domingo, 23 de fevereiro de 2014

VII Domingo Comum - Perfeitos como o Pai do Céu

Lv 19,1-2.17-18
Sl 102
1Cor 3,16-23
Mt 5,38-48

Caríssimos irmãos no Senhor, mais uma vez estamos reunidos para a santa Eucaristia dominical, na qual encontramos o Ressuscitado, alimentamo-nos da Sua palavra e nutrimo-nos do Seu Corpo sagrado. Com efeito, Ele está conosco, Ele nos fala, Ele se dá a nós totalmente! Ouvir o Senhor, alimentar-se Dele – estai atentos! -, significa abrir-se para Ele porque Nele cremos. É isto crer, meus caros: viver abertos de verdade para o Senhor, deixando que Ele plasme a nossa vida, ilumine os nossos caminho, vá invadindo e transformando toda a nossa existência.
Se pensarmos bem, é a uma atitude assim que a Palavra de Deus hoje nos convida. O Senhor Deus nos diz: “Sede santos, porque Eu, o Senhor vosso Deus, sou santo”; depois, no Evangelho, insiste: “Sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito!” Em outras palavras: Sede como o vosso Deus, deixai-vos invadir por Ele, transformar por Ele! Deixai que Ele seja o lastro, o alicerce, o fundamento, o rumo da vossa vida! Crer Nele é deixar-se invadir por Ele e ir assumindo Seus sentimentos, Seus pensamentos, Seus desígnios. Observai como na primeira leitura o Senhor Deus afirma: “Eu sou o Senhor!” Se Eu sou o Senhor para vós, sede santos como Eu, tende um coração como o Meu: não guardes ódio no coração, não te vingues, repreende o teu próximo com bom coração, ama de verdade o próximo como a ti mesmo!
Compreendeis, caríssimos? Não podemos dizer que Deus é o Senhor e, ao mesmo tempo, vivermos do nosso modo, como se nós próprios fôssemos o nosso Deus! Alguém que viva do seu modo, seguindo seus próprios critérios, alguém que se julgue o senhor do bem e do mal e veja, analise, julgue e aja de acordo com seus próprios pensamentos, gostos e prioridades, independente da vontade de Deus – e essa vontade de Deus não é teórica, distante, mas nos aparece nas Escrituras interpretadas pela Igreja com a autoridade de Cristo – alguém assim, mesmo que dissesse que acredita, não crê de verdade, não exprime na vida que Deus é seu Senhor! Ah, caríssimos, que há tantos crentes de nome e ateus de vida! Há tantos, como diz o Apóstolo, “que se comportam como inimigos da cruz de Cristo. O seu fim será a perdição; o seu deus, é o ventre; e sua glória, eles a põem na própria ignomínia, já que só levam a peito as coisas da terra” (Fl 3,18-19). Viver na vontade do Senhor, abertos ao Senhor, àquele Deus Santo que Se manifestou como Poder, Santidade, Sabedoria e Salvação na fraqueza, na maldição, na loucura e na perdição da cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo!
A mesma ideia aparece na segunda leitura de hoje: vede como São Paulo nos convida ter plena consciência de que não nos pertencemos: “Irmãos, acaso não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus mora em vós?” Somos santuário de Deus, isto é, somos templo, morada do Seu Santo Espírito, aquele Espírito que Jesus morto e ressuscitado derramou em nossos corações desde o nosso batismo. Então, como poderíamos viver do nosso jeito? Como poderíamos seguir a lógica da moda, da maioria, do mundo atual? Como poderíamos abraçar a louca e tola sabedoria do mundo atual? Que palavras claras e escandalosas as do Apóstolo: “Ninguém se iluda: se algum de vós pensa que é sábio nas coisas deste mundo, reconheça sua insensatez para se tornar sábio de verdade; pois a sabedoria deste mundo é insensatez diante de Deus!” O que significam tais palavras? É preciso deixar nossa lógica mundana para abraçar a lógica de Deus; e esta lógica – nunca esqueçamos, nunca deixemos de repetir - manifestar-se-á sempre e somente na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo! Era isto que o nosso bendito Salvador dizia no Domingo passado e continua a dizer neste hoje: a nossa religião tem que superar a dos escribas e fariseus! Lembrai-vos de oito dias atrás? “Se a vossa justiça, isto é, se o vosso modo de praticar a religião, de cumprir os preceitos, não for maior que a justiça dos escribas e dos fariseus, vós não entrareis no Reino dos Céus!” Em que nossa prática deve ser maior? No modo de viver a religião: um modo interior, nascido do amor a Deus e aos irmãos; um amor que deixa de verdade Deus entrar, habitar em nós como num templo, nos questionar, nos transformar; uma prática da religião suscitada, sustentada, impulsionada, animada pelo Santo Espírito! Observai, amados no Senhor, como Jesus chama atenção não primeiramente para a letra do preceito, mas para o espírito, a intenção, a motivação com a qual se realiza o preceito: “Ouvistes o que foi dito: olho por olho, dente por dente” – é justo, era a medida da justiça da Lei de Moisés e ainda hoje é a medida de todos os tribunais do mundo. Este preceito não é de vingança; é de justiça: um olho por um olho, um dente por um dente! “Eu, porém, vos digo: não só justiça, mas misericórdia, generosidade, porque vosso Deus é assim!” “Ouvistes o que foi dito: amarás a quem te ama, não tens obrigação para com teus inimigos. Eu, porém vos digo: amai a todos, amai sem esperar recompensa, porque o coração do vosso Pai no céu é assim!” Abri-vos, pois, irmãos meus, abri-vos para Deus, aquele Deus que vos deu tudo quando vos deu o Filho Único, o Amado, até a morte e morte de cruz!

