Celebramos
hoje a solene Manifestação, a sagrada Epifania do Senhor. Como dizia Santo
Agostinho, “celebramos, recentemente, o
dia em que o Senhor nasceu entre os judeus; celebramos hoje o dia em que foi
adorado pelos pagãos. Naquele dia, os pastores O adoraram; hoje, é a vez dos
magos”. A festa deste dia é nossa, daqueles que não são da raça de Israel
segundo a carne, daqueles que, antes, estavam sem Deus e sem esperança no
mundo! Hoje, o Cristo nosso Deus, apareceu não somente como glória de Israel,
mas também como “luz para iluminar as
nações” (Lc 2,32). Hoje, começou a cumprir-se a promessa feita a nosso pai
Abraão: “Por ti serão benditos todos os
clãs da terra” (Gn 12,3).
Na
segunda leitura desta Solenidade, São Paulo nos fala de um Mistério escondido e
que agora foi revelado: “Os pagãos são
admitidos à mesma herança, são membros do mesmo corpo, são associados à mesma
promessa em Jesus Cristo, por meio do Evangelho”. Eis: com a visita dos magos,
pagãos vindos de longe, é prefigurado o anúncio do Evangelho aos não-judeus,
aos pagãos, aos que desconheciam o Deus de Israel. Ainda Santo Agostinho, tratando
do mistério da festa hodierna, explicava muito bem, referindo-se ao Senhor Jesus:
“Ele é a nossa paz, Ele, que de dois
povos fez um só (cf. Ef 2,14). Já Se revela qual pedra angular, este Recém-nascido
que é anunciado e como tal aparece nos primórdios do nascimento. Começa a unir
em Si dois muros de pontos diversos, ao conduzir os pastores da Judeia e os
Magos do Oriente, a fim de formar em Si mesmo, dos dois, um só homem novo,
estabelecendo a paz. Paz para os que estão longe e paz para os que estão
perto”. É este o sentido da solenidade da santa Epifania do Senhor!
Hoje,
cumpre-se o que o profeta Isaías falara na primeira leitura: “Levanta-te, Jerusalém, acende as luzes,
porque chegou tua luz, apareceu sobre ti a glória do Senhor! Eis que está a
terra envolvida em trevas, e nuvens cobrem os povos; mas sobre ti apareceu o Senhor,
e Sua glória já se manifesta sobre ti! Levanta os olhos ao redor e vê: será uma
inundação de camelos de Madiã e Efa; virão todos os de Sabá, trazendo ouro e
incenso e proclamando a glória do Senhor!”
Mas,
estejamos atentos, porque a festa de hoje esconde um drama: a Jerusalém segundo
a carne não reconheceu o Salvador: “O rei
Herodes ficou perturbado, assim como toda a cidade de Jerusalém”. Ela
conhecia a profecia, mas de nada lhe adiantou, pela dureza de coração. É na
nova Jerusalém, na Igreja que somos nós, na nossa Mãe católica, que esta profecia
de Isaías se cumpre. É a Igreja quem acolherá todos os povos, unidos não pelos
laços da carne, mas pela mesma fé em Cristo e o mesmo batismo no Seu Espírito.
Que
contraste, no Evangelho de hoje! Jerusalém, que conhecia a Palavra, não crê e,
descrendo, não vê a Estrela, não vê a luz do Menino. Os magos, pagãos, porque
têm boa vontade e são humildes, veem a Estrela do Rei, deixam tudo, partem sem
saber para onde iam, deixando-se guiar pela luz do Menino... E, assim, atingem
o Inatingível e, vendo o Menino, reconhecem Nele o Deus perfeito: “ajoelharam-se diante dele e O adoraram”.
Com humildade, oferecem-Lhe o que têm: “Abriram
seus cofres e Lhe ofereceram presentes: ouro, incenso e mirra”: ouro para o
Rei, incenso para o Deus, mirra para o que, feito homem, morrerá e será
sepultado! Os magos creem e encontram o Menino e “sentiram uma alegria muito grande”. Herodes, o tolo, ao invés,
pensa somente em si, no seu título, no seu reino, no seu poder... E tem medo do
Menino! Escravo de si e prisioneiro de suas paixões, quer matar o
Recém-nascido! A Igreja, na sua liturgia, zomba de Herodes e dos herodes, e
canta assim: “Por que, Herodes, temes/
chegar o Rei que é Deus?/ Não rouba aos reis da terra/ Quem reinos dá nos
céus!”. Que bela lição, que mensagem impressionante para nós: quem se deixa
guiar pela luz do Menino, O encontra e é inundado de grande alegria, e volta
por outro caminho. Mas, quem se fecha para esta luz, fica no escuro de suas
paixões, na incerteza confusa de suas próprias certezas, tão ilusórias e precárias
e termina matando e se matando!
