sábado, 28 de fevereiro de 2015

Retiro quaresmal - Sábado da I semana

A Epístola aos Hebreus, logo no capítulo segundo, falando de Jesus, o santo Filho eterno do Pai, que Se fez homem para salvar a humanidade, nos surpreende afirmando que, fazendo-Se homem, Jesus “libertou os que, por medo da morte, passavam a vida toda sujeitos à escravidão” (Hb 2,15).

Que significam tais palavras?
Que medo da morte é este?
E, por que ele escraviza assim tão fortemente, a ponto de necessitar da encarnação do Filho eterno? E como o Filho nos liberta dessa escravidão?

Primeiro, o medo da morte... De que morte fala aqui o Escritor sagrado?

Morte é tudo aquilo que nos nega, que nos contrista.
Morte é cada tristeza, cada renúncia, cada derrota, cada decepção, cada perda, cada separação, cada medo, cada solidão, cada lágrima derramada, cada fracasso.
Morte é, enfim, a morte do termo da nossa vida.

E temos medo da morte. Pelamo-nos de medo!
A ânsia que temos de viver é tamanha, que pensamos, iludidos, que a vida está em nossas mãos, que é nossa de modo absoluto e, assim, devemos fazer tudo do nosso modo para escapar das experiências negativas e dolorosas, custe o que custar... E, nesta ilusão, quebramos propósitos, rompemos compromissos, transgredimos preceitos do Senhor, esquecemos o próprio Deus, e pensamos, e dizemos, e gritamos: “Tenho que ser feliz, tenho o direito de ser feliz, o único que importa é ser feliz do meu jeito!”

O homem tem tanto medo das mortes, que rouba, corrompe, mente, mata, manipula, usa os demais, engana, engana-se... Tudo para levar a melhor, tudo pela ilusão de ser feliz do seu modo e na sua medida...
Assim, pelo medo da morte, ilude-se, escravo de si e do seu pecado, escravo da ilusão que aquele que é Sedutor deste o princípio lhe oferece, como no Jardim do Paraíso... Por medo de morrer as mortes da vida, terminamos por cair na morte da escravidão de nós mesmos, do nosso pecado. Bem que Jesus nos previne: “Quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la” (Mt 16,25).

Pense, você, nos seus medos...
Experimentados, vivenciados, longe de Deus, fora de Sua santa presença, esses medos apavoram, condicionam, bloqueiam-nos...
Esses medos da morte, por vezes, ditam a regra das nossas ações e omissões: medo de ser incompreendido, medo de perder amizades ou privilégios, medos... tantos medos temos!

Quais os medos determinantes na sua vida?
Como eles condicionam você?

Uma segunda questão: Como Jesus nos salva de tamanha e tão total perdição, que invade toda a nossa existência consciente e inconsciente?

Ele Se fez um de nós, viveu em tudo a nossa condição; mas, não teve medo da morte!
Abandonou-Se totalmente nas mãos do Pai, fez do Pai Seu tesouro, Seu alicerce, Sua luz, o sentido último e absoluto da Sua vida, fazendo-Se a Ele obediente até a morte e morte de cruz!
Nos embates e lutas da vida, Ele aprendeu a obedecer no sofrimento (cf. Hb 5,8s) tornando-Se livre e libertador! Desta maneira, Jesus foi livre – totalmente livre, o homem mais livre que jamais existiu! Tão livre, a ponto de exclamar: “Ninguém tira a Minha vida. Eu a dou livremente. Tenho o poder de entregá-la e o poder de retomá-la. Este é o preceito que recebi do Meu Pai” (Jo 10,18).

Assim livre, assim senhor de Si, assim totalmente obediente, Ele foi até a cruz.
Ressuscitado, dá-nos Seu Espírito que, agindo em nós, configura o nosso coração ao coração do Salvador, colocando a nossa vida na Sua obediência e na Sua liberdade.

Pense bem, meu Irmão de caminho quaresmal!
Enquanto houver em seu coração apego à própria vida, com a ilusão de que você sozinho, você do seu jeito, você na sua própria medida e na sua própria verdade mentirosa, sem Deus e até contra Deus, pode ser feliz, pode construir sua própria felicidade, construindo seu próprio projetozinho pessoal... enquanto sua vida for assim, você nada mais será que um pobre escravo!

