domingo, 2 de novembro de 2014

A Comemoração dos fieis defuntos

Hoje, a Igreja recolhe-se em oração pelos seus filhos que já partiram desta vida.

Para os cristãos, não se trata de um simples dia de saudade, mas de oração pelos fiéis de Cristo que já partiram para a Casa do Pai na firme esperança da ressurreição.

Vêm à nossa mente e ao nosso coração tantas perguntas: Que é a morte? Que é a Vida que termina com a morte? O que há após a morte? São interrogações que devemos responder à luz da fé.

Num mundo que já não crê e não tem quase nada a dizer sobre a vida e sobre a morte, a Palavra de Deus nos ilumina: “Irmãos, não queremos que ignoreis o que se refere aos mortos, para não ficardes tristes como os outros, que não têm esperança” (1Ts 4,13).

O cristão não pode encarar a morte como os pagãos; nós temos uma esperança, e ela se chama Jesus Cristo, Aquele que disse “Eu sou a Ressurreição, Eu sou a Vida” (Jo 11,25)!

Recordemos algumas certezas fundamentais da nossa fé:

(1) Deus é Vida, criou tudo para a Vida.
Ele não é o autor da Morte, não entende nada de Morte, não tem parte com a Morte (cf. Sb 1,13-15). Pelo contrário, a morte é a separação do Deus Vivente e Vivificador, como as trevas são a separação da luz do sol. “Deus criou o homem para a incorruptibilidade e o fez imagem de Sua própria natureza; foi por inveja do Diabo que a Morte entrou no mundo: experimentam-na aqueles que lhe pertencem” (Sb 2,23s).

Deus pensou para nós somente o bem e a felicidade com Ele!
O homem, ao fechar-se desde o princípio, para o Deus da vida, desarrumou-se, desaprumou-se e passou a experimentar sua vida como uma morte: desequilíbrio, dor, egoísmo, solidão, medo, doença, falta de sentido e, finalmente, a morte física...

O salário do nosso pecado foi uma situação de morte, de infelicidade, de incoerência e tristeza, que culmina com a morte física. Basta olhar o mundo ao nosso redor!

(2) Isto não significa que, se não tivéssemos pecado, viveríamos aqui para sempre. Deus não nos criou para vivermos aqui indeterminadamente:
“O Senhor tirou o homem da terra e a ela faz voltar novamente. Deu aos homens número preciso de dias e tempo determinado” (Eclo 17,1s). Compreendeis? Deus nos deu um número preciso de dias, um tempo de vida.

Mas, uma coisa é certa: sem o pecado, vivendo na amizade com Deus e na harmonia com os outros e o mundo, nossa morte não teria o gosto amargo de Morte. Se hoje a morte tem um aspecto trágico, é porque está ligada ao pecado, ao nosso afastamento de Deus. Por isso a morte nos mete medo e, muitas vezes, é sentida como uma ameaça de cair no nada.

(3) Mas, Deus não nos abandonou à Morte: Ele nos enviou o Seu Filho, em tudo igual a nós, menos no pecado.
Ele tomou sobre si as nossas dores, viveu nossa vida mortal, de incertezas, de tristezas, de angústias, de morte.
Morrendo de nossa morte, Ele foi ressuscitado pelo Pai na força do Espírito Santo.
Morrendo da nossa morte, Ele nos deu a possibilidade e a graça de morrer como Ele e com Ele ressuscitar da morte: “Eu sou a ressurreição! Quem crê em Mim, ainda que esteja morto viverá!” (Jo 11,25).

Desde o Batismo, unidos a Cristo morto e ressuscitado, alimentados pelo Seu Corpo e Sangue na Eucaristia, sabemos que “nem a morte nem a vida nem criatura alguma nos poderá separar do amor de Cristo” (Rm 8,38s).

Esta é a nossa esperança: vivermos unidos a Cristo já agora e, após a nossa morte, ressuscitar Nele e com Ele, Nele e como Ele!

