sábado, 24 de novembro de 2018

Homilia para a Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo - ano b

Dn 7,13-14
Sl 92
Ap 1,5-8
Jo 18,33b-37


“O Cordeiro que foi imolado é digno de receber o poder, a divindade, a sabedoria, a força e a honra. A Ele a glória e poder através dos séculos” (Ap 5,12; 1,6). Estas palavras são da Antífona de Entrada da Solenidade de hoje e dão o sentido profundo desta celebração de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo.

Uma pergunta que pode vir – deveria vir! – ao nosso coração é esta: Jesus é Rei? Como pode ser Rei, num mundo paganizado, num mundo pós-cristão, num mundo que esqueceu Deus, num mundo que ridiculariza a Igreja por pregar o Evangelho e suas exigências? Pelo menos do Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo o mundo não quer saber... Todas as certezas, todas as esperanças parecem esfarelar-se diante de nós...

Como, então, Jesus pode ser Rei de um mundo que não aceita ser o Seu reinado? E, no entanto, hoje, no último Domingo deste ano litúrgico de 2018, ao final de um ciclo de tempo, voltamo-nos para o Cristo, e O proclamamos Rei: Rei de nossas vidas, Rei da história, Rei dos cosmo, Rei do universo. A Igreja canta, neste dia, na sua oração: “Cristo Rei, sois dos séculos Príncipe,/ Soberano e Senhor das nações!/ Ó Juiz, só a vós é devido/ julgar mentes, julgar corações”.

O texto do Apocalipse citado no início desta meditação dá o sentido da realeza de Jesus: Ele é o Cordeiro que foi imolado. É Rei não porque é prepotente, não porque manda em tudo, até suprimir nossa liberdade e nossa consciência. É Rei porque nos ama, Rei porque Se fez um de nós, Rei porque por nós sofreu, morreu e ressuscitou, Rei porque nos dá a Vida. Ele é aquele Filho do Homem da primeira leitura: “Foram-Lhe dados poder, glória e realeza, e todos os povos, nações e línguas O serviam: Seu poder é um poder eterno que não Lhe será tirado, e Seu Reino, um Reino que não se dissolverá”. Com efeito, o reinado de Cristo não tem as características dos reinados do mundo.

(1) Ele é Rei não porque Se distancia de nós, mas precisamente porque Se fez “Filho do homem”, solidário conosco em tudo. Ele experimentou nossas pobrezas e limitações; Ele caminhou pelas nossas estradas, derramou o nosso suor, angustiou-Se com nossas angústias e experimentou tantos dos nossos medos. Ele morreu como nós, de morte humana, tão igual à nossa. Ele reina pela solidariedade.

(2) Ele é Rei porque nos serviu: “O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por muitos” (Mc 10,45). Serviu com toda a Sua existência, serviu dando sempre e em tudo a vida por nós, por amor de nós. Ele reina pelo amor.

(3) Ele é Rei porque tudo foi criado pelo Pai “através Dele e para Ele” (Cl 1,15); tudo caminha para Ele e, Nele, tudo aparecerá na sua verdade: “Quem é da verdade, ouve a Minha voz”. É Nele que o mundo será julgado. A televisão, os sites e blogs, os canais da internet, os modismos, os sabichões de plantão podem dizer o que quiserem, ensinarem a verdade que lhes forem conveniente... Mas, ao final, somente o que passar pelo teste de Cruz do Senhor resistirá. O resto, é resto: não passa de palha. Ele reina pela verdade.

(4) Ele é Rei porque é o único que pode garantir nossa vida; pode fazer-nos felizes agora e pode nos dar a vitória sobre a morte por toda a eternidade: “Jesus Cristo é a testemunha fiel e verdadeira, o Primogênito dentre os mortos, o soberano dos reis da terra”. Ele reina pela vida.

Sim, Jesus é Rei: “Eu sou Rei! Para isto nasci, para isto vim ao mundo!”Mas Seu Reino nada tem a ver com o triunfalismo dos reinos humanos – de direita ou de esquerda! Nunca nos esqueçamos que Aquele que entrou em Jerusalém como Rei, veio num burrico, símbolo de mansidão e serviço. Como coroa teve os espinhos; como cetro, uma cana; como manto, um farrapo escarlate; como trono, a cruz. Se quisermos compreender a realeza de Cristo, é necessário não esquecer isso! A marca e o critério da realeza de Cristo é e será sempre, a Cruz!

Hoje, assistimos, impressionados, à paganização do mundo, e perguntamos: onde está a realeza do Cristo? – Onde sempre esteve: na Cruz: “O Meu Reino não é deste mundo. Se o Meu reino fosse deste mundo, os Meus guardas lutariam para que Eu não fosse entregue aos judeus. Mas o Meu Reino não é daqui”. O Reino de Jesus não é segundo o modelo deste mundo, não se impõe por guardas, pela força, pelas armas: Meu Reino não é daqui! É um Reino que vem do mundo do amor e da misericórdia de Deus, não das loucuras megalomaníacas dos seres humanos. E, no entanto, o Reino está no mundo: “Cumpriu-se o tempo; o Reino de Deus está próximo” (Mc 1,15); “Se é pelo Dedo de Deus que eu expulso os demônios, então o Reino de Deus já chegou para vós” (Lc 11,20). O Reino que Jesus trouxe deve expandir-se no mundo! Onde ele está? Onde estiverem o amor, a verdade, a piedade, a justiça, a solidariedade, a paz. O Reino do Cristo deve penetrar todos os âmbitos de nossa existência: a economia, as relações comerciais, os mercados financeiros, as relações entre pessoas e povos, entre membros da família e vizinhos, nossa vida afetiva, nossa moral pessoal e comunitária.