Com todo o prestígio, você não passa de um pobre escravo;
com todo o seu dinheiro e poder, você não passa de um escravo;
com todos os talentos, prazeres e potencialidades, escravo;
com todo o seu sucesso, você será só escravo, todo escravo, enganado escravo! 
Escravo da própria escravidão; tão escravo que pensa que a escravidão é liberdade! 
Por medo de não ser feliz, por medo de perder a vida, você se torna escravo e vive uma grande ilusão que, ao fim de tudo, será colocada por terra, desmascarada! Escravo!

Como sair disso?
Como quebrar tão terrível, profunda e generalizada maldição que nos ilude?

Vivendo a vida numa profunda união com Aquele Jesus que foi livre, totalmente abandonado nas mãos do Pai, totalmente obediente ao Deus Santo de Israel, totalmente centrado Nele.
Aí, quando “nem a morte nem a vida nem criatura alguma” (Rm 8,38s) nos poder separar do amor de Cristo, quando tivermos os sentimentos Dele, a liberdade Dele, então já não teremos medo das mortes da vida e, livres, saberemos viver a vida com serenidade, usando os bens e oportunidades deste mundo sem a eles nos escravizar, mas deles fazendo caminho para Deus e para os outros.

Olhe! Pense nestas coisas, porque elas dizem respeito a você, bem de pertinho; dizem respeito a mim, a cada um de nós! O próprio Jesus nos preveniu: “Se o Filho vos libertar, sereis realmente livres” (Jo 8,36).
É Ele – somente Ele – Quem, de fato, nos livra da morte, pois é o único que é capaz de nos fazer atravessar os vales das mortes e entrar na vida verdadeira.

Vá: seja livre; largue tantas escravidões, geradas da tola ilusão de salvar você mesmo a sua vida, às vezes passando por cima de Deus, dos outros e até da sua consciência. Seja livre, meu Leitor! Sejamos nós livres! Para isto fomos criados e salvos por Cristo: “Foi para a liberdade que Cristo nos libertou!” (Gl 5,1).

Reze o Salmo 17/18

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Retiro quaresmal - quinta-feira da I semana

Retiro quaresmal - Quinta-feira da I semana

Escute esta exortação:

"Expia teus pecados e injustiça com esmolas e obras de misericórdia em favor dos pobres; assim terás longa prosperidade" (Dn 4,24b).

Assim, entramos noutro tema próprio deste sagrado tempo: a esmola.
Não restrinjamos a esmola ao dar uma ajuda material a algum necessitado. É esmola qualquer obra de misericórdia. A tradição da Igreja as sistematiza em quatorze.

Sete delas são chamadas corporais:
Dar de comer a quem tem fome;
Dar de beber a quem tem sede;
Vestir os nus;
Dar abrigo aos peregrinos;
Assistir aos enfermos;
Visitar os presos;
Enterrar os mortos.

As sete outras são chamadas espirituais:
instruir;
aconselhar,
consolar,
confortar,
perdoar,
suportar com paciência,
rezar pelos vivos e pelos mortos.

Alarguemos ainda mais: esmola é todo bem, toda abertura, todo gesto de amor e serviço e cuidado em relação aos próximos; esmola é qualquer aproximação dos distantes para ajudá-los por amor de Cristo.

A Palavra de Deus nos exorta, portanto, a que saiamos de nós e vamos em direção aos outros para ajudá-los. E isto por amor de Cristo, que veio em nossa ajuda, fazendo-Se homem por nós, por nós tomando a condição humana, fazendo-Se servo da nossa salvação: "Conheceis o exemplo de Jesus Cristo que sendo rico, Se fez pobre para nos enriquecer com a sua pobreza!" (2Cor 8,9)
Portanto, neste dia quaresmal, diante do Senhor, perguntemo-nos pela realidade e pela qualidade da nossa relação com os irmãos: em casa, no trabalho ou na escola, na sociedade em geral, no círculo de amizade e conhecimento...

Sair em direção ao outro, para um cristão, não deveria ser simplesmente questão de simpatia ou conveniência, mas realmente um sair de si, um esquecer-se dos próprios interesses para fazer o bem a outros...

E qual a motivação? O amor de Cristo: "A Mim o fizestes!"

O texto de Daniel, acima citado, fala em expiar os pecados com a esmola e em ter prosperidade... Compreendamos bem!