Como o Senhor foi glorificado no Seu corpo e na Sua alma pela potência do Espírito Santo, assim também nós seremos glorificados: logo após a nossa morte, na nossa alma, nunca mais sentiremos o medo, a tristeza, a dor, o pranto... E, no fim dos tempos, também no nosso corpo mortal seremos glorificados: “semeado corruptível, ressuscitará corpo incorruptível; semeado desprezível, ressuscitará reluzente de glória; semeado na fraqueza, ressuscita cheio de força; semeado psíquico, ressuscita corpo espiritual” (1Cor 15,42-44).

Sermos glorificados significa entrar na plenitude de Cristo, na alegria de Cristo, na eternidade de Cristo! Isto, para nós, é o Paraíso: estar para sempre com o Senhor!

Amados Irmãos, rezemos hoje pelos nossos queridos que já morreram; rezemos por todos os fiéis que já partiram para o Cristo: que recebam o perdão de seus pecados e entrem na plenitude de Deus.

A Sagrada Escritura diz que “é um santo e piedoso pensamento rezar pelos mortos, para que sejam livres de seus pecados” (2Mc 12,46). Que nosso carinho e nossa saudade sejam acompanhados pela nossa piedosa oração, cheia de esperança na ressurreição.

Mas, pensemos também na nossa vida, no destino que estamos dando à nossa existência, pois nosso encontro com o Senhor é preparado no dia-a-dia, nos pequenos momentos de nosso caminho neste mundo.
São Bernardo de Claraval afirmava que nossa vida neste mundo é semente da Eternidade. Pois bem! Estejamos atentos para viver de tal modo, que nossa vida seja uma amizade com Deus que começa aqui e se consumará na Glória!

Voltemos nosso olhar e nosso pensamento para Cristo, Vencedor da nossa Morte. As palavras do Prefácio da missa de hoje são tão consoladoras: Em Cristo “brilhou para nós a esperança da feliz ressurreição. E, aos que a certeza da morte entristece, a promessa da imortalidade consola. Senhor, para os que crêem em Vós, a vida não é tirada, mas transformada. E, desfeito o nosso corpo mortal, nos é dado nos céus, um corpo imperecível”.

Que o Senhor realize a nossa esperança e que nós vivamos de tal modo, que sejamos dignos dela!

Descanso eterno dai-lhes, Senhor!
Da luz perpétua, o resplendor!
Que suas almas descansem em paz.

Assim seja!

Todos os Santificados em Cristo

Hoje, a Igreja volta seu olhar e seu coração para o céu e enche-se de alegria ao contemplar uma multidão que participa da glória e da plenitude do Deus Santo.

A nossa fé nos ensina que somente Deus é Santo. Na Bíblia, "santo" significa, literalmente, "separado". Deus é aquele que é separado, absolutamente diferente de tudo quanto exista no céu e na terra: Ele é único, Ele é absoluto, Ele sozinho se basta, sozinho é pleno, sozinho é infinitamente feliz. Ele é Deus! Por isso, Santo, em sentido absoluto, é somente o Deus uno e trino, Pai, Filho e Espírito Santo.

A Jesus, o Filho eterno feito homem, nós proclamamos em cada missa: "Só Vós sois o Santo"; ao Pai nós dizemos: "Na verdade, ó Pai, Vós sois Santo e fonte de toda santidade"; ao Espírito nós chamamos de Santo.

Mas, a nossa fé também nos ensina que este Deus santo e pleno, dobra-Se carinhosamente sobre a humanidade – sobre cada um de nós - para nos dar a Sua própria Vida, para nos fazer participantes de Sua própria plenitude, Sua própria santidade.

Foi assim que o Pai, cheio de imenso amor, enviou-nos Seu Filho único até nós, e este, morto e ressuscitado, infundiu no mais íntimo de nós e de toda a Igreja o Seu Espírito de santidade.
Eis, quanta misericórdia: Deus, o único Santo, nos santifica pelo Filho no Espírito: "Vede que grande presente de amor o Pai nos deu: sermos chamados filhos de Deus! E nós o somos!"
É isto a santidade para nós: participar da Vida do próprio Deus, sermos separados, consagrados por Ele e para Ele desde o nosso Batismo, para vivermos Sua própria Vida, Vida de filhos no Filho Jesus! É assim que todo cristão é um santificado, um separado para Deus.