Celebrar Jesus Cristo Rei do Universo é proclamar diante do mundo que somente Cristo é o sentido último de tudo e de todos, que somente Cristo é definitivo e absoluto. Proclamá-Lo Rei é dizer que não nos submetemos a nada nem a ninguém, a não ser ao Cristo; é afirmar que tudo o mais é relativo e menos importante quando confrontado com o único necessário, que é o Reino que Jesus veio trazer. Num mundo que deseja esvaziar o Evangelho, tornando Jesus alguém inofensivo e insípido, um deus de barro, vazio e sem utilidade, proclamar Jesus como Rei é rejeitar o projeto pagão do mundo atual e proclamar: “O Cordeiro que foi imolado é digno de receber o poder, a divindade, a sabedoria, a força e a honra. A Ele a glória e poder através dos séculos”. Amém (Ap 5,12; 1,6).


sábado, 17 de novembro de 2018

Homilia para o XXXIII Domingo Comum - ano b

Dn 12,1-3
Sl 15
Hb 10,11-14.18
Mc 13,24-32

Estamos no penúltimo Domingo do Ano Litúrgico. No Domingo próximo, a Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo encerrará este ano da Igreja. Pois bem, hoje a Palavra de Deus, nos recorda que, como o ano, também a nossa vida passa, e passa veloz... Assim, o Senhor nos convida à vigilância e nos exorta a que não percamos de vista o nosso caminho neste mundo e o destino que nos espera.
Nossa vida tem um rumo, caríssimos; o mundo e a história humana têm uma direção, meus irmãos!

A fé cristã nos ensina, amados no Senhor, que toda a criação e toda a história humana caminham para um ponto final. Este fim não será simplesmente o término do caminho, mas a sua plenitude, a sua finalidade, sua bendita consumação.
O universo vai evoluindo, a história vai caminhando... Onde o caminho vai dar? Com palavras e ideias figuradas, a Escritura Sagrada nos ensina que tudo terminará em Jesus, o Cristo glorioso que, por Sua Morte e Ressurreição, tornou-Se Senhor e Juiz de todas as coisas.
Vede bem: a criação não vai para o nada; a história humana não caminha para o absurdo! Eis aqui o essencial, que o evangelho de hoje nos coloca com palavras impressionantes: “Então verão o Filho do Homem vindo nas nuvens com grande poder e glória!” Ou seja: tudo quanto existe caminha para Cristo, Aquele que vem sobre as nuvens como Deus, Aquele que é nosso Juiz porque, como Filho do Homem, experimentou nossa fraqueza e Se ofereceu uma vez por todas em sacrifício por nós!
Vede, irmãos: o nosso Salvador será também o nosso Juiz! Aquele que está à Direita do Pai e de lá virá em Glória para levar à consumação todas as coisas é o mesmo que Se ofereceu todo ao Pai por nós para nos santificar e nos levar à perfeição!
Repito: nosso Juiz é o nosso Salvador!
Quanta esperança isso nos causa, mas também quanta responsabilidade! 
Que faremos diante do Seu amor?
Que diremos Àquele que por nós deu tudo, até entregar a própria vida para nossa salvação?
Que amor apresentaremos a Quem tanto e tanto nos amou? Pensai bem!

Hoje, a Palavra de Deus adverte: tudo estará debaixo do senhorio de Cristo! Por isso, numa linguagem de cores fortes e figuras impressionantes, Jesus diz que a criação será abalada pela Sua Vinda: “O sol vai escurecer e a lua não brilhará mais, as estrelas começarão a cair do céu e as forças do céu serão abaladas”. Que significa isso? Que toda a criação será palco dessa Revelação da Glória do Senhor, toda a criação será transfigurada e alcançará a Plenitude no parto de um novo céu e uma nova terra onde a Glória de Deus brilhará para sempre!
O Senhor afirma ainda que também a história chegará ao fim e será passada a limpo. Cristo fala disso usando a imagem da grande tribulação, isto é, as dores e contradições do tempo presente, que vão, em certo sentido se intensificando neste mundo. Por isso mesmo, a primeira leitura, do Profeta Daniel, fala em combate e em tempo de angústia... É o nosso tempo, este tempo presente, que se chama “hoje”.

Amados em Cristo, estas leituras são muito atuais e consoladoras, sobretudo nos dias correntes, quando vemos o Cristo enxovalhado, o cristianismo perseguido e desprezado, a santa Igreja católica caluniada e agredida externa e internamente... Pensem em tantos acontecimentos, em tantos atos e atitudes, pensem nas obras de arte blasfemas e sacrílegas frequentemente expostas sem nome de uma pérfida liberdade, pensem no ridículo a que os cristãos são expostos aqui e ali, com cínicas desculpas e camufladas intenções, pensem nos valores cristãos que vão sendo destruídos, nas famílias destruídas pelo divórcio, pela infidelidade, pela imoralidade, pela perversão brutal do sentido da sexualidade humana, pensem nos jovens desorientados pela falta de Deus, pela negação de todas as certezas e o desprezo de todos os valores, pensem, por fim, na vida humana desrespeitada pelo aborto, pela manipulação genética, pelas imorais e inaceitáveis experiências com células-tronco embrionárias com pretextos e desculpas absolutamente imorais, pensem no endeusamento do prazer, na manipulação do poder, na ganância pelo ter, por um consumo e desfrute da vida desenfreados, que somente levam ao vazio e à destruição do homem e da criação...
Não é de hoje, caríssimos, que a Igreja sofre e que os cristãos são perseguidos, ora aberta, ora veladamente... Já no longínquo século V, Santo Agostinho afirmava que a Igreja peregrina neste tempo avançando entre as perseguições do mundo e as consolações de Deus... O perigo é a gente perder de vista o caminho, perder o sentido do nosso Destino, esfriar na vigilância, perder a esperança, abandonar a fé...

Caminhamos para o Senhor, caríssimos – tende certeza disto! O mudo vai terminar no Cristo, como um rio termina no mar; a história vai encontrar o Cristo, tão certo quanto a noite encontra o dia; nossa vida estará diante do Senhor, tão garantido quanto o vigia cada manhã está diante da aurora! Por isso mesmo, é indispensável vigiar e trazer sempre no coração a bendita memória do Salvador, a firme esperança nas suas promessas, a segura certeza da sua salvação! Vede bem: na Manifestação do nosso Senhor, Ele nos julgará! Na Sua luz, tudo será posto às claras: se é verdade que Sua Vinda é para a salvação, também é verdade que todos quantos se fecharam para Ele, perderão essa salvação.
Caríssimos, nosso destino é o Céu, mas estejamos atentos: o inferno, a condenação eterna, a danação sem fim, o fogo que devora para sempre, são uma real possibilidade para todos nós! Haverá um Juízo de Deus em Jesus Cristo, meus amados no Senhor: “Muitos dos que dormem no pó a terra despertarão, uns para a Vida eterna, outros para o opróbrio eterno. Nesse tempo, teu povo será salvo, todos os que se acharem escritos no Livro”.
Caríssimos, não brinquemos de viver, não vivamos em vão, não sejamos fúteis e levianos, não corramos à toa a corrida da vida! É o nosso modo de viver agora que decidirá nosso destino para sempre! Por isso mesmo, Jesus nos previne: “Em verdade vos digo: esta geração não passará até que tudo isto aconteça!” Em outras palavras: não importa quando Ele virá – Ele mesmo diz: “Quanto àquele dia e hora, ninguém sabe, nem os anjos do Céu, nem o Filho, mas somente o Pai”-; importa, sim, que estejamos atentos, importa que vivamos de tal modo que, quando Ele vier no momento de nossa morte, estejamos prontos para comparecer diante Dele e diante Dele estar no último Dia, quando tudo for julgado!
O juízo que nos espera é um processo: começa logo após a nossa morte, quando, em nossa alma, estaremos diante do Cristo e receberemos nossa recompensa: o Céu ou o inferno, que começarão, para cada um de nós, imediatamente! E no final dos tempos, quando Cristo Se manifestar em Sua Glória, nosso destino também será manifestado com toda a criação e o nosso corpo, ressuscitado no fim de tudo, receberá também a mesma recompensa de nossa alma: o Céu ou o inferno, de acordo com o nosso procedimento nesta vida!