Expiar os pecados. A esmola por amor de Cristo abre o meu coração para o irmão, que é imagem viva de Deus. Servindo o irmão desinteressadamente é ao  Senhor que estarei servindo. Saindo de mim em direção aos outros por amor ao Senhor, vou curando meu fechamento, pondo medicina no meu egoísmo, vou aprendendo a não me colocar no centro de tudo. Assim, abrindo-me, vou deixando Deus entrar na minha vida e vou pondo remédio à minha pecaminosa tendência ao fechamento em mim mesmo, tudo colocando a meu serviço.
A esmola me corrige, a esmola torna o meu amor concreto, efetivo, a esmola mostra a veracidade da minha fé no Senhor. Mais: a esmola, pelo trabalho de sair de mim mesmo, expia, corrige, o meu pecaminoso egoísmo! Por isso ela expia os pecados, põe neles remédio!

Ter longa prosperidade. Aqui não temos nada a ver com a maldita, pagã, satânica e mentirosa teologia da prosperidade, que é serviço ao deus Mamon, Príncipe deste mundo.
A verdadeira prosperidade é uma vida na sabedoria, isto é, uma vida vivida segundo o Senhor Deus e, portanto, vida no Shalom, na paz verdadeira, que somente o Senhor pode dar - e não a dá como o mundo dá!
Shalom: paz, prosperidade de uma existência sadia, realizada, é a harmonia, a comunhão com o Senhor Deus que gera harmonia interior consigo mesmo, comunhão com os outros e com toda a criação. Eis uma vida próspera na perspectiva de Deus: uma vida cheia de sentido, uma vida vivida na perspectiva da Eternidade.
A esmola, abrindo-nos para os outros por amor de Deus, traz-nos maturidade, capacidade de comunhão com o Senhor é com todas as Suas criaturas.

Pense nestas realidades.
Reze o Salmo 39/40

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Retiro quaresmal - Quarta-feira da I semana


Naquele tempo, disse Jesus aos Seus discípulos: 7“Quando orardes, não useis muitas palavras, como fazem os pagãos. Eles pensam que serão ouvidos por força das muitas palavras.
8Não sejais como eles, pois vosso Pai sabe do que precisais, muito antes que vós o peçais. 9Vós deveis rezar assim: Pai nosso que estás nos céus, santificado seja o Teu Nome; 10venha o Teu Reino; seja feita a Tua vontade, assim na terra como nos céus. 11O pão nosso de cada dia dá-nos hoje. 12Perdoa as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido, 13e não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal.
14De fato, se vós perdoardes aos homens as faltas que eles cometeram, vosso Pai que está nos céus também vos perdoará. 15Mas, se vós não perdoardes aos homens, vosso Pai também não perdoará as faltas que vós cometestes” (Mt 6,7-15).

A oração é uma das observâncias do santo tempo da Quaresma.
Quantas vezes, nos santos evangelhos, o Senhor não manda rezar!
Pois eu lhe digo, caro Irmão:

Quem reza se salva,
Quem não reza é ateu!

Quem reza se salva porque a oração nos abre para o Senhor Deus. Quem reza experimenta de verdade que Deus é o Tudo da sua vida. A oração vai nos fazendo perceber que o Senhor não é algo, mas Alguém, pessoal, amoroso, concreto, atuante!
Assim, a oração nos salva do fechamento para o Senhor Deus, tira-nos da ilusão de pensar que nós nos bastamos e que a vida é nossa e dela fazemos o que bem quisermos...
Quem reza se salva porque se salva de si próprio!

Quem não reza é ateu!
Mesmo que diga que crê, vive, na prática, como se Deus não existisse, pois vive se colocando como centro, fazendo sua própria vontade.
Quem não reza vai, pouco a pouco, criando uma ilusão, a ilusão de ser seu próprio Deus!

Por isso mesmo, ao nos ensinar a rezar, o Senhor nos faz primeiro que tudo entrar na Sua relação de amor e intimidade, de abertura e confiança em relação ao Seu Deus: dá-nos a graça de chamar a Deus com a mesma intimidade, com a qual Ele O chama: Pai, Papai 
Em Jesus, esta expressão significa total entrega nas mãos benditas do Deus Santo! 
Portanto, para um cristão, rezar é primeiramente ser totalmente aberto para o Senhor, em total atitude filial, em Jesus é como Jesus.