Caríssimos, vivemos num mundo no qual o homem se colocou como o centro. Até mesmo na Igreja há pessoas que pensam num cristianismo à medida do homem e do gosto das modas atuais. Há cristãos, há teólogos que pensam assim: “Se fizermos como o mundo espera, vamos atrair o mundo para a Igreja; se fizermos adaptações no cristianismo e na Igreja ele se tornará atraente...” Não! É Cristo quem atrai, é Cristo crucificado e ressuscitado o critério porque é somente Cristo Quem salva! Não se trata de atrair para a Igreja, mas para o Jesus vivo e verdadeiro, com toda a Sua verdade, com todo o Seu amor, com toda a Sua exigência que nos liberta, nos tira de nós e nos dá a vida em abundância! O resto é pensamento humano, vazio e estéril! Repito, caríssimos: o centro é Cristo Jesus que nos leva ao Pai: é Ele o critério, é Ele a medida, é Ele a única verdade! Quando por ele nos deixamos transformar somos livres de verdade e de verdade damos glória a Deus. Nunca esqueçais, amado meus: “Tudo vos pertence, tudo é vosso, mas vós sois de  Cristo, e Cristo é de Deus”. A Ele a glória pelos séculos. Amém.



sábado, 15 de fevereiro de 2014

VI Domingo Comum - A plenitude da Lei

VI Domingo Comum – Ano A

Eclo 15,16-21
Sl 118
1Cor 2,6-10
Mt 5,17-37


Caros Irmãos, hoje a Palavra santa nos fala sobre a Lei de Deus. Logo de saída, impressiona a afirmação peremptória de Jesus, nosso Senhor: “Não penseis que vim abolir a Lei e os Profetas. Não vim para abolir, mas para dar-lhes pleno cumprimento. Em verdade, Eu vos digo: antes que o céu e a terra deixem de existir, nem uma só letra ou vírgula serão tiradas da Lei, sem que tudo se cumpra!” Sejamos sinceros: um cristão deveria ficar inquieto com tais palavras, afinal nós não mais observamos a Lei de Moisés: não nos deixamos circuncidar, não guardamos o sábado, não fazemos restrições alimentares, distinguindo entre alimento puro e impuro... E agora: como nos haveremos com a palavra tão clara de Jesus?