Meus caros, quando a Escritura Sagrada nos fala do fim dos tempos não é para descrever como as coisas acontecerão. Isso seria impossível, pois aqui se trata de realidades que nos ultrapassam e que já não pertencem a este nosso mundo. Portanto, palavras deste mundo não podem descrever o que pertence ao mundo que há de vir... O que a Escritura deseja é nos alertar a que vivamos na verdade, vivamos na fé, vivamos na fidelidade ao Senhor... Vivamos de tal modo esta nossa vida, que possamos, de fé em fé, de esperança em esperança, alcançar a Vida eterna que o Senhor nos prepara, vida que já experimentamos hoje, agora, nesta santíssima Eucaristia, Sacrifício único e santo do nosso Salvador que, à Direita do Pai nos espera como Juiz e Santificador. A Ele a glória pelos séculos dos séculos. Amém.


segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Para continuar...

"É de perseverança que tendes necessidade para cumprirdes a  vontade de Deus e alcançardes o que Ele prometeu.
Porque, ainda um pouco,
muito pouco tempo,
e Aquele que vem, chegará e Ele não tardará!

O Meu justo viverá pela fé,
mas se esmorecer,
nele não encontrarei mais nenhuma satisfação!" (Hb 10,37s)

Quando, ao redor, tudo desmorona
e as coisas e as verdades mais sagradas são pisadas
docemente,
falsamente,
sorrateiramente,
diabolicamente,
sob a capa de bem,
até quase desaparecerem do horizonte dos corações;

quando se olha ao redor e já não se vê possibilidade,
e a maldade, fruto do Maligno, vem como um vendaval,
tudo destruindo,
tudo derrubando até os alicerces,
tudo sufocando,
sob a capa de leve e doce brisa;

quando se vê, apesar de escondida,
a velhice dos piores vícios alastrando-se,
bem encobertos sob mil doces mentirinhas,
com a capa de gentil novidade;

quando o mal é chamado bem e o bem considerado mal,
quando se chama virtude ao pecado e pecado à virtude,
quando a perseguição,
o desprezo pelo direito genuíno,
a covardia, o comodismo, o descompromisso
vão se tornando a regra;

quando em nome da liberdade se oprime,
em nome do respeito se persegue,
em nome da verdade se mente,
em nome da concórdia fraterna se criam intrigas e divisões,
em nome da felicidade geral se inferniza a existência de muitos;

é grande a tentação do desânimo,
de já não mais ver sentido,
de deixar pra lá,
de esquecer em que se apostou a vida,
em qual esperança se jogou a existência...

Então, com afiada doçura,
como um clarão súbito que rasga a noite,
num momento, por um momento,
irrrompe a Palavra Daquele cujo nome é Fidelidade, é Presença, é Amor:

"É de perseverança que tendes necessidade para cumprirdes a  vontade de Deus e alcançardes o que Ele prometeu.
Porque, ainda um pouco,
muito pouco tempo,
e Aquele que vem, chegará e Ele não tardará!

O Meu justo viverá pela fé,
mas se esmorecer,
nele não encontrarei mais nenhuma satisfação!" (Hb 10,37s)


sábado, 10 de novembro de 2018

Homilia para o XXXII Domingo Comum - ano b

1Rs 17,10-16
Sl 145
Hb 9,24-28
Mc 12,38-44

Duas cenas comoventes, de gente pobre, sem valor nem importância, histórias de gentinha sem nome, ocupam hoje nossa atenção. Ah, meus irmãos, que Deus gosta de se ocupar com quem não vale nada!

Primeiro, a Viúva de Sarepta. Qual o nome dela? Qual o enredo da sua vida? Qual o nome do seu filho? Que idade tinha? Nada! Silêncio! A Escritura se cala. Vai direto ao ponto:
No tempo do profeta Elias uma seca mortal varreu a Terra Santa e sua vizinhança. O Livro dos Reis explica que isso se deveu à idolatria de Israel e à impiedade de Acab, seu rei, homem brilhante na política e na economia, mas ímpio diante de Deus. Até o profeta Elias, que anunciou o castigo, teve que sofrer as consequências: primeiro ficou sendo alimentado por um corvo na torrente do Carit; mas, depois, a torrente secou. Também os profetas de Deus sofrem, também eles participam da sorte do seu povo... Deus não superprotege seus amigos numa redoma... Também os amigos do Senhor devem combater os combates da vida... Mas, exaurida a torrente do Carit, Elias deixou a Terra Santa como flagelado de seca... Conhecemos essa história de tantos nordestinos que fogem da sequidão, deixando para trás sua terra e indo para o Sudeste do País. Pois bem: Elias, um dos maiores amigos de Deus, foi retirante, como um coitado flagelado nordestino!
E chega ao estrangeiro, na fronteira de Israel com o Líbano. Vê uma viúva cananeia, pagã, portanto, apanhando uns gravetos para fazer fogo. Pois bem, o homem pede-lhe um pouco d’água e também um pedacinho de pão. Devia estar morto de fome, o Elias retirante, flagelado, como os “severinos” da vida... E, ante o pedido do Homem de Deus, a resposta da viúva pobre e sem nome, uma maria-ninguém, é de fazer chorar de dor: “Pela vida do Senhor, teu Deus, não tenho pão. Só tenho um punhado de farinha e um pouco de azeite. Eu estava apanhado dois pedaços de lenha, a fim de preparar esse resto para mim e meu filho, para comermos e depois esperar a morte”. É o fim da pouca comida na casa daquela coitada, daquela pobre, é o último bocado, para a última refeição... E observem que ela não amaldiçoa Deus; pelo contrário: “Pela vida do Senhor, teu Deus!” – ela diz, com respeito por Deus e por Seu profeta, apesar de ser uma pagã! E Elias manda que ela prepare o pão primeiro para ele; e garante: “Assim fala o Senhor, Deus de Israel: ‘A vasilha de farinha não acabará e a jarra de azeite não diminuirá, até ao dia em que o Senhor enviar a chuva sobre a face da terra’”. A viúva fez assim, deu tudo que ainda tinha, e aconteceu como o profeta de Deus dissera...