Por outro lado, esse Pai tão próximo não é nosso parceiro, não é nosso amiguinho: Ele é o Santo, o totalmente Outro: estás nos céus!
Por isso a súplica: que o Teu Nome seja santificado na minha vida, que eu, com minha pobre vida Te santifique, honrando-Te, dando Glória ao Teu Nome!
É como posso fazer isto? Fazendo a Tua santa vontade sempre é em tudo!

Quando santificamos o santo Nome do Senhor, quando vivemos na Sua santa vontade, então o Seu Reino torna-se presente em nós e, através de nós, no mundo!

Assim, caro Irmão, neste dia de Quaresma, sugiro que você se pergunte por sua vida de oração:

- tem realmente dedicado tempo para o Senhor?
- sua oração tem sido abertura para o Senhor Deus?
- você tem deixado que Deus seja Deus na sua vida?
- quem é o Senhor, quem é o critério da sua existência: Deus ou você mesmo?
- sua oração tem sido real procura de escutar o Senhor é fazer Sua santa vontade?
- sua oração influencia a sua vida?
- em que você precisa melhorar na vida de oração?

Pense nisto!
Reze o Salmo 4

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Retiro Quaresmal - Terça-feira da I Semana da Quaresma

"Pela misericórdia de Deus, eu vos exorto, irmãos, a vos oferecerdes em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus: Este é o vosso culto racional.
Não vos conformeis com o mundo, mas transformai-vos, renovando vossa maneira de pensar e de julgar, para que possais distinguir o que é da vontade de Deus, isto é, o que é bom, o que Lhe agrada, o que é perfeito" (Rm 12,1-2).

Eis aqui um texto que calha muito bem neste início de caminho quaresmal! Trata-se de um apelo que engloba e compromete toda a existência cristã...

"Pela misericórdia de Deus", começa o Apóstolo...
Veja, Irmão, que a misericórdia do Senhor não justifica malandragem espiritual, não serve para encobrir comodismo, não acoberta a permanência num estado de pecado! Antes, a misericórdia do Senhor compromete, exige: "O amor de Cristo nos impele", nos compromete a aderir verdadeiramente à Sua santa vontade!

Pela misericórdia de Deus, porque Ele Se revelou tão compassivo, tão amável, tão disposto ao perdão, tão desejoso de caminhar convosco, "eu vos exorto"!
Atenção, que pela boca do Seu Apóstolo, o Senhor mesmo nos exorta, nos ordens, nos impele!

Qual é a exortação? Do que se trata?
"Eu vos exorto a vos oferecerdes em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus!" Oferecer-se em sacrifício, isto é, fazer de si próprio um sacrum-facere, um fazer sagrado, uma entrega santa, uma oferta sagrada a Deus!
O Senhor nosso Deus não quer primeiro nossos bens, nosso fazer, nossas obras! O primeiro e essencial que Ele pede de nós é nossa própria vida, nosso afeto, nosso coração, em uma palavra: Ele nos quer totalmente, Ele quer nosso amor, Ele quer a nossa vida! Nunca esqueça: o nosso Deus é o Deus das primícias, Deus ciumento, que não aceita suborno!

"... vós oferecerdes em sacrifício..." Como não recordar Aquele que Se ofereceu a Si mesmo ao Pai por toda a humanidade? Nosso sacrifício é vivo porque é sacrifício da nossa vida, é sacrifício de nós mesmos e, por isso, nos custa tanto! Mas, além de vivo é santo, porque é imitação e participação no sacrifício de Cristo Jesus! E, por isso mesmo, é agradável a Deus, o Pai.

Pense um pouco: fazer de você, de toda a sua vida uma oferta ao Senhor, com Cristo, como Cristo e por Cristo! Não é pouco! É demais! Custa! É viver não para si, mas para o Senhor; é ter como centro, como critério não a você mesmo, mas o Deus Santo e a Sua vontade; é dizer com Jesus é como Jesus: "Eu venho, ó Pai, para fazer a Tua vontade!"

Insisto, meu Irmão querido no Senhor: o Senhor Deus que por você entregou Seu próprio Filho, espera que você faça da sua existência inteira uma entrega sacrifical a Ele: Cristo, "um só, morreu por todos, para os que vivem já não vivam para si mesmos, mas para Aquele que por eles morreu e ressuscitou!"