Mas, esta santidade que já possuímos deve, contudo, aparecer no nosso modo de viver, nas nossas ações e atitudes. E o modelo de toda santidade é Jesus, o Bem-aventurado. Ele, o Filho, foi totalmente aberto para o Pai no Espírito Santo e, por isso, foi totalmente pobre, totalmente manso, totalmente puro e abandonado a Deus no pranto, na fome de justiça e na misericórdia. Então, ser santo, é ser como Jesus, deixando-se guiar e transformar pelo Seu Espírito santificador em direção ao Pai.

Esta santidade é um processo que dura a vida toda e somente será pleno na Glória. São João nos fala disso na segunda leitura de hoje: "Quando Cristo Se manifestar, seremos semelhantes a Ele, porque O veremos tal como Ele é".

Nesta perspectiva, podemos contemplar a estupenda leitura do Apocalipse que escutamos como primeira leitura. O que se vê aí? Uma multidão. Primeiro, cento e quarenta e quatro mil de todas as tribos de Israel. Isto simboliza Israel, isto é o Novo Israel, a Igreja de Cristo nosso Senhor que caminha neste mundo, que combate pelo Nome de Cristo, que espera a Glória do Céu! Estes 144.000 somos nós, de todos os tempos, os santos da terra!
Recordemos: 12 é o número do Povo de Deus. Pois bem, cento e quarenta e quatro mil equivale a 12 x 12 x 1000, isto é, à totalidade de Israel, à totalidade da Igreja, nossa Mãe católica. Deus não Se cansa nunca de chamar o povo Seus eleitos: Ele deseja que todos sejam salvos pelo sangue de Cristo.

Mas, há ainda mais: "Depois disso, vi uma multidão imensa de gente de todas as nações, tribos, povos e línguas, e que ninguém podia contar. Estavam de pé diante do trono e do Cordeiro".
Essa multidão são todos os povos da terra, chamados por Cristo, na Igreja, para a salvação, para a santificação que Deus nos oferece e, agora, já gloriosos no Céu! Os cento e quarenta e quatro mil da terra tornam-se, no Céu, uma multidão!
Notemos bem: "uma multidão que ninguém podia contar". A salvação é para todos, a santidade não é para um grupinho de eleitos, para uma elite espiritual. Todos são chamados a essa vida divina que Deus quer partilhar conosco, todos são chamados à santidade!

"Trajavam vestes brancas e traziam palmas nas mãos. São os que vieram da grande tribulação e lavaram e alvejaram suas vestes no sangue do Cordeiro". Eis quem são os santos: aqueles que atravessaram as lutas desta vida, as tribulações desta nossa pobre existência, unidos a Cristo; são os que venceram em Cristo – por isso trazem a palma da vitória; são os que não tiveram medo de viver e, se caíram, se erraram, foram, humildemente, lavando e alvejando suas vestes no sangue precioso de Cristo: são santos não com sua própria santidade, mas com a santidade do Cristo-Deus.

Nunca esqueçamos: ninguém é santo com suas forças, ninguém é santo por sua própria santidade: só em Cristo somos santificados, pois somente Cristo derrama sobre nós o Espírito de santidade. O nosso único trabalho é lutar para acolher esse Espírito, deixando-nos guiar por ele e por ele sermos transfigurados em Cristo!

Olhemos para o Céu: lá estão Pedro e Paulo, lá estão os Doze, lá estão os mártires de Cristo, os santos pastores e doutores, lá estão as santas virgens e os santos homens, lá estão tantos e tantos – uns, conhecidos e reconhecidos pela Igreja publicamente, outros, cujo nome somente Deus conhece; lá está a Santíssima e Bem-aventurada sempre Virgem Maria, Mãe e discípula perfeita do Cristo, toda plena do Espírito, toda obediente ao Pai. Eles chegaram lá, eles intercedem por nós, eles são nossos modelos, eles nos esperam.

Num mundo que vive estressado, que corre sem saber para onde... num mundo que já não crê nos verdadeiros valores, porque já não crê em Deus, contemplar hoje todos os santos é recordar para onde vamos e qual é o sentido da nossa vida!