Mas, o que o Senhor deseja mesmo dizer? Ele diz que não vem abolir a Lei, vem cumpri-la. Atenção: cumprir aqui não significa obedecer a Lei, mas realizá-la, dar cumprimento ao que ela anunciou e prometeu! Assim, cumprindo a Lei, Jesus a supera, como um botão que se cumpre na flor. Pensai, irmãos: o botão prepara a flor e sem botão não há flor. Mas, o botão existe para tornar-se flor e, quando se torna, cumpre-se, passa, deixando lugar à flor. É assim que Jesus cumpre a Lei: realiza o que ela anunciou. Agora, como o Velho Simeão, a Lei bem que pode dizer: “Agora, Senhor, podes deixar Tua serva ir em paz. Meus olhos viram a Tua salvação que prometeste!” (Lc 2,29s). Jesus não abole a Lei, não a despreza; cumpre-a plenamente e, cumprindo-a, supera-a definitivamente! Com a chegada do nosso Salvador, com Sua santa morte e ressurreição, nem uma letra, nem uma vírgula da Lei ficou em vão: tudo se cumpriu Nele, que é a plenitude da Lei e dos profetas. Por isso mesmo, no Tabor, Moisés e Elias, a Lei e os profetas, apareceram envoltos na Glória de Jesus. É Ele, o Santo Messias, Nosso Senhor, Quem leva a Lei e os profetas à plenitude do cumprimento! É Ele – e só Ele – que, realizando tudo quanto a Antiga Aliança legislou e profetizou, a tudo deu cumprimento e a tudo superou!

Talvez algum de vós pergunte: Então não há mais lei alguma no cristianismo? Os cristãos são livres para fazerem como bem desejarem, para viverem como bem imaginarem, tudo em nome da bondade de Deus revelada em Jesus? Não, queridos irmãos! Este pensamento seria totalmente falso! O próprio São Paulo nos previne contra esta ideia torta: “Iremos pecar porque não estamos soba Lei, mas sob a graça? De modo algum!” (Rm 6,15) – ele mesmo responde! A Lei de Moisés foi superada, mas o cristão vive sob uma nova Lei, dada no Espírito Santo de Amor, Espírito de Cristo Jesus, Espírito de Amor! Por isso mesmo, o Espírito foi derramado sobre a Igreja no dia de Pentecostes, festa judaica que celebrava o dom da Lei. Para os discípulos de Cristo, a Lei é o Espírito de Amor que, no Batismo foi derramado nos nossos corações (cf. Rm 5,5); o cristão vive agora debaixo da Lei do Espírito de Cristo! Por isso o Apóstolo diz: “Vós não viveis segundo a carne, mas segundo o Espírito, se realmente o Espírito de Deus habita em vós!” E previne: “Se alguém não tem o Espírito de Cristo, não pertence a Cristo!” (Rm 8,9) Portanto, é Ele, esse Santo Espírito, Quem nos dá a vida de Cristo, os sentimentos de Cristo, a sabedoria de Cristo, tão diferente daquela do mundo, para viver segundo Cristo. É o que diz o santo Apóstolo na Epístola de hoje: quem pode compreender os preceitos do Senhor? Somente os que são sábios segundo Deus! Mas, essa sabedoria de Deus é escondida aos olhos do mundo, à lógica da nossa sociedade; é uma sabedoria que desde a eternidade Deus destinou para nossa glória! Nenhum dos poderosos deste mundo conheceu essa sabedoria! E São Paulo adverte: “Se a tivessem conhecido não teriam crucificado o Senhor da glória”. A sabedoria do mundo, fechada para o Espírito de Cristo, mata o Senhor da Glória no nosso coração! A verdadeira sabedoria, da verdadeira lei, somente pode ser revelada através do Espírito, que “esquadrinha as profundezas de Deus!”

