quinta-feira, 12 de julho de 2018

A tremenda aventura de crer

Crer não é compreender tudo. Os profetas, que falam em nome de Deus, nem mesmo eles compreendem totalmente o agir de Deus, e quantas vezes se angustiam e perguntam e choram: “Senhor, por que ages assim? Por que Teus caminhos nos escapam deste modo?”

A verdade é que a fé não é uma realidade quieta e pacífica! O próprio Jesus adverte que somente os violentos conquistam o Reino dos Céus (cf. Mt 11,12s); somente aqueles que lutam, que teimam em acreditar, às vezes contra toda esperança e evidência, como nosso pai Abraão!
A fé é uma realidade que sangra, sangra na dor de tantas perguntas sem resposta, sangra pelo sofrimento do inocente, pela vitória dos maus, pelo mal presente em tantas dimensões da nossa vida, pelas situações que nos parecem absurdas e para as quais não divisamos qualquer sentido; sangra nas orações aparentemente não ouvidas, sangra no tremendo silêncio de Deus, na Sua ausência que deixa a vida tão escura e fria como uma cortante noite de inverno... Sim! Deus parece calar-Se!
Um filósofo ateu do século passado chegou mesmo a dizer, escandalizado com o sofrimento no mundo: “Se Deus existe, o mundo é Sua reserva de caça!”
A Palavra Santa, no Livro de Jó, usou palavras parecidas: “Também hoje minha queixa é uma revolta, porque Sua mão agrava os meus gemidos. Ele cobriu-me o rosto com a escuridão (23,2.17). E, pesaroso, esse homem sofredor, triturado pelo Eterno, se queixa de Deus: “Clamo por Ti, e não me respondes; insisto, e não Te importas comigo. Tu Te tornaste o meu carrasco e me atacas com Teu braço musculoso!” (30,20s).

Por que, Senhor?
Por que Te calas?
Por que Teus caminhos nos são escondidos?
Por que parece que não Te importas conosco?
Por que, neste mundo, és o grande Ausente? Onde Te escondes? Onde a Tua Presença?
“Tu tratas o homem como peixes do mar,
como répteis que não têm dono!
Ele os tira a todos com o anzol,
Puxa-os com sua rede
E os recolhe em sua vasilha...” (Hab 1,14s)
– Eis a dor que sangra das feridas dos crentes:
Quantas vezes sentimo-nos sem dono, sem Alguém que vele por nós,
como os peixes do mar, como míseros répteis!

Deus é assim: nunca nos explica, mas nos convida sempre à confiança renovada, ao abandono nas Suas mãos; mãos Daquele mesmo que, por nós, entregou o Seu próprio Filho, o Amado.

É isto que é tão difícil para o homem de hoje, que tudo deseja enquadrar na sua razão e, quando não enquadra, se revolta e dá as costas a Deus e, assim, termina morrendo, porque viver sem Deus é a pior das mortes, o maior dos absurdos!

O justo vive da fé, vive na fé, vive abandonado nas mãos do Senhor (cf. Rm 1,17). Ele sabe que tudo está nas mãos do Eterno, Daquele que é amorosa providência: “Senhor, tudo está em Teu poder, e ninguém pode resistir à Tua vontade. Tu fizeste todas as coisas: o céu, a terra, e tudo o que eles contêm; és o Deus do universo!” (Est 13,9.10-11).

Nunca esqueçamos: Deus não nos explica Seu modo de agir! Se o compreendêssemos, compreenderíamos o próprio Deus e, aí, já não seria o Deus verdadeiro, mas apenas um idolozinho! "Ó abismo da riqueza, da sabedoria e da ciência de Deus! Como são insondáveis Seus juízos e impenetráveis Seus caminhos! Quem, com efeito, conheceu o pensamento do Senhor? Ou quem foi Seu conselheiro? Ou quem primeiro Lhe fez o dom para receber em troca? Porque tudo é Dele, por Ele e para Ele. A Ele a glória pelos séculos. Amém" (Rm 11,33-36).

Contudo, isso não significa que Deus não liga para nossa dor e para o nosso destino. Pelo contrário!
Ele veio a nós,
fez-Se um de nós,
viveu nossa vida,
suportou nossas dores,
experimentou nossa morte!
Deus próximo, Deus de amor, Deus solidário!
Por isso, podemos olhar para Ele e, suplicantes, estender-Lhe as mãos, como os discípulos do Evangelho, que pediam: “Aumenta a nossa fé!” E Jesus responde – a eles e a nós – “Se vós tivésseis fé (em Mim), mesmo pequena como um grão de mostarda, poderíeis dizer a esta amoreira: ‘Arranca-te daqui e planta-te no mar’ e ela vos obedeceria” (Lc 17,5ss). Ou seja: se crermos de verdade naquele Amor que se manifestou até a Cruz, se crermos – aconteça o que acontecer – que Deus nos ama a ponto de entregar o Seu Filho, teremos a força de enfrentar todas as noites com a Sua luz, todos os pecados com a Sua graça, todas as mortes com a Sua Vida!
Mas, se não crermos, pereceremos...

O que o Senhor espera dos Seus servos é esta fé total, incondicional, pobre e amorosa! É o que o Senhor espera de nós:
"A figueira não dará fruto,
e não haverá frutos nas vinhas.
Decepcionará o produto da oliveira,
e os campos não darão de comer,
as ovelhas desaparecerão do aprisco
e não haverá gado nos estábulos.
Eu, porém, me alegrarei no Senhor,
exultarei no Deus de minha salvação!
O Eterno, meu Senhor, é a minha força,
torna os meus pés semelhantes aos das gazelas,
e faz-me caminhar nas alturas" (Hab 3,17-19).

Só quem e pobre, só quem tem coração de criança crê assim, abandona-se assim, confia assim, espera assim, mesmo nas penúrias e nas noites da existência...


4 comentários:

  1. Dom Henrique disse tudo e, como sempre, da forma mais bonita. Amo suas reflexões!Que Deus o guarde!

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  2. Senhor, dai-nos a graça do abandono!

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  3. Se não crermos pereceremos...
    Deus o abençoe e o guarde na palma de sua mão.

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