Uma segunda cena. A de uma viúva também sem nome, sem importância, outra maria-ninguém; Maria Nadinha de Nada – poderia ser esse o seu nome... Chega junto ao cofre do tesouro do Templo. Ali joga duas moedinhas. Dinheiro de nada. Não dá para comprar nem o azeite de um dia para manter o candelabro do Senhor aceso! Mas, era “tudo aquilo que possuía para viver!” E o Senhor viu, e comoveu-Se com sua generosidade, pois conhecia seu coração e sabia da sua penúria miserável! – Esta segunda história nós conhecemos bem das nossas igrejas; a mão aberta, generosa, dos pobres para com a Casa de Deus e a parcimônia mesquinha e desdenhosa dos que muito possuem... Pois bem: esta viúva, indigente, quase esmoler, dá tudo ao Senhor, não reserva nada para si! Talvez nós pensemos, do alto da nossa prudência: “Mulher imprudente, mulher tola, mulher irresponsável...” Mas, o Senhor Jesus, que desmascara nossos pensamentos miseráveis e mundanos, tem opinião diferente: Ama aquela viúva, elogia aquela mulher, comove-Se com ela.

Caríssimos, agora procuremos responder: Como essas duas mulheres tiveram coragem de agir assim? Como foram capazes de tal desapego? Eis a resposta: As duas acreditavam de verdade no Deus de Israel. Para elas, Deus não era uma teoria, uma hipótese, uma ideia vaga, fria e distante! Para elas, Deus era concreto, presente, atuante. Ainda hoje é assim para os pobres. Vão, meus caro! Vão às nossas comunidades de periferia e vocês ficarão impressionados com a generosidade e a fé da gente pobre! Para essas duas mulheres e para os pobres de Deus, as palavras do salmo da Missa de hoje não são uma brincadeira, não são palavras vazias: O Senhor é fiel para sempre,/ faz justiça aos que são oprimidos;/ Ele dá alimento aos famintos./ É o Senhor Quem protege o estrangeiro,/ Quem ampara a viúva e o órfão./ O Senhor reinará para sempre!”
Só quem crê de verdade, de verdade se abandona, de verdade doa, de verdade não procura segurança fora de Deus! Só quem crê de verdade faz como essas viúvas sem juízo: dão tudo, porque dão para o Senhor! Caríssimos, aquelas mulheres pobres acreditavam nisso, aquelas duas coitadas sabiam abandonar-se nas mãos benditas do Deus de Israel: uma dá tudo quanto tinha para comer a uma estranho simplesmente porque ele era um homem de Deus; a outra, não hesita em jogar tudo no tesouro da Casa do Senhor... Elas são como o Cristo Jesus, “que sendo rico Se fez pobre para nos enriquecer com a Sua pobreza” (2Cor 8,9). Elas são tão diferentes de nós, apegados, desconfiados, iludidos com o pensamento que podemos garantir nossa vida com nosso egoísmo e que somos senhores dos nossos dias. – Senhor, dá-nos um coração de pobre! Senhor, fonte de riqueza, dá-nos um coração confiante!

E agora, para terminar, agora olhemos Jesus. A segunda leitura de hoje no-Lo apresenta nos Céus, diante do Pai, em nosso favor. O Autor sagrado explica que Ele se fez homem uma só vez, entregando-Se todo, a vida toda, por nós, até morrer para apagar os pecados da multidão! Ele fez como aquelas viúvas: Ele não Se poupou, não poupou nada; tudo entregou ao Pai por nós, até a morte de Cruz! Ele, o Pobre, mais que a viúva de Sarepta; Ele, o generoso, mais que a viúva do tesouro do Templo. E agora, Ele estará para sempre diante do Pai, com o Seu sacrifício, como Cordeiro glorioso e imolado (cf. Ap 5,6), até que apareça em Glória nos final dos tempos “para salvar aqueles que O esperam”. Eis caríssimos, o mistério: sem saberem, aquelas duas mulheres participavam da entrega de Cristo, da generosidade de Cristo, dos sentimentos de Cristo! Sem nem imaginarem, aquelas mulheres colocaram a esperança em Cristo!

Por favor, voltemos agora o olhar do coração para o Céu, para junto do Pai! Lá está o nosso Salvador, eternamente vitorioso e eternamente imolado de amor! Lá está Jesus, com o Seu Sacrifício eterno, único, perfeito irrepetível, totalmente suficiente e eficaz! Ele nos deu tudo! Mais ainda: Ele Se deu todo... Todo a nós, todo por nós!
Agora, olhemos para este Altar, em torno do qual nos reunimos. Daqui a pouco, esse Sacrifício único e santíssimo, esse Sacrifício que está para sempre diante de Deus, estará aqui, sobre este Altar sagrado, para ser nossa oferta e para que nós dele participemos! Daqui a pouco, a Hóstia santa – isto é, a Vítima do Sacrifício – estará aqui, dos Céus para nós, dos Céus entre nós, para ser nossa oferta e nosso alimento! É muito dom, é muito mistério, é muito piedade, é muita misericórdia de Deus para conosco!

Caríssimos, não sejamos mesquinhos, não sejamos incrédulos, não sejamos duros de coração: aprendamos a ver Deus agindo na nossa vida, aprendamos a confiar, e coloquemos nossa vida e nossa pobreza nas mãos de Deus! Amém.


sábado, 3 de novembro de 2018

Os santos do Cordeiro

No Brasil, a Solenidade de Todos os Santos é transferida para o Domingo após o 1 de novembro.