Tenho eu esta coragem, de viver e morrer para o Cristo de Deus? Tem você esta coragem? Viver assim, até dizer com toda verdade: "Para mim, viver é Cristo"? É este, precisamente, o culto que Deus deseja de nós, de você: uma vida inteira feita sacrifício, fazer sagrado!

"Este é o vosso culto racional", isto é, um culto consciente, livre, feito entrega, às vezes tão dolorosa, tão custosa, de toda a nossa vida! Tudo bem diferente das vítimas irracionais oferecidas nos sacrifícios judaicos! Exatamente porque "culto racional", "lógico", é tão custoso é tão preciso. Afinal, é livre de verdade quem, livre e conscientemente, oferece a Deus a sua liberdade, tornando-se livre de si mesmo, livre de sua auto-escravidão!

Quem vive assim, vive em êxodo, saindo de si mesmo, de seu modo de ver e de suas vontades, migrando sempre em direção do modo de pensar de Deus e da Sua santa vontade! Por isso, o Apóstolo continua, na sua exortação: "Não vos conformeis com o mundo!" Con-formar, tomar a forma! Não tomeis a forma do mundo: não tenhais o modo de pensar, de falar, de fazer, de viver do mundo! Ah, como é difícil: vivemos no mundo, nascemos neste mundo, convivemos neste mundo... E o Senhor nos manda que não nos conformemos com ele!

Então, a quem devemos nos conformar? A Cristo Jesus, o homem perfeito! Por isso mesmo, a Escritura ordena: "Tende em vós os mesmos sentimentos do Cristo Jesus!" Con-formados a Cristo, Cristo formado em nós! Que sonho! Que luta! Sair de mim do meu jeito é ir para mim do jeito de Cristo! "Transformai-vos, renovando vossa maneira de pensar e de julgar!"

Peça, Irmão, está graça! É a maior da vida! Já pensou: ter uma existência toda cristiforme, toda conformada a Cristo, por Ele plasmada?
Quem vive assim alcança a sabedoria divina, pois vê e julga tudo segundo o Coração de Deus; vive, pois, na verdade: "... para que possais distinguir o que é da vontade de Deus, isto é, o que é bom, o que Lhe agrada, o que é perfeito".

Mas, para chegar a este estado de perfeição, é necessário primeiro o combate espiritual, que me faz ir domando minha vontade é meus instintos e, assim, iluminando em Cristo meu entendimento, minha razão, meus sentimentos... Mas, além do combate, é indispensável o socorro dos sacramentos, que me dão o Espírito de Cristo como vida, como força, como amor que se Imola, como perdão e cura, como santificação!

Está aí o tanto de caminho quaresmal!
Pense nestas coisas! Olhe a sua vida!
Suplique ao Senhor que o renove, que lhe dê coragem e força para combater o que precisar ser combatido e mudar o que necessitar ser mudado!
Que a santa Páscoa nos encontre menos conformes ao mundo é mais conformes ao homem perfeito, Jesus, nosso Senhor, para a glória do Pai!

Reze o Salmo 17/18

Retiro Quaresmal – Segunda-feira da I Semana

Tomemos a leitura da Missa de hoje:

1O Senhor falou a Moisés, dizendo: 2“Fala a toda a Comunidade dos filhos de Israel, e dize-lhes: Sede santos, porque Eu, o Senhor vosso Deus, sou Santo.
11Não furteis, não digais mentiras, nem vos enganeis uns aos outros. 12Não jureis falso por Meu Nome, profanando o Nome do Senhor teu Deus. Eu sou o Senhor.
13Não explores o teu próximo nem pratiques extorsão contra ele. Não retenhas contigo a diária do assalariado até o dia seguinte. 14Não amaldiçoes o surdo, nem ponhas tropeço diante do cego, mas temerás o teu Deus. Eu sou o Senhor. 15Não cometas injustiças no exercício da justiça; não favoreças o pobre nem prestigieis o poderoso. Julga teu próximo conforme a justiça.
16Não sejas um maldizente entre o teu povo. Não conspires, caluniando-o, contra a vida do teu próximo. Eu sou o Senhor. 17Não tenhas no coração ódio contra teu irmão. Repreende o teu próximo, para não te tornares culpado de pecado por causa dele.
18Não procures vingança, nem guardes rancor aos teus compatriotas. Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o Senhor” (Lv 19,1-2.11-18).