Que
nós tenhamos discernimento: não procuremos esta Estrela do Menino nos astros,
nos céus! Não perguntemos sobre ela aos astrônomos, aos cientistas, aos
historiadores. Sobre essa luz, sobre essa Estrela bendita, eles nada sabem,
nada têm a dizer! Procuremo-la dentro de nós: o Menino é a luz que ilumina todo
ser humano que vem a este mundo! No século I, Santo Inácio de Antioquia já
ensinava: “Uma estrela brilhou no céu
mais do que qualquer outra estrela, e todas as outras estrelas, junto com o sol
e a luz, formaram um coro, ao redor da estrela de Cristo, que superava a todas
em esplendor”. É esta luz que devemos buscar, esta luz que devemos seguir,
por esta luz devemos nos deixar iluminar! São Leão Magno, no século V, já pedia
aos cristãos: “Deixa que a luz do Astro
celeste aja sobre os sentidos do teu corpo, mas com todo o amor do coração
recebe dentro de ti a luz que ilumina todo homem vindo a este mundo!”. E,
também no mesmo século V, São Pedro Crisólogo, bispo de Ravena, falava sobre o
mistério deste dia: “Hoje, os magos que
procuravam o Rei resplandecente nas estrelas, O encontram num berço. Hoje os
magos veem claramente, envolvido em panos, Aquele que há muito tempo procuravam
de modo obscuro nos astros. Hoje, contemplam, maravilhados, no presépio, o céu
na terra, a terra no céu, o homem em Deus, Deus no homem e, incluído no corpo
pequenino de uma criança, Aquele que o universo não pode conter. Vendo-O,
proclamam sua fé e não discutem, oferecendo-Lhe místicos presentes. Assim, o
povo pagão, que era o último, tornou-se o primeiro, porque a fé dos magos deu
início à fé de todos os pagãos!”
Quanta
luz, na festa de hoje! E, no entanto, é preciso que compreendamos sem
pessimismo, mas também sem ilusões diabólicas, que este mundo vive em trevas: “Eis que está a terra envolvida em trevas, e
nuvens escuras cobrem os povos...” Que tristeza tão grande, constatar que
as palavras do Profeta ainda hoje são tão verdadeiras – e, talvez, hoje mais
que em épocas passadas... “Mas sobre ti
apareceu o Senhor, e Sua glória já se manifesta sobre ti”. Não são trevas
as tantas trevas da realidade que nos cerca? Não são trevas a violência, a
devassidão, a permissividade, as drogas, a exacerbação da sensualidade? Não são
trevas a injustiça, a corrupção e a impiedade? Não é treva densa o comércio de
religiões, o coquetel de seitas, o uso leviano e interesseiro do Evangelho e do
Nome santo de Jesus? Não é treva medonha a dissolução da família, a
relativização e esquecimento dos valores mais sagrados e da verdade da fé?
Deixemo-nos
guiar pela Estrela do Menino, deixemo-nos iluminar pela Sua luz! Com os magos,
ajoelhemo-nos diante Daquele que nasceu para nós e está nos braços da sempre
Virgem Maria Mãe de Deus: ofereçamos-Lhe nossos dons: não mais mirra, incenso e
ouro, mas a nossa liberdade, a nossa consciência e a nossa decisão de segui-Lo
até o fim. Assim, alegrar-nos-emos com grande alegria e voltaremos ao mundo por
outro caminho, “não em orgias e
bebedeiras, nem em devassidão e libertinagem, nem em rixas e ciúmes. Mas
vesti-vos do Senhor Jesus e não procureis satisfazer os desejos da carne.
Deixemos as obras das trevas e vistamos a armadura da luz” (Rm 13,13.12).
Terminemos
com o pedido que a Igreja fará na oração após a comunhão: “Ó Deus, guiai-nos sempre e por toda parte com a Vossa luz celeste,
para que possamos acolher com fé e viver com amor o mistério de que nos destes
participar!” Amém.
“Ó Deus, guiai-nos sempre e por toda parte com a Vossa luz celeste, para que possamos acolher com fé e viver com amor o mistério de que nos destes participar!” Amém.
ResponderExcluirExcelente, Excelência Reverendíssima! Um abraço desde Lisboa!