Todos os Santos, isto é, todos os fieis de Cristo que já se encontram na Glória do Senhor.
A leitura desta Solenidade, tirada do capítulo VII do Apocalipse é impressionante: Foi rompido o sexto selo, o penúltimo!

Toda a criação sofre como que uma convulsão: terremoto intenso, escurecimento do sol, a lua avermelhada, as estrelas desabando do firmamento, e este, como um pergaminho, recolhendo-se, as ilhas e as montanhas são como que arrancadas da sua eterna estabilidade. Sim, nada pode fugir ao comando do Senhor, o Cordeiro imolado e vitorioso! Ele tem nas mãos todo o universo!

Os reis, os grandes, os potentes com as armas, todos os filhos de Adão, grandes ou pequenos se apavoram diante da tremenda e santa grandeza de Deus! Decididamente, o Senhor não é um coleguinha nosso, não é um deusinho domesticável, politicamente correto, que domamos com palavras macias, pensamentos mundanos e medidas humanas. Pela terrível majestade de Deus e do Seu Cristo, cheio de esplendor do Espírito, naturalmente, a humanidade se apavora: “Escondei-nos da Face Daquele que está sentado no trono e da ira do Cordeiro! Quem poderá ficar de pé?” (Ap 7,16s).

Ai, ai! Que ninguém, dentre os filhos dos homens, que ninguém, dentre os filhos da Igreja, ouse medir o Senhor na sua própria medida! Não ! Ele é o Santo, Ele é o Tremendo, Ele é o Juiz de todas as coisas! Ele não pode ser domesticado! “Chegou o Grande Dia de Sua ira!”

É este o quadro da leitura da Missa de hoje: o horizonte do Dia Final, do Juízo tremendo do Senhor Deus e do Seu Cristo; juízo que se dá no Fogo que é o Espírito (cf. Jo 16,8-11).

Chegou a hora do Julgamento. Interessante, que ainda é o início do Livro do Apocalipse e, no entanto, os acontecimentos já aparecem tão dramáticos, tão definitivos, finais mesmo! É que o Juízo de Deus, que vai se dar plenamente na última Manifestação do Senhor, começa agora, no tempo, no nosso tempo, nos momentos e acontecimentos da nossa vida: “É agora o julgamento deste mundo (Jo 12,31); este é o julgamento: a Luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas à Luz, porque suas obras eram más!” (Jo 3,19)

A cena é solene, tremenda, de suspense! Quatro Anjos colocados nos quatro cantos da terra: o Senhor tem o controle de tudo: da natureza e da história! O vento não sopra: a criação toda está de respiração suspensa! Vem, então mais um Anjo, com o selo de Deus, aquele selo com a forma do T (taw) a última letra do alfabeto hebraico (cf. Ez 9,4), a letra final, que recorda a Cruz do Senhor! O sinal da santa Cruz, o distintivo dos servos do Cordeiro imolado na Cruz, o sinal que evoca o Nome do Senhor que na Cruz triunfou (cf. Ap 14,1; 22,4)! Ele marcará aqueles que, neste mundo, ainda lutam, ainda combatem fielmente, como servos de Cristo, como membros da Sua Igreja.

O mundo pode entrar em convulsão, a história humana pode parecer sem rumo, mas o Senhor tem tudo em Suas mãos: “Não danifiqueis a terra, até que tenhamos marcado a fronte dos servos do nosso Deus” (Ap 7,3).Tudo caminha segundo o desígnio do Senhor.
E, então, de todas as tribos de Israel, o Povo de Deus, povo das doze tribos, foram marcados 144.000, isto é 12x12x1000. Eis o significado: doze quer dizer a totalidade; ao quadrado, quer dizer perfeição; multiplicado por mil exprime a superabundância, a plenitude. Em outras palavras: todos aqueles que forem fieis, todos quantos acolherem o convite à salvação, serão salvos.
Isto não quer dizer que todos se salvarão, mas significa que a salvação é oferecida a todos e que a Igreja, como um todo, verá os seus filhos salvos. Mas, quem pertence à Igreja? Aquele que vive, realmente, como membro do Corpo de Cristo, unido ao Senhor de verdade.

Por isso, lutemos, combatamos, vigiemos, convertamo-nos, para que estejamos no número dessa multidão que constitui a verdadeira Igreja do Senhor! Não aconteça que sejamos filhos da Igreja externamente, mas, pelo pecado, vivamos dela afastados e, então, já não estejamos no número dos filhos da sua plenitude!

Depois, a Igreja do Céu, a Igreja que já chegou ao seu bendito Destino, onde todos estaremos um dia, com a graça de Deus: uma multidão que não se podia contar! A Igreja do Céu é a plenitude consumada da Igreja da terra! Eis a Igreja, com as vestes brancas da Glória de Cristo, embranquecida no sangue do Cordeiro, que elimina os nossos pecados, tendo nas mãos a palma da vitória após o combate, atravessando a grande tribulação desta vida! Eis o santos do Céu, que hoje comemoramos: aqueles que já chegaram ao destino eterno. Habitarão com o Senhor para sempre. Mais ainda: Ele mesmo será a sua tenda! Não mais terão fome ou sede, o Cordeiro os apascentará para a Vida e eles terão enxugadas todas as suas lágrimas!

Eis o que nos espera, eis a promessa do Eterno, eis o nosso Destino!
Que intercedam por nós, que militamos ainda na terra, entre os 144.000, aqueles, multidão que ninguém pode contar, que já servem a Deus e seguem o Cordeiro no Templo do Céu! Amém.



Homilia para a Solenidade de Todos os Santos

Ap 7,2-4.9-14
Sl 23
1Jo 3,1-3
Mt 5,1-12

Hoje, a Igreja volta seu olhar e seu coração para o Céu e enche-se de alegria ao contemplar uma multidão que participa da Glória e da plenitude do Deus Santo.

A nossa fé nos ensina que somente Deus é Santo.
Na Bíblia, “santo” significa, literalmente, “separado”. Deus é aquele que é separado, absolutamente diferente de tudo quanto exista no Céu e na terra: Ele é único, Ele é absoluto, Ele sozinho Se basta, sozinho é pleno, sozinho é infinitamente feliz. Ele é Deus! Por isso, Santo, em sentido absoluto, é somente o Deus uno e trino, Pai, Filho e Espírito Santo. A Jesus, o Filho eterno feito homem, nós proclamamos em cada missa: “Só Vós sois o Santo”; ao Pai nós dizemos: “Na verdade, ó Pai, Vós sois Santo e fonte de toda santidade”; ao divino Espírito nós chamamos de Santo.