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Observe, caro Irmão, a insistência deste texto sobre o monoteísmo radical da fé de Israel: “Eu sou o Senhor!” Quatro vezes aparece esta solene exclamação neste breve trecho!
“Eu sou o Senhor!” exprime a grandeza do Senhor Deus, expressa Seu absoluto senhorio sobre Israel como um todo e sobre a vida de cada membro do povo da aliança. “Eu sou o Senhor!” exprime a unicidade absoluta do Deus vivo e santo: só Ele é Deus, para além Dele não há Deus, nada é Deus além Dele!

Assim, neste primeiro momento, convido-o a escutar com o coração a solene declaração do Eterno: “Eu sou o Senhor!”

Você vive, realmente, sua vida centrado no Senhor, Nele alicerçado? Ele é realmente o seu Senhor? Para saber se Ele é o seu Deus, observe se não outros senhores, que dominam sua existência, suas ações, seu modo de viver...

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Agora, num segundo momento, escute ainda o Senhor: “Eu, o Senhor vosso Deus, sou Santo!”
Santo, kadosh, isto é, o que é único, além de tudo, o que não tem comparação, o que é totalmente diferente de tudo quanto se possa imaginar, o Imenso, o Infinito, o Incomensurável, o Incompreensível, o que é o Outro e, por isso mesmo, absolutamente livre, absolutamente reto, absolutamente fiel a Si próprio: “Eu sou o que sou!”

Pare ainda diante do Senhor! Deixe-se tocar pelo sentimento da Sua presença, da Sua soberania, da Sua santidade única, incomparável, incompreensível!
Basta repetir calmamente diante Dele: Tu és o Santo, Tu és o Senhor, Tu és o Único! Tu és o meu Deus!”
Repita calmamente, deixando que o Espírito do Senhor, que ora nos cristãos, encha da Sua doce e forte presença essas palavras...

Reze o Salmo 98/99: aí três vezes se exclama: “Santo é o Senhor!”
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Demos um passo a mais: o Deus que é Único, absolutamente Único, o Deus que é Santo, totalmente Santo, ordena-nos: “Sede santos, porque Eu, o Senhor vosso Deus, sou Santo!”
Como é possível isto? Nunca poderemos ser santos na medida do Eterno; mas, podemos participar da santidade Dele: “Sede santos na Minha santidade! Sede santos, participando da Minha santidade, acolhendo na vossa vida a santidade que brota de Mim e que Eu derramo em vós!” – eis o sentido deste preceito, desta exortação, deste desafio!

Nós, cristãos, sabemos que a Santidade pessoal de Deus é o Seu Espírito, chamado “Santo” por antonomásia: Ele é o Santificador, o Santificante! É o Espírito que o “Pai Santo” derramou sobre o Filho Jesus na Sua ressurreição, e Jesus no-Lo dá nos sacramentos para nos santificar da santidade de Deus!
Somente no Espírito podemos ser santificados, pois é o Espírito Quem nos faz agir com o sentimentos de Cristo e as atitudes de Cristo. É no Espírito que podemos cumprir o preceito do Senhor Deus de Israel: “Sede santos, porque Eu, o Senhor vosso Deus, sou Santo!”

Suplique, portanto:
“Senhor Jesus, derrama novamente no meu coração, no coração da minha vida, o Teu Espírito santificador!
Onde está o Espírito que recebeste do Pai e sobre nós derramaste, aí está a Vida do Pai, a Santidade do Pai, a Energia do Pai, a Glória do Pai! Tudo isto recebeste do Pai na Tua santíssima humanidade quando da ressurreição; recebeste e derramaste e derramas sobre nós nos santos sacramentos que instituíste!
Unge-nos, ó Cristo-Ungido,
Unge-nos com a unção que é o Teu Santo Espírito santificador,
para que nós sejamos santificados e vivamos santamente,
ó Tu que vives e reinas para sempre
e de Eternidade em Eternidade és Deus com o Pai e o Santo Espírito. Amém.