Compreendei, Irmãos: é o Espírito que Cristo nos deu no Batismo e nos dá sempre de novo nos sacramentos da Igreja, é Ele, esse Espírito de Amor, Quem imprime em nós a nova Lei, a Lei do Amor! Para os cristãos, a Lei, os mandamentos, resumem-se nisto: amar ao Senhor Deus e amar os irmãos como Cristo Jesus amou! E amou até entregar-Se na cruz! Eis a Lei de Cristo, eis a medida, eis o desafio, eis nosso consolo (porque ela é tão bela!), eis a nossa desolação (porque, por nós mesmos, é impossível amar assim, na medida de Cristo!)... Pensando na Lei do Senhor Jesus, sigamos o conselho do Eclesiástico: guardemos o preceito de amor do Senhor e viveremos Nele, graças a presença do Seu Espírito de Amor em nós! Deixemos conduzir pelo Espírito, obedeçamos a voz do Espírito em nós, pois “o Senhor não mandou ninguém agir como ímpio e a ninguém deu licença de pecar”, muito menos pecar contra o Espírito Santo de Amor, que nos impele a amar como Jesus! Mas, irmãos meus, coragem: o que é impossível ao homem não é impossível ao Senhor! Por isso Ele nos deu o Seu próprio Espírito: para que impulsionados por Ele, nós tenhamos em nós os Seus sentimentos, as Suas atitudes, cumprindo o preceito do Apóstolo: “Tende em vós os mesmos sentimentos do Cristo Jesus” (Fl 2,5).

Agora sim, podemos compreender a palavra do Senhor Jesus: “Eu vos digo: se a vossa justiça não for maior que a justiça dos escribas e dos fariseus, vós não entrareis no Reino dos Céus!”  Vede bem: a justiça, isto é a religiosidade, o cumprimento da Lei dos escribas e fariseus, ficava na Lei de Moisés, tinha a Lei de Moisés como critério. Isto serve para os judeus, não para nós! Para o cristão, a Lei é o Espírito de Cristo, Espírito de Amor, que nos imprime no coração os sentimentos de Cristo Jesus! A justiça do cristão, sua prática religiosa, deve ultrapassar a dos escribas e fariseus, pois é impulsionada pelo Espírito de Jesus! Por isso mesmo, no evangelho de hoje, o Senhor dá três exemplos da Lei de Moisés e os radicaliza, indo direto ao espírito mais profundo contido neles. São apenas exemplos, que nos mostram que o Espírito de Amor em nós, Espírito Santo de Cristo, leva-nos a amar na medida de Cristo, Ele que nos amou sem medida! Que coisa, que mistério, que desafio: diante do amor de Cristo, jamais poderemos estar em dia, tranquilos, achando que merecemos um prêmio! Diante Dele, por nós entregue, morto e ressuscitado, seremos sempre tão pequenos, tão devedores, tão deficitários!

Pensemos nestas coisas, Amados no Senhor, e deixemo-nos guiar pelo Espírito do Senhor! Que Ele mesmo venha amar em nós e nos fazer sentir como Jesus, pensar como Jesus, falar como Jesus, agir como Jesus, viver como Jesus – esta é a Lei e os profetas! A Cristo nosso Senhor, plenitude e cumprimento da Lei, que nos libertou da Lei de Moisés, a glória pelos séculos eternos. Amém.





sábado, 8 de fevereiro de 2014

Ser sal, ser luz...

Hoje, no Evangelho, escutamos umas frases de Jesus que nos são velhas conhecidas, tão velhas, que correm o risco de não significarem muita coisa: “Vós sois o sal da terra; vós sois a luz do mundo” – diz-nos o Senhor! Pois bem, com unção e humildade, como se escutássemos pela primeira vez, ouçamos, procuremos compreender e acolhamos essas afirmações, para encontrarmos nelas a Vida e vivermos de verdade!