Mas, a nossa fé também nos ensina que este Deus santo e pleno, dobra-Se carinhosamente sobre a humanidade – sobre cada um de nós – para nos dar a Sua própria Vida, para nos fazer participantes de Sua própria plenitude, Sua própria santidade.
Foi assim que o Pai, cheio de imenso amor, enviou-nos Seu Filho único até nós, e este, morto e ressuscitado, infundiu no mais íntimo de nós e de toda a Igreja o Seu Espírito de santidade.
Eis, quanta misericórdia: Deus, o único Santo, nos santifica pelo Filho no Espírito: “Vede que grande presente de amor o Pai nos deu: sermos chamados filhos de Deus! E nós o somos!” (1Jo 3,1)É isto a santidade para nós: participar da Vida do próprio Deus, sermos separados, consagrados por Ele e para Ele desde o nosso Batismo, para vivermos Sua própria Vida, Vida de filhos no Filho Jesus! É assim que todo cristão é um santificado, um separado para Deus.
Mas, esta santidade que já possuímos deve, contudo, aparecer no nosso modo de viver, nas nossas ações e atitudes. E o modelo de toda santidade é Jesus, o Bem-aventurado. Ele, o Filho, foi totalmente aberto para o Pai no Espírito Santo e, por isso, foi totalmente pobre, totalmente manso, totalmente puro e abandonado a Deus no pranto, na fome de justiça e na misericórdia. Então, ser santo, é ser como Jesus, deixando-se guiar e transformar pelo Seu Espírito em direção ao Pai. Esta santidade é um processo que dura a vida toda e somente será pleno na Glória. São João nos fala disso na segunda leitura de hoje: “Quando Cristo Se manifestar, seremos semelhantes a Ele, porque O veremos tal como Ele é”.

Nesta perspectiva, podemos contemplar a estupenda leitura do Apocalipse que escutamos como primeira leitura. O que se vê aí? Uma multidão.
Primeiro, cento e quarenta e quatro mil de todas as tribos do Povo de Deus. Isto simboliza todo o Novo Israel. Recordemos: 12 é o número do Povo do Antigo Testamento e da Igreja fundada sobre os Apóstolos. Pois bem, cento e quarenta e quatro mil equivale a 12 x 12 x 1000, isto é, à totalidade do Povo de Deus que ainda peregrina neste mundo, entre lutas e tribulações: todos aqueles que, crendo no Cristo, em Seu santo Nome tendo recebido o Batismo, vivendo na Sua Palavra e do Corpo do Senhor nutrindo-se na Eucaristia, combatem de coração ao Reino de Deus por uma vida de santidade!
O Senhor Deus não Se cansa de chamar o Seu Povo, o Senhor continua nos chamando, até que o número dos eleitos se cumpra. E este número é completo, pleno, amplo, largo, pois o desejo de Deus é a salvação de todos!

Mas, há ainda mais: “Depois disso, vi uma multidão imensa de gente de todas as nações, tribos, povos e línguas, e que ninguém podia contar. Estavam de pé diante do trono e do Cordeiro”.Essa multidão são todos os povos da terra, chamados por Cristo, na Igreja, e que já chegaram à salvação, à Glória, que, para eles, já é uma posse e, para nós, é ainda uma firme esperança. Enquanto nós ainda lutamos e caminhamos, eles já chegaram, já estão em Glória; não dormindo, não em morte, mas em Glória, imersos na Vida do Cristo ressuscitado! Seus corpos dormem ainda, suas almas, resplandecentes do Espírito de Cristo, já estão na Gloria de Cristo!
Notemos bem: “uma multidão que ninguém podia contar”.A salvação é para todos, a santidade não é para um grupinho de eleitos, para uma elite espiritual. Todos são chamados a essa Vida divina que Deus quer partilhar conosco, todos são chamados à santidade!

“Trajavam vestes brancas e traziam palmas nas mãos. São os que vieram da grande tribulação e lavaram e alvejaram suas vestes no sangue do Cordeiro”.Eis quem são os santos: aqueles que atravessaram as lutas desta vida, as tribulações desta nossa pobre existência, unidos a Cristo; são os que venceram em Cristo – por isso já trazem, agora, a palma da vitória; são os que não tiveram medo de viver e, se caíram, se erraram, foram, humildemente, lavando e alvejando suas vestes no sangue precioso de Cristo: são santos não com sua própria santidade, mas com a santidade do Cristo-Deus. 
Nunca esqueçamos: ninguém é santo com suas forças, ninguém é santo por sua própria santidade: só em Cristo somos santificados, pois somente Cristo derrama sobre nós o Espírito de santidade. O nosso único trabalho é lutar para acolher esse Espírito, deixando-nos guiar por Ele e por Ele sermos transfigurados em Cristo!

Olhemos para o Céu: lá estão Pedro e Paulo, lá estão os Doze, lá estão os mártires de Cristo, os santos pastores e doutores, lá estão as santas virgens e os santos homens, lá estão tantos e tantos – uns, conhecidos e reconhecidos pela Igreja publicamente, outros, cujo nome somente Deus conhece; lá está a Santíssima e Bem-aventurada sempre Virgem Maria, Mãe e discípula perfeita do Cristo, toda plena do Espírito, toda obediente ao Pai. Eles chegaram lá, eles intercedem por nós, eles são nossos modelos, eles nos esperam.

Num mundo que vive estressado, que corre sem saber para onde, num mundo que já não crê nos verdadeiros valores, porque já não crê em Deus, contemplar hoje todos os santos é recordar para onde vamos e qual é o sentido da nossa vida! Não tenhamos medo de ser de Deus, não tenhamos medo de testemunhar o Evangelho, não tenhamos medo de alimentar nossa visa com o Cristo, na Sua Palavra e na Sua Eucaristia para sermos inebriados da Vida do próprio Deus.

Infelizmente, muitos hoje têm como heróis os atletas, os atores, os cantores e tantos outros que não têm muito e até nada para ensinar. Quanto a nós, que nossos heróis e modelos sejam os santos e santas de Cristo, que foram heróis porque se venceram a si próprios, e correram para o Cristo! Que eles roguem por nós, pois o que eles foram, nós somos e o que eles são, todos nós somos chamados a ser. Todos os santos e santas de Deus, rogai por nós!


sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Por amor dos meus irmãos de fé...

