sábado, 23 de março de 2019

Retiro Quaresmal - A liberdade para a qual Cristo nos libertou

Meditação XV - sábado da II semana da Quaresma

Reze o Salmo 118/119,113-120
Leia, agora, Gl 3,19-22

1. Estamos vendo como São Paulo procura colocar a Lei de Moisés no interior de algo mais amplo e profundo: a Promessa de Deus, Promessa feita a Abraão de que através da sua Descendência, o Cristo-Isaac, todas as nações da terra seriam abençoadas: esta bênção é a salvação para todos! Promessa que foi cumprida pelo Senhor graças à fé de Abraão, de modo que este foi justificado pela fé! Assim, os que crerem no verdadeiro Isaac, que é Cristo, são justificados pela fé, como Abraão o fora. Nele, toda a humanidade, sejam judeus sejam gentios, encontra a salvação!
Todo este raciocínio pode, à primeira vista, nos fazer pensar que o Apóstolo desqualifica a Lei de Moisés, tornando-a quase que inútil e até mesmo má! Mas, não é esta a sua intenção nem sua doutrina! Como ele poderia considerar má uma realidade que é dom de Deus? Disto ele trata nos versículos que meditaremos agora.

2. “Por que, então, a Lei?” São Paulo medita sobre este tema nas cartas aos Romanos e aos Gálatas. Vejamos o que o santo Apóstolo diz...

a) A Lei fora acrescentada à Promessa. Em si, a Promessa já bastava: Deus daria Cristo à humanidade, a todo aquele que acreditasse Nele e, esses, crendo seriam justificados, seriam salvos no poder do Seu Espírito Santo (cf. Gl 3,14)! Mas, até que o Descendente viesse e a Promessa se cumprisse, Deus, na Sua sábia providência, quis dar a Israel a Torá, a Lei ao Povo do qual nasceria o Cristo. Poderíamos dizer que Israel é o Povo dos descendentes de Abraão do qual viria o Descendente, Cristo, verdadeiro Isaac!
A grande questão é que Paulo e os cristãos não concordam de modo algum com a absolutização da Lei de Moisés que o judaísmo cultivava e cultiva! Aqui, entre judaísmo e cristianismo não há acordo: são duas visões radicalmente diferentes e opostas! Para um cristão, jamais a Lei será o centro da relação com Deus; o centro é Cristo, realizador da Promessa! Qual é, então, o papel da Lei? Por que Deus a quis?

b) O Apóstolo já dissera que a Lei fora dada posteriormente à Promessa: esta foi feita a Abraão; a Lei foi dada a Israel através de Moisés. Então, ela, de modo algum, é importante como a Promessa (cf. Gl 3,17s). No pensamento paulino, a Lei deve ser compreendida dentro da Promessa e em função da Promessa; não como algo absoluto, um valor em si mesmo!

c) De modo surpreendente, São Paulo afirma agora que a Lei “foi acrescentada para que se manifestassem as transgressões” (v.19). Como compreender tal afirmação? A Lei, com suas cláusulas, regula, delimita, distingue e, assim, faz com que o homem veja o pecado, saiba com maior consciência o que é o pecado, o que agrada ou desagrada a Deus (cf. Br 4,4): tudo quanto está em desacordo com a Lei é pecado! Assim, a Lei faz com que se manifeste claramente a Israel as transgressões à vontade do Senhor Deus.
Mais ainda: o homem, conhecendo a Lei, vendo o que é o pecado, e desobedecendo, por malícia ou por fraqueza, acaba por se tornar um transgressor! Assim, a Lei termina por mostrar a visceral fraqueza do homem, sua impotência para agradar a Deus somente com suas forças: a Lei mostra o que é a transgressão e revela que o homem é um transgressor, revela o pecado! Sobre isto, o Apóstolo tem afirmações fortíssimas, que não convém aprofundar agora, mas que podem ser lidas para compreender o seu pensamento: Rm 3,20; 4,15; 5,20; 7,7-13; 1Cor 15,56