“Vós sois o sal da terra!” O sal, na Escritura, aparece como o elemento que dá sabor, purifica e conserva, tornando perenes e duradouros os alimentos... Daí a expressão “aliança de sal”, isto é, “uma aliança perene aos olhos do Senhor” (Nm 18,19). Por causa dessa pureza e perenidade, é que Israel deveria ajuntar o sal a toda oferta que fizesse ao Senhor Deus: “Salgarás toda a oblação que ofereceres, e não deixarás de pôr na tua oblação sal da aliança de teu Deus; a toda a oferenda juntarás uma oferenda de sal a teu Deus” (Lv 2,13). Pois bem, irmãos caríssimos, vós sois o sal que dá sabor, pureza e conservação ao mundo diante de Deus! Sois a pitadinha de sal que torna o mundo uma oferenda agradável e aceitável ao Senhor! Sois tão pequenos, tão poucos, tão frágeis, tão impotentes, tão tolos; sois e sereis sempre “pequeno rebanho” (Lc 12,32)! Lembrai-vos da palavra da Escritura santa: “Entre vós não há muitos sábios de sabedoria humana nem muitos poderosos nem muitos nobres... Deus escolheu o que o mundo considera como estúpido, para assim confundir o que é forte; Deus escolheu o que o mundo considera sem importância e desprezado, o que não tem nenhuma serventia, para, assim, mostrar a inutilidade do que é considerado importante... É graças a Ele que vós sois em Cristo..” (1Cor 1,26-31). Sim, sois essa pitadinha de nada, esse tico desprezível de sal. E, no entanto, sois o sabor, a purificação, a conservação da aliança entre Deus e o mundo! Sois, em Cristo Jesus, o povo sacerdotal! E o sois por graça, graça de Deus: “É graças a Ele que vós sois em Cristo!” Graças a Ele que em Cristo vos chamou, sois cristãos! Nunca esqueçais: ninguém nasce cristão, ninguém nasce na plenitude da adoção filial! É por graça de Deus, por pura graça que sois de Cristo, sois em Cristo, Nele incorporados pelo Batismo e a Eucaristia – sois cristãos! Não merecíeis, não fizestes nada para ter mérito nesta graça imensa: ser cristão! Por isso, a nós, o Senhor ordena: “Tende sal em vós mesmos” (Mc 9,50); em outras palavras: uni-vos a Mim, ao Meu sacerdócio, à Minha vida entregue ao Pai como amor que se entrega para a vida do mundo! Lembremo-nos do conselho de São Paulo: “Exorto-vos, portanto, irmãos, pela misericórdia de Deus, a que ofereçais vossos corpos como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus: esse é o vosso culto espiritual. E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos, renovando a vossa mente, a fim de poderdes discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, agradável e perfeito” (Rm 12,1-2). Era este o significado daquela pitadinha de sal que o sacerdote colocou nos nossos lábios no momento do nosso Batismo, quando nos tornamos membros do Povo da aliança, povo sacerdotal, que é a Igreja. Colocando-nos o sal, ele recordou as palavras de Jesus: “Vós sois o sal da terra!” No entanto, não nos iludamos: somente seremos sal, se permanecermos unidos a Cristo! Sem Ele, seremos insípidos, seremos como o mundo, sem sabor e para nada serviremos, “senão para sermos jogados fora e pisados pelos homens”.

“Vós sois a luz do mundo!” – Que afirmação impressionante! Um só é a luz: Aquele que disse de Si próprio: “Eu sou a luz do mundo!” (Jo 8,12). Como pode, então, dizer agora que nós somos luz? Escutemos: “Eu sou a luz do mundo; quem Me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida!” (Jo 8,12). Eis: se em Cristo – e somente Nele – somos sal da aliança selada na cruz, também somente na Sua luz, seguindo Seus passos, tornamo-nos luz. É isso que nos afirma o Apóstolo: “Outrora éreis treva! Agora, sois luz no Senhor! Andai como filhos da luz!” (Ef 5,8). Por nós mesmos não somos sal, mas insípidos; por nós mesmos não somos luz, mas trevas tenebrosas! Mas, em Cristo, damos sabor ao mundo e somos reflexos da luz do Senhor! Não somos luz, mas iluminados pela luz de Cristo, refletiremos a luz sobre o mundo tenebroso, como a lua que, sem ter luz própria, mas iluminada pela luz do sol, ilumina de modo belíssimo a noite escura; e isto vale para cada um de nós, isto vale para a Igreja inteira!