Nunca esqueçamos, se quisermos perseverar:

A Vida da Igreja é Cristo, somente;
a juventude da Igreja é Cristo, somente;
o Caminho da Igreja é Cristo, somente;
a novidade da Igreja é Cristo, somente;
o que atrai na Igreja é Cristo, somente;
o que nos une como Igreja é Cristo, somente;
o que nos mantém na Igreja é Cristo, somente;
o que nos dá força para perseverar na Igreja, apesar de tudo, é Cristo, somente!

Se permanecemos na Igreja,
é porque o Espírito de Cristo habita nela, apesar de tudo;
é porque nela encontramos a Palavra viva nas Escrituras Santas proclamadas em cada Eucaristia, apesar de tudo;
é porque nela nos é dado participar do Sacrifício eucarístico, Vida da nossa vida e salvação do mundo inteiro, apesar de tudo;
é porque ela é o Corpo eclesial do Senhor e viver e morrer nela é o início do Céu, apesar de tudo!

Igreja, minha Mãe, Mãe dos fieis remidos, uma multidão,
sofrida, ultrajada, desfigurada, humilhada, aviltada!
Igreja, una, santa, católica e apostólica,
tu és o Povo de Deus Pai,
tu és o Corpo vivente do Filho imolado e ressuscitado,
tu és o Templo vivente do Santo Espírito,
tu, neste mundo, és o misterioso Corpo da Trindade Santa,
tu és a semente do Reino do Pai e do Filho e do Espírito Santo,
tu és a bendita Porta do Céu!

Por tudo isto, consola-te, ó Mãe católica:
As portas do Inferno jamais triunfarão contra ti,
ó bendita Casa de Deus, ó Betel da Nova Aliança,
doce Ministra da salvação, ó pura e eterna Esposa do Cordeiro!
Ó minha doce e sofrida Mãe!


quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Homilia para a Comemoração dos Fieis Defuntos

Hoje, a Igreja recolhe-se em oração pelos seus filhos que já partiram desta vida. Para os cristãos, não se trata de um simples dia de saudade, mas de oração pelos fiéis de Cristo que já partiram para a Casa do Pai na firme esperança da ressurreição.
Vêm à nossa mente e ao nosso coração tantas perguntas: Que é a morte? Que é a vida que termina com a morte? O que há após a morte? São interrogações que devemos responder à luz da fé.

Num mundo que já não crê e não tem quase nada a dizer sobre a vida e sobre a morte, a Palavra de Deus nos ilumina: “Irmãos, não queremos que ignoreis o que se refere aos mortos, para não ficardes tristes como os outros, que não têm esperança” (1Ts 4,13).O cristão não pode encarar a morte como os pagãos; nós temos uma esperança, e ela se chama Jesus Cristo, Aquele que disse “Eu sou a Ressurreição, Eu sou a Vida” (Jo 11,25)!

Recordemos algumas certezas fundamentais da nossa fé:

(1) Deus é a Vida, é fonte de Vida, é o Vivificante; criou tudo para a Vida. Ele não é o autor da morte, não entende nada de morte, não tem parte com a morte (cf. Sb 1,13-15). Pelo contrário, a morte é a separação do Deus vivo, como as trevas são a separação da luz do sol. “Deus criou o homem para a incorruptibilidade e o fez imagem de Sua própria natureza; foi por inveja do Diabo que a morte entrou no mundo: experimentam-na aqueles que lhe pertencem” (Sb 2,23s). Deus pensou para nós somente o bem e a felicidade com Ele! Isto é a Vida! O homem, ao fechar-se desde o princípio, para o Deus da Vida, desarrumou-se, desaprumou-se e passou a experimentar sua vida como uma morte: desequilíbrio, dor, egoísmo, solidão, medo, doença, falta de sentido e, finalmente, a morte física... O salário do nosso pecado foi uma situação de morte, de infelicidade, de incoerência e tristeza, que culmina com a morte física. Basta olhar o mundo ao nosso redor!

(2) Isto não significa que, se não tivéssemos pecado, viveríamos aqui para sempre. Deus não nos criou para vivermos aqui indeterminadamente: “O Senhor tirou o homem da terra e a ela faz voltar novamente. Deu aos homens número preciso de dias e tempo determinado” (Eclo 17,1s). Deus nos deu um número preciso de dias, um tempo de vida neste mundo. Mas, uma coisa é certa: sem o pecado, vivendo na amizade com Deus e na harmonia com os outros e o mundo, nossa morte não teria o gosto amargo de Morte. Se hoje a morte tem um aspecto trágico, é porque está ligada ao pecado, ao nosso afastamento de Deus. Por isso a morte nos mete medo e, muitas vezes, é sentida como uma ameaça de cair no nada.

(3) Mas, Deus não nos abandonou à morte: Ele nos enviou o Seu Filho, em tudo igual a nós, menos no pecado. Ele tomou sobre Si as nossas dores, viveu nossa vida mortal, de incertezas, de tristezas, de angústias, de morte. Morrendo de nossa morte, Ele foi ressuscitado pelo Pai na força do Espírito Santo. Morrendo da nossa morte, Ele nos deu a possibilidade e a graça de morrer como Ele e com Ele ressuscitar da morte: “Eu sou a ressurreição! Quem crê em Mim, ainda que esteja morto viverá!” (Jo 11,25). Desde o Batismo, unidos a Cristo morto e ressuscitado, alimentados pelo Seu corpo e sangue na Eucaristia, sabemos que “nem a morte nem a vida nem criatura alguma nos poderá separar do amor de Cristo” (Rm 8,38s).

Esta é a nossa esperança: vivermos unidos a Cristo já agora e, após a nossa morte, ressuscitar Nele e com Ele, nele e como Ele! Como o Senhor foi glorificado no Seu corpo e na Sua alma pela potência do Espírito Santo, assim também nós seremos glorificados: logo após a nossa morte, na nossa alma, nunca mais sentiremos o medo, a tristeza, a dor, o pranto e, no fim dos tempos, também no nosso corpo mortal seremos glorificados: “semeado corruptível, ressuscitará corpo incorruptível; semeado desprezível, ressuscitará reluzente de glória; semeado na fraqueza, ressuscita cheio de força; semeado psíquico, ressuscita corpo espiritual” (1Cor 15,42-44). Sermos glorificados significa entrar na plenitude de Cristo, na alegria de Cristo, na eternidade de Cristo! Isto, para nós, é o Paraíso: estar para sempre com o Senhor!

