segunda-feira, 30 de março de 2020

Retiro Quaresmal 2020/29 - "Felizes os que se abrigam no Senhor!" (Sl 2,12)

Segunda-feira da V semana da Quaresma
Meditação XXVIII: Uma santidade chamada amor

Reze o Salmo 119/118,41-48
Leia, ainda uma vez, como lectio divina, Tb 12.

1. Continuamos ainda no capítulo 12. Detenhamo-nos agora nos misteriosos vv. 13-14. Releia-os: “Quando tu não hesitaste em te levantares da mesa, deixando a refeição, para ires sepultar um morto, fui enviado para provar tua fé, e Deus enviou-me, ao mesmo tempo, para curar-te a ti e a tua nora Sara!” São palavras desconcertantes, inaceitáveis para a mentalidade atual! No entanto, é Palavra santa, é Palavra sagrada, é Palavra de Deus, é Palavra que revela o misterioso modo de agir de Deus! É pegar ou largar, caminhar com um Deus tão misterioso nos Seus caminhos! O Senhor nos ultrapassa, o Senhor é Santo, o Senhor é incompreensível: Quem pode medir a Sua grandeza? Leia Is 40,12-18.22-31. Reze! 

2. Vamos reler Tb 2,1-10. É de cortar o coração! Tanto sofrimento, tantas lágrimas. Releia a triste oração de Tobit (cf. 3,1-6). A vida não é um faz-de-conta, não é um teatro; os acontecimentos da existência, por vezes, machucam, doem muito. E agora, Rafael revela a Tobit que toda esta dor tremenda, estes dias de solidão, de incerteza, de sofrimento, de tentação de desespero, tudo isto foi não somente permitido, mas foi também desejado, querido pelo Senhor Deus! Tobit fizera o bem, fora fiel ao seu Deus, servira de coração sincero ao seu próximo por amor à Lei do Eterno e o Senhor, agradando-Se desse bem, resolveu prová-lo de modo tão forte, tão duro, como fizera com Jó! Leia Jt 8,12-17.25-27 e Hb 12,5-13.
Temos aqui o tremendo problema, o insuperável mistério, do sofrimento dos inocentes! Claro que esse Deus não é compreensível nem aceitável para o homem atual, que tudo julga e avalia na sua própria medida, nas coordenadas estreitas da sua razão; talvez não o seja nem para você nem para mim... Mas, este é o único Deus verdadeiro! Não há outro! Este é o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo! Ele, que não poupou Tobit, não poupou Jó, não poupou Abraão, também não poupou o Seu próprio Filho! Leia e reze Rm 11,33-36. Deus misterioso, Deus perigoso, este; Deus verdadeiro! Coragem: leia, rezando, Lm 3,1-58.

3. A primeira coisa que é preciso ter sempre presente é que Deus é Santo, isto é, “o Diferente”, “o Para-Além-de-Tudo”, “o que nos ultrapassa totalmente”, “o Absolutamente Outro”. Não podemos compreender totalmente os caminhos do Senhor, não conseguiremos nunca enquadrá-Lo. O Seu agir nos escapa (cf. Sl 139/138,1-12.17s; Jó 23,8-10), a Sua lógica, apesar de não ser ilógica nem irracional, nos ultrapassa de longe (cf. Is 55,8s) É este o sentido da palavra “santo” nas Escrituras! A maior prova dessa santidade desconcertante do Senhor foi o próprio modo surpreendente que Ele escolheu para nos salvar: na loucura da Cruz, que desmoraliza a nossa razão soberba (cf. 1Cor 2,6-8).

4. Daqui surge uma questão seríssima, dolorosa para nós: como confiar num Deus assim? Se Ele é tão misterioso, tão incompreensível, se Sua ação pode nos fazer sofrer, como poderemos, verdadeiramente, abandonar-nos nas Suas mãos? Deus perigoso, este Deus! Sim, muitas vezes na vida podemos ter esta sensação e fazer, direta ou indiretamente, estas perguntas. Mas, atenção: esse Deus misterioso, exatamente no Seu agir misterioso, mostrou-Se próximo, fiel, amoroso, confiável: Ele, por nós, por mim, por você, entregou o Seu Filho Único até a morte e morte de Cruz (cf. Jo 3,16s). Ele não nos precisa provar mais nada! “Conhecemos o amor de Deus por nós e nele acreditamos” (1Jo 4,16) porque vimos o Seu Filho crucificado por nós; mais ainda: vimo-Lo ressuscitado, Vencedor de toda dor, de todo absurdo, de toda morte! Veja que o Deus verdadeiro está longe do deus da teologia da prosperidade, do deus das negociatas, do deusinho domesticado, que se dobra à nossa vontade, que pode ser subornado por nós (Dt 10,17).

5. O sofrimento será sempre um tremendo mistério, sobretudo o sofrimento dos inocentes. Somente a confiança no amor de Deus, na Sua bondade e sabedoria infinita pode acolhê-lo, mesmo sem compreender! Somente em Cristo este mistério pode ser iluminado: Ele, o Inocente, o Justo e Santo, tomou em Seus ombros, acolheu no Seu Coração trespassado, toda dor, todo sofrimento, todo pranto do mundo, de cada criatura, de cada povo, de cada ser humano (cf. Sl 56/55,9s). Leia Is 53,4-12. Aquele que é amigo de Cristo, que Nele se abandona, que vive em comunhão com Ele, imolado e ressuscitado na Eucaristia, ainda que sofra, ainda que não compreenda, sabe entregar-se, abandonar-se, confiar no Senhor, mesmo de noite! Nunca esqueça: crer não é compreender tudo! Crer é entregar-se, abandonar-se, caminhando como se visse o Invisível! Crer é dizer como Jó: “Ainda que Ele me matasse, eu Nele esperaria” (13,15).

