Dom do Senhor, não é possível uma Nova Aliança, não existe Vida em Cristo! Sem o Espírito, a Lei de Cristo seria tão exterior quanto a Lei de Moisés. Somente o Cristo, exultando no Espírito (cf. Mt 11,25) pode dizer: “Vinde a Mim; tomai o Meu jugo; Meu jugo é suave!” (Mt 11,28-30). Trata-se, aqui do jugo da Lei de Cristo, na suavidade do Espírito! Leia o texto todo: Mt 11,25-30! Vale a pena!

3. É necessário ainda recordar sempre o que já expliquei numa anterior meditação: recebe-se o Espírito crendo em Jesus como o Enviado, o Cristo, o Messias, o Ungido de Deus e Nele sendo batizado, isto é, mergulhado num só Espírito para formar um só Corpo na Igreja pelo sacramento da Eucaristia (cf. 1Cor 12,13). É, pois, pela fé que se entra na amizade com Deus, que se é justificado, isto é, tornado justo, amigo de Deus, participante da própria Vida divina (cf. 2Pd 1,4)!

4. Vamos adiante na nossa meditação! Em Gl 3,6, o Apóstolo coloca diante dos seus leitores o exemplo de Abraão, pai do Povo de Israel! Vejamos o que ele quer dizer:

a) Tomando Gn 15,6, Paulo explica que Abraão foi tornado justo, amigo de Deus, agradável a Deus, pela fé no Senhor. Em outras palavras: Abraão foi justificado pela fé!

b) Mais ainda: Abraão não poderia de modo algum ser justo diante de Deus pelas obras de Lei porque nem sequer existia ainda o dom da Lei, que somente seria revelada a Israel através de Moisés séculos depois! Sem a Lei, Abraão não poderia ser justo em virtude dos preceitos da Lei!

c) Então, os verdadeiros filhos de Abraão, os verdadeiros amigos de Deus como Abraão são os que creem em Deus como Abraão creu (sem a Lei de Moisés!) e não os que cumprem os preceitos de uma Lei que foi dada muito tempo depois de Abraão! Os que creem no Deus que enviou Jesus como Salvador, estes é que são tidos em conta de justos pelo Senhor Deus, pois estes creem como Abraão! Assim, a justiça do cristão, o seu ser justo diante de Deus não vem pela prática das obras da Lei de Moisés, mas pela fé no Deus que entregou o Seu Filho Jesus e derramou em nossos corações o Espírito do Cristo!

5. Aprofundemos ainda um pouco mais este tema tão importante e surpreendente. Agora leia com atenção Gn 15,1-6! É preciso ler cuidadosamente este texto! Vamos lá! Siga o raciocínio seguinte:

a) Aqui, neste texto, a crise de Abraão dizia respeito a uma descendência, a um filho: nosso Pai na fé havia recebido a promessa de uma descendência e, passados quase vinte e cinco anos,  Deus não lhe dera ainda o filho prometido (cf. vv. 2s)!

b) Deus, então, renovou a promessa que fizera: aqui também a promessa de Deus diz respeito a uma descendência, a uma posteridade: “Conta as estelas, se as pode contar! Assim será a tua posteridade!” (v. 5).

c) Aqui ainda, fé de Abraão em Deus, fé que o justifica, que o faz amigo de Deus (cf. v.6), diz respeito à fé na promessa de um filho: Abraão creu que Deus poderia lhe dar esse filho, embora ele já fosse tão idoso e Sara fosse estéril. Abraão creu em Deus e foi considerado justo (cf. v. 6)!

d) Agora, reflita comigo: quem é este filho? É Isaac! Ora, Isaac é imagem de Cristo, o Filho desejado e bendito, a verdadeira e definitiva descendência de Abraão por excelência! Leia com toda atenção Gn 21,1-7 e 22,1-18. Agora, veja a surpreendente afirmação de Jesus nosso Senhor em Jo 8,56: Ele Se considera o verdadeiro Isaac! O primeiro Isaac era figura de Cristo (cf. Hb 11,17-19)! O Isaac segundo a carne, o Isaac que alegrou Abraão era apenas figura do verdadeiro Isaac, Aquele enviado por Deus, o Seu próprio Filho! Ele sim, é a verdadeira descendência de Abraão, aquele Cordeiro que Deus providenciou no lugar do Isaac segundo a carne. Leia com atenção Mt 1,1; Gn 22,8; Gl 3,16 e Hb 11,17-19!

e) Que mistério tremendo e sublime! Deus promete a Abraão um descendente, o Isaac, o que faz rir! Esse Isaac é imagem de Cristo, o Descendente de Abraão por excelência; Ele é o Isaac-Cristo! Abraão, crendo em Deus, como que vendo o invisível (cf. Hb 11,27), creu em Cristo, o Cordeiro que Deus providenciaria! Abraão creu em Deus, que lhe prometera o Cristo! Assim, a verdadeira descendência de Abraão são os que creem no Cristo, o verdadeiro Isaac de Deus! Conclusão surpreendente, mistério admirável da providência divina que tudo predispõe, dispõe e dirige para Cristo!

6. Ainda uma coisa muito importante: Nas Escrituras, crer é uma atitude, uma dinâmica que envolve a pessoa toda: é abrir-se para Deus, a Ele aderir totalmente simplesmente porque Ele é Deus! Esta fé envolve sentimento, inteligência, vontade... Crer supõe e exige uma relação viva, dinâmica, livre, consciente, total... A fé nos joga totalmente em Deus, faz-nos viver Dele, viver Nele e viver para Ele!
Ora, para um cristão, crer não significa simplesmente afirmar que Deus existe, mas proclamar plenamente que o Deus de Abraão é fidelíssimo: Ele enviou o Isaac verdadeiro, Jesus Cristo que, pela humanidade toda morrendo e ressuscitando, fez dela descendência de Abraão, participante da sua bênção, isto é, da sua salvação, cumprindo-se, deste modo, a promessa que Deus fez ao velho Patriarca: “Por ti serão benditos todos os clãs da terra” (Gn 12,3).
Para um cristão, crer é crer na fidelidade amorosa do Deus de Abraão, que não só enviou o Seu Isaac-Cristo, mas O entregou até a morte e morte amorosa de cruz, não poupando o Seu Filho para dar o perdão dos pecados e a salvação não somente aos filhos de Abraão segundo a carne, mas também a todos os que cressem como Abraão (cf. Rm 8,32)!

7. Agora, com sinceridade, com humildade e gratidão a Deus, pergunte-se:
Sua relação com Deus é viva, é totalizante? Em outras palavras: sua fé no Deus que nos salvou em Cristo é viva, é total, abrange toda a sua existência em todos os âmbitos?
Recorde fatos que ilustrem isto no seu caminho...
Em que se fundamenta a sua fé: em Cristo, que por nós morreu e ressuscitou ou em outros motivos?
Lembre:“sem a fé é impossível agradar a Deus!” (Hb 11,6) E aqui se trata da fé no Deus que nos deu Jesus Cristo! É crendo de verdade no Cristo que o cristão realiza a obra de Deus (cf. Jo 6,29), é tornado justo, amigo de Deus porque renascido do Espírito de Cristo e, assim, recebe a salvação!
Pense nestas coisas! Releia toda esta meditação! Interiorize esta realidade!

8. Agora louve e agradeça ao Senhor; reze o Sl 137/138 e o Sl 145/146.


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