Irmãos, Irmãs, rezemos hoje pelos nossos queridos que já morreram; rezemos por todos os fieis que já partiram para o Cristo: que recebam o perdão de seus pecados e entrem na plenitude de Deus. A Sagrada Escritura diz que “é um santo e piedoso pensamento rezar pelos mortos, para que sejam livres de seus pecados” (2Mc 12,46). Que nosso carinho e nossa saudade sejam acompanhados pela nossa piedosa oração, cheia de esperança na ressurreição.

Mas, pensemos também na nossa vida, no destino que estamos dando à nossa existência, pois nosso encontro com o Senhor é preparado no dia-a-dia, nos pequenos momentos de nosso caminho neste mundo. São Bernardo de Claraval afirmava que nossa vida neste mundo é semente de eternidade. Pois bem! Estejamos atentos para viver de tal modo, que nossa vida seja uma amizade com Deus que começa aqui e se consumará na Glória!

Voltemos nosso olhar e nosso pensamento para Cristo, Vencedor da nossa morte. As palavras do Prefácio da missa de hoje são tão consoladoras: Em Cristo“brilhou para nós a esperança da feliz ressurreição. E, aos que a certeza da morte entristece, a promessa da imortalidade consola. Senhor, para os que creem em vós, a vida não é tirada, mas transformada. E, desfeito o nosso corpo mortal, nos é dado nos Céus, um corpo imperecível”. Que o Senhor realize a nossa esperança e que nós vivamos de tal modo, que sejamos dignos dela!

            Descanso eterno dai-lhes, Senhor!
            Da Luz perpétua, o resplendor!
            Que suas almas descansem em paz.
            Assim seja!


A morte: de destino a caminho

Amanhã, nós cristãos, faremos uma pausa nas nossas atividades para reverenciar nossos irmãos falecidos. A Igreja denomina este dia de “Comemoração de todos os fiéis defuntos”.
É um dia no qual nós rezamos principalmente pelos nossos irmãos na fé, os batizados em Cristo que já morreram. Claro que toda a humanidade, não só os cristãos, são objeto da oração e solicitude da Igreja, que é Corpo de Cristo, o Salvador de todos! A Igreja é o Povo sacerdotal e, diariamente, na Santa Missa, recorda não somente os “nossos irmãos que partiram desta vida”, mas também “todos aqueles cuja fé só Vós conheceis”!

O Dia de Finados coloca-nos diante de uma questão fundamental: a questão da morte. Nosso modo de enfrentar a vida depende muito do modo como encaramos a morte, e vice-versa! Atualmente, há quatro modos possíveis de encará-la:

Há aqueles que cinicamente a ignoram. Vivem como se um dia não tivessem que morrer: preocupam-se só com esta vida: comamos e bebamos! Quando vão a um sepultamento, conversam o tempo todo assuntos banais e rasteiros. São pessoas rasas, que nunca pararam de verdade para se perguntar sobre o sentido da vida e, por isso mesmo, não vivem; sobrevivem, apenas! Essas, quando tiverem que enfrentar a própria morte, que vazio, que absurdo encontrarão! É o preço a pagar pelo modo leviano com que viveram a vida! Isto é triste porque quando o homem não pensa na morte, esquece que é finito, passageiro, e, assim, começa a julgar-se deus de si mesmo e tudo que consegue é infernizar sua vida e a dos outros...

Há ainda aqueles que diante da morte se angustiam, apavoram-se até ao desespero. A morte os amedronta: parece-lhes uma insensatez sem fim, pois é a negação de todo desejo de vida, de felicidade e eternidade que cresce no coração do homem. Estes se sentem esmagados pela certeza de um dia ter que encarar, frente a frente, tão fria, tirana e poderosa adversária. Assim, querendo ou não, podem afirmar como Sartre, o filósofo francês: “A vida é uma paixão inútil!”

Há também um terceiro grupo: o dos otimistas ingênuos. Vemo-los nessas seitas esotéricas de inspiração oriental e em todas as doutrinas reencarnacionistas. Afirmam que o mal, a doença, a morte, são apenas ilusão: a meditação, o autocontrole, a purificação contínua, podem libertar o homem de tais ilusões. “A morte não existe. Não há mortos!” – É esta a afirmação existente num monumento ao nascimento do espiritismo moderno. Não há morte para nos agredir; há somente uma desencarnação!

Mas, há o modo tipicamente cristão de encarar a morte. Ela existe sim! E dói, machuca; é uma ameaça real! Não somente existe, como também marca toda a nossa existência: vivemos feridos por ela, em cada dor, em cada doença, em cada derrota, em cada medo, em cada tristeza, até a morte final! Não se pode fazer pouco caso dela: ela nos magoa e nos ameaça; desrespeita-nos e entristece-nos, frustra nossas expectativas sem pedir permissão!
O cristão é realista diante da morte; recorda-se da palavra de Gn 2,17: “De morte morrerás!”Então, os discípulos de Cristo somos pessimistas? Não! Nós simplesmente não nos iludimos: sabemos que a morte é uma realidade e uma realidade que não estava no plano de Deus para nós: não fomos criados para a ela, mas para a vida! Deus não é o autor da morte, não a quer nem se conforma com ela! Por isso mesmo enviou-nos o Seu Filho, Aquele mesmo que disse: “Eu sou a Vida; Eu sou a Ressurreição!”Ele morreu da nossa morte para que nós não morramos sozinhos, mas morramos com Ele e como Ele, que venceu a morte! Para nós, cristãos, a morte, que era como uma caverna escura, sem saída, tornou-se um túnel, cujo final é luminoso. Isto mesmo: Cristo arrombou as portas da morte! Ela tornou-se apenas uma passagem, um caminho para a nossa Páscoa, nossa passagem deste mundo para o Pai: “Ainda que eu passe pelo vale da morte, nenhum mal temerei, porque estás comigo!” Em Cristo a morte pode ser enfrentada e vencida!
Certamente, ela continua dolorosa, ela nos desrespeita; mas se no dia a dia aprendermos a viver unidos a Cristo e a vivenciar as pequenas mortes de cada momento em comunhão com Senhor que venceu a morte, a morte final será um “adormecer em Cristo” que é caminho para o despertar da Glória eterna, da eterna Visão.