segunda-feira, 23 de março de 2020

Retiro quaresmal 2020/23 - "Felizes aqueles que se abrigam no Senhor!" (Sl 2,12)

Segunda-feira da IV semana da Quaresma
Meditação XXII: Demônios na vida conjugal e familiar

Reze o Salmo 119/118,169-176
Como lectio divina, tome Tb 8-9.

1. Na meditação VI, vimos que o nome Asmodeu significaria “aquele que faz perecer”, na tradição judaica, ele é considerado como inimigo da união conjugal e, na tradição posterior, seja no judaísmo como no cristianismo, tem a ver com tudo quanto se liga à luxúria, sensualidade, infidelidades conjugais, ou seja, tudo quanto deturpe o sentido que o Senhor Deus pensou para a sexualidade, para o amor conjugal e familiar, para a geração da vida no seio do casal humano.
É importante recordar que, para além de seres espirituais pessoais meléficos, a tradição cristã, sobretudo nos antigos padres do deserto, os primitivos monges cristãos, chama “demônios” aos nossos vícios, isto é aos nossos maus hábitos, que nos escravizam, tiranizam e nos afastam da vocação em Cristo, o Homem novo, modelo de todo ser humano (cf. Ef 2,15). É assim que os padres do deserto falavam nos nossos demônios, referindo-se aos nossos vícios, sobretudo aqueles sete principais: o demônio da soberba, o da avareza, o da ira, o da preguiça, o da tristeza ou inveja, o da luxúria e o demônio da gula. Na tradição espiritual cristã, estes sete demônios são os principais, que geram e fortificam muitos outros. Estes são os cabeças (em latim, caput), daí chamados de demônios ou vícios capitais. É necessário identificá-los, chamá-los pelo nome com coragem e combatê-los com determinação, como foi já explicado na meditação anterior: com oração, vigilância, fuga das ocasiões de pecado, prática sacramental frequente, fiel e piedosa...
Aqui, vale a pena um exame de consciência sobre quais são seus demônios mais fortes e dominantes. Em nome de Jesus e com a prática da disciplina e da oração, podemos expulsá-los, pois “foi para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1).

2. Vejamos o caso de Tobias e Sara. O que os fez vencer o demônio Asmodeu? Na versão da Vulgata, a tradução de São Jerônimo, que foi usada largamente durante séculos pela Igreja latina, o texto é mais longo e em Tb 6,16-22 aparecem assim as palavras de Rafael a Tobias: “Então o Anjo lhe disse: ‘Ouve-me, eu te mostrarei quais são aqueles sobre quem o demônio tem poder. São os que se casam com tais disposições, que lançam a Deus fora e si e se entregam à sua paixão, a tal ponto que não têm maior entendimento que o cavalo e o jumento; a esses o demônio vence. Mas tu, quando a tiveres recebido por esposa, viverás com ela em continência durante três dias e não cuidarás de outra coisa senão de fazer oração com ela. Na primeira noite, o demônio será expulso pela fumaça do fígado do peixe. Na segunda noite, serás admitido na sociedade dos santos patriarcas. E na terceira noite conseguirás a bênção, para que vos nasçam filhos sadios. Passada a terceira noite, no temor do Senhor, tomarás a donzela, levado menos pelo instinto do que pelo desejo de ter filhos, a fim de obteres sobre teus filhos a bênção da raça de Abraão”’.
Aqui, aparecem algumas respostas: (i) o amor a Deus, (ii) o desejo sincero de fazer do matrimônio um serviço ao Senhor, colocando o amor conjugal a serviço da geração da vida, (iii) a sexualidade vivida debaixo do senhorio de Deus, Senhor da vida e do amor, (iv) a piedade conjugal. Tudo aquilo que será sintetizado para os cristãos na exortação do Autor da Epístola aos Hebreus: “O matrimônio seja honrado por todos, e o leito conjugal sem mancha; porque Deus julgará os fornicadores e adúlteros” (13,4).