6. É por tudo isto que as Escrituras insistem e o Senhor Jesus repete insistentemente que somente o pobre de coração pode acolher o Reino de Deus. Somente o pobre interiormente pode aceitar o Senhor como Ele é, como Ele age, deixando-se guiar por Ele e nas Suas mãos se abandonando. O pobre sabe que não tem direitos adquiridos diante do Senhor e sabe que tudo quanto sai das mãos do Senhor é, no final de tudo, para o nosso bem! Veja o que o próprio Rafael afirma: “Fui enviado para provar tua fé, e Deus enviou-me, ao mesmo tempo, para curar-te a ti e a tua nora Sara!” No desígnio do Eterno, de uma só vez, Rafael vem para ferir e curar, vem ferir e, na própria ferida, vem derramar uma bênção muito mais abundante! Mas, o que Deus concebe, vê e sabe de uma só vez, para nós, é tão misterioso, e se dá no tempo, pouco a pouco... O Eterno vê na perspectiva da eternidade; nós somente vemos parcialmente e pouco a pouco... Vemos embaçado, como num espelho fosco, de superfície irregular. Leia 1Cor 13,12. É necessário, portanto, um coração pobre, de criança confiante no Pai, para caminhar com este Deus. Permita-me dar-lhe dois exemplos que muito me edificaram ao longo de minha vida.

a) Eu era jovem e estava vendo o noticiário sobre uma enorme cheia no Estado do Paraná. Foi no final dos anos 70. A reportagem mostrou uma pobre senhora, realmente desvalida... O seu precário barraco de madeira estava sendo levado pela água torrencial... A velhinha olhava, silenciosa... Era uma cena de cortar o coração. Eu lembro bem... O repórter aproximou-se daquela senhora e disse: “Perdeu tudo, hein, vovó?” Aquela senhora nem olhou para o seu interlocutor... Ergueu os olhos para o Céu, juntou as mãos enrugadas, e disse: “Perdi tudo, graças a Deus!” Eu chorei. Aquela mulher era uma pobre de Deus! Nada nem ninguém poderia nunca quebrar aquela senhora! Nela, Deus reinava livremente; ela não duvidava do Seu amor, ela não colocava condições para Nele crer e O amar! Ela, aquela semianalfabeta, aquela iletrada, poderia repetir como Jó: “Ainda que Ele me matasse, eu Nele esperaria” (13,15).

b) Eu já era Bispo e estava fazendo uma visita pastoral no agreste nordestino. Era pelo ano de 2011. Já há uns três anos, o Nordeste estava sendo castigado pela seca. Seca crudelíssima; das piores. Durou mais de cinco anos. Eu fui visitar uma capela de povoado rural. Encontrei um pequeno proprietário. Disseram-me que ele havia perdido todo o seu gado e sua lavoura... Coisa de dar pena. Naquele povoado todos tinham perdido tudo... Olhei para aquele homem e perguntei-lhe: “E a chuva?” Ele tirou o chapéu, como os sertanejos fazem nessas horas, e olhando rapidamente para o Céu, disse-me: “Quando a Deus for servido, ela virá!” Mais uma vez, como há anos, com aquela mulher paranaense, meus olhos marejaram! Eu estava diante de um pobre de Deus, de um homem que verdadeiramente confiava no Senhor sem pedir explicações nem colocar condições! Esse homem, sem estudo, sem teologia, poderia repetir com Tobit: “Tu és justo, Senhor, e justas são todas as Tuas obras. Todos os Teus caminhos são graça e verdade, e Tu és o Juiz do universo. E agora, Senhor, lembra-Te de mim, olha para mim!” (Tb 3,2-3a).São estes os pobres, como Tobit! São estes que deixam verdadeiramente Deus reinar nos seus corações e nas suas vidas! São estes que imitam o Pobre Jesus, que Se entregou inteiramente nas mãos do Pai e, por isso, recebeu o Nome acima de todo o nome! (cf. Fl 2,5ss)

7. Pense nestas coisas... Olhe a sua vida... Examine a sua fé... Reze o Sl 25/24.


5 comentários:

  1. Esse citação mencionada no Segundo Tópico confere? Jd 8,12-17.25-27 ? Pois o livro de Judas só tem um capítulo...ou seria outro livro!?

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  2. No tópico 5 a citação 53,44-12, começa num versículo maior que o versículo que termina. Pelo que eu entendi, começa no versículo 04 confere?

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  3. A fé é a certeza plena de que Deus, e tão só Ele, sabe de tudo, inclusive de tirar bens imensuráveis de tudo de ruim que possa acontecer, daí permiti-lo. A nós, cabe apenas confiar, sem jamais duvidar! Louvemos o Senhor, sempre!

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  4. A fé é a certeza plena de que Deus, e tão só Ele, sabe de tudo, inclusive de tirar bens imensuráveis de tudo de ruim que possa acontecer, daí permiti-lo. A nós, cabe apenas confiar, sem jamais duvidar! Louvemos o Senhor, sempre!

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  5. Obrigado Dom Henrique... De fato, essas meditações engrandecem de fé e amor as nossas almas...

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