+++++

Agora, um último passo.
Essa comovente e absoluta unicidade do Senhor e Sua santidade, nós a acolhemos e proclamamos quando, com santo temor e tremor, honramos a imagem sagrada do Deus Santo!
Que imagem é esta? O próximo, sobretudo o mais necessitado!
O próximo é Adão – bicho frágil, feito da terra, da adamah!
Mas, ele, tão frágil, traz em si o sopro do Eterno: ele é imagem do Deus Único e Santo!
Crês que o Senhor é Único, que Ele é o teu Senhor?
Não furtes, não mintas ao próximo, não enganes, não roubes o teu irmão!
Confessas de todo o coração que o Senhor é Santo?
Então, mostra isto na tua vida, com teus atos: não pratiques extorsão contra o teu próximo, não amaldiçoes o surdo, que não ouve e não pode te responder; não ponhas tropeços ao cego, que não enxerga e não pode se livrar; não sejas injusto com o teu próximo, não o calunies, não o difames, não alimente nunca e sob pretexto algum ódio e malquerer contra o teu próximo!

Que coisa impressionante: o Deus verdadeiro somente pode ser honrado verdadeiramente quando honramos a Sua imagem: o homem criado por Ele! Atenção: não somente os irmãos em Cristo, mas todo e cada ser humano, pelo simples fato de ser humano, imagem de Deus!

Pense nisto e faça um sério exame de consciência sobre o modo como você tem tratado as pessoas... Você as honra como imagem do Deus único e santo ou, ao invés, procura as utilizar como objetos, usá-las em seu proveito ou descartá-las e desprezá-las porque não lhe são úteis?


São coisas a serem pensadas com muita seriedade!

sábado, 21 de fevereiro de 2015

I Domingo da Quaresma: Combater o combate quaresmal!

Gn 9,8-15
Sl 241Pd 3,18-22
Mc 1,12-15

Chegaram, para nós, os sagrados dias da Quaresma: dias de oração, penitência, esmola, combate aos vícios e leitura espiritual. Esses dias tão intensos nos preparam para as alegrias da Santa Páscoa do Senhor. Estejamos atentos, pois não celebrará bem a Páscoa da Ressurreição quem não combater bem nos dias roxos da Quaresma.

A Palavra que o Senhor nos dirige já neste Primeiro Domingo é uma séria advertência neste sentido.
A leitura do Gênesis nos mostra como Deus é cheio de boas intenções e bons sentimentos em relação a nós: depois de haver lavado todo pecado da terra pelo dilúvio, misericordiosamente, o Senhor nosso Deus fez aliança com toda a humanidade e com todas as criaturas: “Eis que vou estabelecer Minha aliança convosco e com todos os seres vivos! Nunca mais criatura alguma será exterminada pelas águas do dilúvio.”
E, de modo poético, comovente, o Senhor colocou no céu o Seu arco, o arco-íris, como sinal de paz, de ponte que liga a criatura ao Criador: “Ponho Meu arco nas nuvens, como sinal de aliança entre Mim e a terra!” Com esta imagem tão sugestiva, a Escritura Sagrada nos diz que os pensamentos do Senhor em relação a nós são de paz e salvação. Podemos rezar como o Salmista: “Mostrai-me, ó Senhor, Vossos caminhos; sois o Deus da Minha salvação! Recordai, Senhor, meu Deus, Vossa ternura e a Vossa salvação, que são eternas! O Senhor é piedade e retidão, e reconduz ao bom caminho os pecadores!”

Ora, caríssimos, se já a aliança após o dilúvio revelava a benignidade do coração de Deus, é em Cristo que tal bondade, tal misericórdia, tal compaixão se nos revelam totalmente: “Cristo morreu, uma vez por todas, por causa dos pecados, o Justo pelos injustos, a fim de nos conduzir a Deus!” Não é este Mistério tão grande que vamos celebrar na Santa Páscoa?
Nosso Senhor, morto na Sua natureza humana, isto é, morto na carne, foi justificado, ressuscitado pelo Pai no Espírito Santo para nos dar a salvação definitiva, selando conosco a aliança eterna, da qual aquela de Noé era apenas uma prefiguração.
Deus nos salvou em Cristo, dando-nos o Seu Espírito Santo, recebido por nós nas águas do Batismo, que purificam mais que aquelas outras, do dilúvio!
Nunca esqueçamos: fomos lavados, purificados, gerados de novo, no santo Batismo.
Somos membros do povo da aliança nova e eterna, somos uma humanidade nova, nascida “não da vontade do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus” (Jo 1,12).
Somos o povo santo de Deus, povo resgatado pelo sangue de Cristo, povo que vive no Espírito Santo que o Ressuscitado derramou sobre nós.
Uma grande miséria dos cristãos destes tempos nossos é terem perdido a consciência de que somos um povo sagrado, vivendo entre os outros povos do mundo. Brasileiros, argentinos, mexicanos, norte-americanos, europeus, asiáticos, africanos, não importa: aqueles que creem em Cristo e Nele foram batizados, são a Sua Igreja, são o Povo santo de Deus, congregado no Corpo do Senhor Jesus, para formar um só templo santo no Espírito de Cristo! Somos um povo que vive entre os pagãos, um povo que vive espalhado por toda a terra, Igreja dispersa pelo mundo inteiro, que deve viver no mundo sem ser do mundo!
A miséria nossa é querermos ser como todo mundo, viver como todo mundo, pensar e agir como todo mundo. Isso é trair a nossa vocação de povo sagrado, povo sacerdotal, povo que deve, com a vida e a boca cantar as maravilhas daquele que nos chamou das trevas para a sua luz admirável! (cf. 2Pd 2,9) Convertamo-nos! Sejamos dignos da nossa vocação!