Portanto, meus caros, tenhamos cuidado: somente seremos sal se nos deixarmos salgar pelo Senhor no cadinho da provação e da participação na Sua cruz; somente seremos luz se nos deixarmos iluminar pela luz fulgurante que brota da Sua cruz! Que o cristão não busque outro sal ou outra luz, a não ser o Cristo e Cristo na Sua humildade, na Sua pobreza, no Seu serviço, na Sua disponibilidade total em relação ao Pai: “Não julguei saber coisa alguma entre vós, a não ser Jesus Cristo, e Este, crucificado!” Aquilo que passa da cruz do Senhor, que foge da cruz do Senhor, que procura outro caminho e outra lógica, que não a da cruz que conduz à ressurreição, não salga e não ilumina! Então, que brilhe a luz de Cristo em nossa vida e em nossas obras! Que o nosso modo de viver dê novo sabor a este mundo tão insosso pelo pecado – vede no mundo atual, com seu modo de pensar, de agir, de viver: quanta treva, quanta insipidez, quanto velho gosto da velha podridão do velho pecado! Se no nosso modo de viver formos sal e luz, cumprir-se-á em nós a palavra do Profeta: “Então, brilhará tua luz como a aurora e a glória do Senhor te seguirá!”


Eis a nossa missão, eis a nossa vocação, eis a ordem que o Senhor nos dá! Agora, compete a nós! Como nos perguntava Paul Claudel, poeta francês, convertido a Cristo na metade do século XX: “Ó vós, cristãos, que tendes a luz, que fazeis com essa luz?” Ó irmãos, ó irmãs! “Brilhe a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e louvem o vosso Pai que está nos céus!” Que o Senhor no-lo conceda por Sua graça. Amém!


quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Só para pensar um pouco...


Há cristãos, realmente bem intencionados, que se preocupam grandemente que a Igreja seja significativa para a sociedade. Uma Igreja que seja ouvida, respeitada, querida... Uma Igreja com a qual a sociedade como um todo se identifique...

Mas, tal visão é ilusória e perigosa. Esconde mesmo uma tremenda armadilha...

O compromisso radical da Igreja não é com a sociedade, mas com Cristo Senhor e a Sua missão de anunciar e plantar nos corações o Reino do Pai, que Ele inaugurou com Sua santa Encarnação e Páscoa e deu como penhor aos Seus discípulos no dom do Santo Espírito. A Igreja existe para ser portadora do Reino, fazendo com que o Cristo de Deus reine nos corações e, através dos corações, o quanto possível, nas estruturas do mundo. Mas, a Igreja sabe que esse Reino realmente presente nos sacramentos instituídos pelo Senhor e nos corações que os celebram e os recebem com verdadeira piedade, jamais será pleno neste mundo.

Assim, a Igreja deve insistir, teimar, persistir com doce esperança na potência salvífica do Espírito do Senhor, anunciando e realizando a salvação que se encontra no Reinado de Deus. Mas, o critério não é agradar à sociedade, não é procurar ser significativa, aplaudida, bem compreendida! Este não pode ser nunca o critério da Igreja, pois nunca foi o critério do Senhor!

Os olhos da Mãe católica e de cada filho seu devem estar fixos em Jesus, o Autor da nossa Salvação. Somente assim a Esposa de Cristo poderá realmente ser testemunha e instrumento Dele no mundo. Aí sim, a Igreja será realmente significativa, da significatividade que realmente importa: será tiquinho de sal que dá sabor de Cristo ao mundo insosso, será pequena luz que iluminará as trevas das mentes e dos corações...