3. Com estas palavras, as Escrituras desejam ensinar que o matrimônio faz parte do plano de Deus e é sagrado. Leia o que Jesus disse em Mt 19,1-9. Se o amor entre um homem e uma mulher envolve atração, sedução, encanto e até paixão, tudo isto é em vista de algo muito mais sublime e profundo: a celebração do amor e a geração da vida. Mas, de que amor estamos falando? Não se trata de pura paixão ou sentimento meio cego e meio meloso! Eis o amor: 1Cor 13,1-8a! Este amor é dom de Deus, derramado no coração dos esposos pelo Santo Espírito que nos foi dado (cf. Rm 5,5) no sacramento do Matrimônio. Aos que se casam “no Senhor” (cf. 1Cor 7,39), é concedido o Espírito Santo de amor para que se amem como Cristo ama a Igreja e a Igreja, com a graça do Santo Espírito, ama a Cristo. Leia Ef 5,21-33. É o amor que faz com que, no matrimônio, um seja submisso ao outro: “Sede submissos uns aos outros no temor de Cristo” (Ef 5,1). Na visão cristã, jamais a vida conjugal é um vale tudo, jamais a sexualidade é uma desenfreada concessão aos instintos, que escraviza, animaliza e transforma o cônjuge em mero objeto de prazer! Toda deturpação na relação de amor entre esposo e esposa - transformada em relação de hipocrisia, de mentira, de paixão cega e de mera concessão aos instintos, sem real compromisso de amor na vida concreta -, é personificada em Asmodeu, um poderoso demônio que mata e torna estéril! Somente o bom odor de Cristo (cf. 2Cor 2,15), exalado por um coração unido ao Senhor, fervente e abrasado no fogo do Espírito, pode exorcizar e aprisionar para sempre este demônio, deixando-nos viver na verdadeira liberdade dos filhos de Deus (cf. Rm 8,21). Nunca esqueçamos que a liberdade cristã jamais consiste em se fazer o que quer ou dar largas aos instintos e paixões, mas em deixar-se conduzir pelo Espírito de Amor, Espírito de Cristo. Veja quais os frutos que o Espírito produz em nós: Gl 5,22-24. O contrário de uma vida aberta e dócil ao Espírito é uma vida fechada em si mesma, como se fôssemos os donos da nossa existência. Trata-se de uma vida na carne. Eis os seus frutos malignos, demoníacos: Gl 5,19-21.
Aqui, é necessário parar e fazer um sério exame de consciência. No caso de já ser casado ou desejar casar-se, pense seriamente no sentido do amor e da sexualidade conjugal... Veja como a vida sexual do casal cristão vai muito além da busca do prazer e da autossatisfação: leia 1Cor 7,3-7. Não é um amor fechado em dois que se procuram e se bastam, mas um amor que se realiza em Deus, abre para Deus e transborda na geração da vida e na abertura aos demais! Observe como numa vida conjugal que não seja regulada pelo amor, Satanás pode tentar pela incontinência, ou seja, pela imoralidade de uma vida sexual afastada dos desígnios do Altíssimo! Pense bem o quanto a sexualidade vivida segundo Cristo é diferente e até contrária à sexualidade como é pensada, difundida e vivida no mundo atual por aqueles que “não conhecem a Deus” (cf. 2Ts 1,8).

4. Penso que vale a pena voltar um pouco às palavras de Azarias a Tobias, segundo a tradução da Vulgata: “Tu, quando a tiveres recebido por esposa, viverás com ela em continência durante três dias e não cuidarás de outra coisa senão de fazer oração com ela. Na primeira noite, o demônio será expulso pela fumaça do fígado do peixe. Na segunda noite, serás admitido na sociedade dos santos patriarcas. E na terceira noite conseguirás a bênção, para que vos nasçam filhos sadios. Passada a terceira noite, no temor do Senhor, tomarás a donzela, levado menos pelo instinto do que pelo desejo de ter filhos, a fim de obteres sobre teus filhos a bênção da raça de Abraão”.
Observe: (1) A vida de oração, isto é, a abertura de coração e vida para Deus expulsa o demônio, pois faz exalar o bom odor de Cristo do braseiro do nosso coração (cf. 2,15). (2) Um matrimônio vivido como oração e serviço de louvor a Deus faz com que o casal abençoado viva verdadeiramente na sociedade dos filhos de Deus em Cristo, que é a Igreja; eles mesmo serão, no seu amor, sacramento do amor entre Cristo e a Igreja (cf. Ef 5,22-32). (3) De um matrimônio assim abençoado e vivido, nascerão filhos sadios sobretudo de alma, de caráter, que serão benditos filhos da Igreja, pelo Batismo e a posterior educação cristã. Eis o ideal para o qual todos os casados no Senhor devem tender! É um caminho; o importante é caminhar sempre mais rumo à meta, que é realizar neste mundo o sonho do Senhor para o amor conjugal e a família dele nascida!

5. Agora veja Tb 8,4-5a. Na noite de núpcias, Tobias e Sara rezam, colocando sua vida conjugal debaixo do senhorio do Eterno, fonte do amor e da vida! Amor e vida são o sentido do matrimônio, nunca esqueçamos isto! Ora, fonte e lastro de todo amor e de toda vida é o Senhor! Feliz o matrimônio dos que verdadeiramente se casam abertos ao Senhor! Feliz o lar que tem como horizonte o Cristo e Seus preceitos!
Agora, leia a oração de Tobias (cf. 8,5b-8/7-10)! Observe: (a) ele bendiz a Deus, certo de ser ouvido na sua oração; (b) veja o que ele diz sobre Adão e Eva, isto é, sobre o homem e a mulher: sua relação é por amor (sustento e amparo um para o outro) e para gerar vida (a raça humana). (c) Também aparece muito bonito a palavra do Gênesis: Deus deseja o matrimônio para o ser humano: ele é santo e agradável aos olhos do Altíssimo (cf. Gn 2,18). (d) Finalmente, no v. 7/9, a ideia de que a mera satisfação sexual não deve ser o único ou o principal objetivo do matrimônio. A comunhão no amor a ser construída durante toda a vida, até a “idade avançada”, e a geração da vida e seu cuidado devem ser a motivação principal da união conjugal.

6. Reflita sobre todas estas coisas e reze, mais uma vez, o Sl 128/127.


2 comentários:

  1. Obrigado por suas reflexões, D. Henrique. Sou pai, e as meditações do livro de Tobias têm me feito perceber como Tobit era consoderado pelos seus irmãos. Isso tem me feito desejar tê-lo como exemplo de pai e esposo. Peço a Deus a graça de me tornar como Tobit. Que Deus abençoe seu ministério e mais uma vez, muito obrigado.

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