Eis o tempo da Quaresma! Somos convidados nestes dias a retomar a consciência de ser este povo santo. E como fazê-lo?
Como Jesus, o Santo de Deus, que passou quarenta dias no deserto em combate espiritual, sendo tentado por Satanás. A Quaresma é um tempo de deserto, de provação, de combate espiritual contra Satanás, o Pai da mentira, o enganador da humanidade. Sem combate não há vitória e não há vida cristã de verdade!
A Igreja, dá-nos as armas para o combate: a oração, a penitência e a esmola. A Igreja nos pede neste tempo, que combatamos nossos vícios com mais atenção e empenho; a Igreja nos recomenda a leitura da Sagrada Escritura e de livros edificantes, que unjam o nosso coração. Deixemos a preguiça, cuidemos do combate espiritual! Que cada um programe o que fazer a mais de oração. Há tantas possibilidades: rezar um salmo todos os dias, rezar todo o saltério ao longo da Quaresma, rezar a via-sacra às quartas e sextas-feiras.
Quanto à penitência, não enganemos o Senhor! Que cada um tire generosamente algo da comida durante todos os dias da Quaresma (exceto aos domingos); que se abstenha da carne às sextas-feiras, como sempre pediu a tradição ascética da Igreja, que tire também algo das conversas inúteis, dos pensamentos levianos, dos programas de TV tão nocivos à saúde da alma!
E a esmola, isto é, a caridade fraterna? Há tanto que se pode fazer: acolher melhor quem bate à nossa porta, aproximar-nos de quem necessita de nossa ajuda, reconciliarmo-nos com aqueles de quem nos afastamos, visitar os doentes e presos....
Quanto ao combate dos vícios, que cada um veja um vício dominante e cuida de combatê-lo com afinco nesses dias! Escolha também uma leitura espiritual para o tempo quaresmal, leitura que alimente a mente e o coração. Esta leitura, mais que um estudo, deve ser uma oração, um refrigério para o coração, uma leitura edificante, que nos faça tomar mais gosto pelas coisas de Deus... Vamos!
Deixemos a preguiça, combatamos o combate da nossa salvação! Finalmente, que ninguém esqueça a confissão sacramental, para celebrar dignamente a Páscoa sagrada. Se alguém não puder se confessar por se encontrar em situação irregular perante Cristo e a Igreja, que não se sinta excluído! Procure o sacerdote para uma direção espiritual, uma revisão de vida e peça uma bênção, que, certamente, não lhe será negada. Não é a confissão, não permite o acesso à comunhão sacramental, mas é também um modo medicinal de aliviar o coração e ajudar no caminho do Senhor!


O importante, caríssimos, em Cristo, é que ninguém fique indiferente a mais essa oportunidade que a misericórdia do Senhor nos concede! Notem que somente depois do combate no deserto é que Jesus nosso Senhor saiu para anunciar a Boa Nova do Reino. Também cada um de nós e a Igreja como um todo, somente poderá testemunhar o Reino que Cristo nos trouxe se tiver a coragem de enfrentar o deserto interior e combater o combate da fé! Não recebamos em vão a graça de Deus! Que Ele, na Sua imensa misericórdia, nos conceda uma santa Quaresma! Amém.