Será ela aceita, deste modo? O mundo vai compreendê-la? Terá os aplausos da sociedade? Que importa isto? Se a Mãe católica mendigar tais coisas terminará por prostituir-se! Basta-lhe - deve bastar-lhe! - tão somente o amor e a graça do seu Salvador e Esposo! Tendo isto, nada mais lhe faltará e tudo o mais será acréscimo...



sábado, 1 de fevereiro de 2014

O Messias: Primogênito apresentado ao Senhor Deus

Caros Irmãos, na disciplina litúrgica da Igreja, o Domingo, memória solene da Ressurreição do Senhor nosso Jesus Cristo, tem precedência sobreas festas dos santos. Mas, quando uma festa do Senhor ocorre no Domingo, ela é celebrada. É o caso deste hoje: 2 de fevereiro é Festa da Apresentação do Senhor no Templo. Exatos quarenta dias após o santo Natal, a Igreja, nova Jerusalém, faz memória solene da vinda do Salvador ao seu encontro. A liturgia de hoje prevê uma procissão com velas, recordando a Igreja que, como virgem prudente, recebe o seu Esposo, Luz para iluminar as nações. Como diz a própria Liturgia, “hoje chegou o dia em que Jesus foi apresentado ao Templo por Maria e José. Conformava-Se à Lei do Antigo Testamento, mas na realidade, vinha ao encontro do Seu povo fiel”. É este povo, a Igreja santa, que hoje, com lâmpadas, acolhe o seu Senhor, que é Luz, e chega nos braços da Senhora da Luz, Senhora das Candeias, Senhora da Candelária, Senhora da Purificação... São os títulos que a devoção popular dá, com razão, à Virgem Santíssima pelo mistério da Festa de hoje.

Notai, caríssimos em Cristo, que se trata de uma celebração ainda ligada ao Natal – na verdade é a última das festas ligadas ao ciclo do Tempo do Natal, ainda que ocorra no início do Tempo Comum. Mas, o que celebramos, precisamente?
Primeiramente, o Encontro – Festa do Encontro, a de hoje! – do Messias Filho de Davi com a Sua Cidade Santa e o Seu Templo. Quantas vezes os profetas haviam anunciado que Jerusalém haveria de alegrar-se pela vinda do Enviado Salvador: “Dança de alegria, filha de Sião, dá vivas, filha de Jerusalém, pois agora o teu rei está chegando, justo e vitorioso” (Zc 9,9); “Grita de alegria, filha de Sião! Canta, Israel! Filha de Jerusalém fica contente, de todo o coração, dá gritos de alegria! O Senhor aboliu a sentença contra ti, afastou teus inimigos. O rei de Israel é o Senhor, que está em teu meio; não precisarás mais ter medo de alguma desgraça. Naquele dia, Deus dirá a Jerusalém: ‘Não tenhas medo, Sião! Não te acovardes!’” (Sf 3,14-16).

Pois bem, ei-Lo agora, realizando a promessa do Senhor Deus e a esperança de Israel. Jesus-Messias vem à Cidade Santa e ao Templo, cumprindo quanto Israel tanto sonhou: “Assim diz o Senhor: ‘Logo chegará ao Seu templo o Dominador, que tentais encontrar, e o Anjo da Aliança, que desejais. Ei-Lo que vem, diz o Senhor dos exércitos; e quem poderá fazer-Lhe frente, no dia de Sua chegada? E quem poderá resistir-Lhe, quando Ele aparecer? Ele é como o fogo da forja e como a barrela dos lavadeiros; e estará a postos, como para fazer derreter e purificar a prata: assim Ele purificará os filhos de Levi e os refinará como ouro e como prata, e eles poderão assim fazer oferendas justas ao Senhor. Será então aceitável ao Senhor a oblação de Judá e de Jerusalém, como nos primeiros tempos e nos anos antigos’” (Ml 3,1-4). Por isso as palavras emocionadas, exultantes, agradecidas do Velho Simeão, que representa hoje todo o Antigo Israel: “Agora, Senhor, conforme a Tua promessa, podes deixar Teu servo partir em paz; porque meus olhos viram a Tua salvação, que preparaste diante de todos os povos: luz para iluminar as nações e glória do Teu povo Israel” (Lc 2,29-32).