d) Deste modo, a Lei termina servindo para fazer com que o homem experimente que não pode sozinho cumprir a vontade de Deus e que necessita da graça de Deus para se salvar, porque ele, sozinho, não passa de um transgressor! Ora, esta graça de que o homem precisa, seja ele judeu ou gentio, é dada precisamente pelo Descendente a todo aquele que crer Nele, que é o prometido a Abraão e à sua descendência formada agora por todos aqueles que crerem, de todas as nações que, assim, se tornarão benditas, conforme a Promessa (cf. Gn 12,3). Assim, a Lei termina fazendo o fiel clamar pelo cumprimento da Promessa, realizada em Cristo!

3. São Paulo utiliza ainda um outro argumento para ilustrar que a Lei é inferior à Promessa. Trata-se de um argumento baseado numa crença muito presente na tradição judaica de que a Lei fora dada no Sinai pelo ministério dos anjos. Leia, por exemplo, At 7,38.53. O Apóstolo usa esta crença para argumentar que a Lei promulgada por anjos é inferior à Promessa feita pelo próprio Deus diretamente (vv. 19s). Assim, os gálatas são insensatos por se apegarem à Lei de Moisés ao invés de fundamentarem sua fé na Promessa do próprio Deus!

4. Há, ainda uma outra questão muito séria para o Apóstolo: a Lei em si, com seus preceitos, dá a norma, indica o caminho, mas não dá a graça, não dá a força para cumprir os mandamentos! Assim sendo, ela mostra o caminho da Vida e, também neste sentido ela é boa e louvável, é Vida para Israel, mas ela mesma, em si, não produz a graça, a força do Espírito que dá Vida divina que nos torna justos diante de Deus! Releia os vv, 21s. Como já vimos, a Lei mostra onde está o pecado, porque mostra o caminho de Deus, mas, em si mesma, não dá a força para evitar o pecado e fazer o bem! Para isto, é necessária a graça de Deus, que nos vem pela fé em Cristo, Descendente de Abraão, fruto da Promessa, doador do Espírito que dá Vida!

5. A conclusão deste raciocínio está no coração da nossa fé cristã: todos – judeus ou gentios – estão debaixo do pecado e todos podem ser salvos somente pela fé em Jesus Cristo, por quem o Senhor Deus cumpriu a Promessa de abençoar toda a humanidade com a salvação, no Dom do Espírito (cf. Rm 3,21s)!

6. Seria muito bom reler a Epístola aos Gálatas do princípio até 3,22.
Leia agora Jr 7,21-24. Aí, se encontra uma situação parecida com esta da relação entre a Promessa e a Lei. No caso de Jeremias, é a relação entre os sacrifícios no Templo e a prática da vontade do Senhor, a escuta da Sua Palavra, contida na Lei e pronunciada pelos profetas de cada geração.
Quando o Senhor Deus entregara a Israel o Decálogo, que é o coração de toda a Lei, não prescrevera ali nada de sacrifícios. Mas, ordenara simplesmente que escutasse a voz do Senhor (cf. Ex 19,5; Dt 5,1). Os sacrifícios cultuais no Templo depois também foram prescritos pelo Senhor Deus, mas somente teriam sentido se fossem expressão do cumprimento amoroso, obediente, cheio de amor fiel aos preceitos do Senhor Deus. No entanto, muitos em Israel – a maioria – parava nos sacrifícios, no culto externo e descuidava do coração da Lei, que era a escuta amorosa e fiel ao Senhor. Era a mesma coisa agora, na questão dos judaizantes: eles paravam na Lei e não compreendiam que a Lei somente tinha sentido em vista da Promessa realizada em Cristo! É sempre o perigo tão nosso de confundir os meios com o fim, o essencial com o acessório, o principal com o periférico!
Pense em você mesmo e no seu modo de viver a. religião e a sua relação com Deus e os irmãos: você trata o essencial como essencial e o menos importante como secundário?

7. Leia também Ap 7,9-10: fruto da Promessa em Cristo é a salvação da multidão humana dos que creem!
Agora reze novamente o Sl 97/98


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