Um segundo sentido, Irmãos, nascido das próprias palavras de Simeão, que profetizou pensando no Servo Sofredor do Livro de Isaías: esse Menino é glória para o Antigo Israel e Luz para iluminar todas as nações da terra! Sim, Ele é o Servo Sofredor, humilde e pobre, anunciado por Isaías Profeta: “Ele disse: ‘É bem pouco seres o Meu servo só para restaurar as tribos de Jacó, só para trazer de volta os israelitas que escaparam, quero fazer de Ti uma luz para as nações, para que a Minha salvação chegue até os confins do mundo’” (Is 49,6). Eis por que nós, Novo Israel, Igreja de Cristo, Jerusalém do Alto, Cidade dos cristãos, devemos fazer nossas as esperanças e as alegrias do Antigo Israel e exultar hoje com a vinda do santo Messias! Que Ele encontre sempre Sua Igreja e o coração de cada um de nós abertos para reconhecê-Lo e acolhê-Lo! Conforme as palavras de Simeão, Ele é Luz para iluminar as nações. Por isso, a Missa começa com uma procissão com velas: eis o Menino-Luz que veio iluminar o mundo inteiro!

Há ainda um terceiro aspecto nesta Festa de hoje: As velas acesas que trazemos nas mãos na procissão que introduz a Missa têm ainda um ulterior significado: a Igreja, Jerusalém da Nova Aliança, recebe como Virgem fiel o seu Esposo-Luz, que é Jesus. Como as virgens prudentes da parábola, a Igreja mantém a luz da sua fé, do seu amor e da sua esperança em meio às trevas deste mundo, das tantas lutas, combates e incertezas! “Eis o Noivo que chega! Saiamos ao encontro de Cristo!” Ele vem vindo sempre e nós devemos saber reconhecê-Lo e acolhê-Lo! Para isso, é essencial vigiar nas noites da vida!

Devemos ainda estar atentos a um último mistério desta Festa: a Virgem Maria. Ela traz nos seus braços seus filho único, seu Menino que é Luz. Vem para ofertá-lo ao Senhor. Como a pobre viúva, ela dá tudo a Deus – esse tudo, que é seu único e amado filhinho! Ela é a Virgem oferente, mais que nosso pai Abraão, que ofereceu Isaac. Por que se pode afirmar isto? Porque Deus poupou o filho de Abraão, o Isaac que seria oferecido em sacrifício; mas não poupou o filho de Maria! Simeão a previne: “A oferta foi aceita! Uma espada, Virgem Maria, traspassará teu coração! Chegará a hora da cruz e tu estarás lá, consumando a oferenda do teu único filho, Daquele que é tudo para ti! Maria aqui, torna-se modelo de total entrega ao Senhor Deus, de total pobreza e desapego! Mais ainda: observe que Simeão anuncia  dor da Virgem como participação na obra da nossa salvação! Para que fôssemos salvos, para que o universo chegasse à plenitude, para que fôssemos salvos da morte eterna, o filho da Virgem teve que Se tornar sinal de contradição, até à cruz... E isto envolveu uma espada duramente traspassada no coração materno da Toda Santa! O ensinamento da Escritura é claro: não se pode pensar a salvação sem contemplar o papel singularíssimo que a Virgem nela ocupa! 


Irmãos, vamos nós também, com a lâmpada da fé, do amor e da esperança, ao encontro do Esposo que vem! Vamos ao encontro do Santo Messias nascido todo para nós com o mesmo ânimo de José e Maria, que apresentando seu filhinho ao Senhor Deus de Israel, deu-Lhe o que tinham de mais valioso! Que o  Senhor aceite a nossa oferta, unida ao pão e ao vinho eucarísticos, que são o próprio Jesus oferecido em sacrifício e recebido em comunhão!