Não tenhamos medo de ser de Deus, não tenhamos medo de testemunhar o Evangelho, não tenhamos medo de alimentar nossa visa com o Cristo, na Sua Palavra e na Sua Eucaristia para sermos inebriados da Vida do próprio Deus.
Infelizmente, muitos hoje têm como heróis os atletas, os atores, os cantores e tantos outros que não têm muito e até nada para ensinar. Quanto a nós, que nossos heróis e modelos sejam os santos e santas de Cristo, que foram heróis porque se venceram e correram para o Cristo! Que eles roguem por nós, pois o que eles foram, nós somos e o que eles são, todos nós somos chamados a ser.


Todos os Santos e Santas de Deus, rogai por nós!

sábado, 25 de outubro de 2014

XXX Domingo Comum: Dois amores, um Amor

Ex 22,20-26
Sl 17
1Ts 1,5c-10
Mt 22,34-40

Aproxima-se o final do Ano Litúrgico, ano da Igreja. Estamos já no trigésimo Domingo comum. Mais três, e encerraremos o ano litúrgico de 2014, com a Solenidade de Cristo-Rei.
O tempo passa, a vida passa, a história passa... Elevemos, pois, o olhar e o coração para Aquele que não passa, Aquele que é o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim da nossa existência, o Cristo, nosso Deus!

No passado Domingo, o Senhor Jesus ordenava: “Dai a Deus o que é de Deus!” De Deus é tudo, ainda que tudo pareça nosso: “Tudo pertence a vós: Paulo, Apolo, Cefas, o mundo, a vida, a morte, as coisas presentes e as futuras. Tudo é vosso; mas vós sois de Cristo e Cristo é de Deus” (1Cor 3,21-23).
Esta é, precisamente, a dificuldade, a miopia ou, mais ainda, a cegueira, o triste pecado do mundo atual: não perceber Deus, não enxergar com a razão, com o afeto, com o coração que Deus é o Tudo, o Substrato, o Sentido da nossa existência. Sem Ele, nada tem sentido perene, nada tem valor duradouro, nada tem valor absoluto; nem a vida humana, que somente pode ser respeitada de modo absoluto quando é compreendida como imagem de Deus.

Pois bem, a Palavra deste Domingo prolonga aquela de oito dias atrás. “Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?”, da Lei de Moisés – perguntam ao Senhor para novamente tentar apanhá-Lo em armadilha. Qual o preceito que, sendo observado, resume a observância de toda Lei?
Jesus responde prontamente: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento!”
Como bom judeu, o Senhor Jesus nada mais faz que retomar o preceito do Antigo Testamento. Amar a Deus!
Amá-Lo significa fazer Dele o tudo da nossa existência, significa viver a vida aberta para Ele, buscando sinceramente a Sua santa vontade.
Amá-Lo é não conceber a vida como algo que é meu em sentido absoluto, mas um dom que recebi de Deus, que em diante de Deus devo viver e a Deus devo, um dia, devolver com frutos.
Amá-Lo é não viver na minha vontade, mas buscando a Sua santa vontade, mesmo que esta não seja o que eu esperaria ou desejaria...
Amá-Lo é sair de mim para encontrar-me Nele!
Engana-se quem pensa que pode amar a Deus deturpando a Palavra de Deus, a vontade de Deus, querendo dobrar Deus à sua própria medida! É o homem quem é medido por Deus, não Deus que deve ser medido pelo homem! É o homem quem deve servir a Deus – e, nesse serviço encontrar a vida -, não Deus que deve servir ao homem!

Mas, para que este amor a Deus não seja algo abstrato, teórico, meramente feito de palavras ou sentimentos superficiais, o Senhor Jesus nos aponta uma medida concreta desse amor. Seguindo ainda a tradição judaica do Antigo Testamento, Ele liga, condiciona o amor a Deus ao amor aos outros, aos próximos, àqueles que a providência divina coloca no nosso caminho: “’Amarás ao teu próximo como a ti mesmo’. Toda a Lei e os profetas dependem desses dois mandamentos”.
Eis, portanto: a medida da verdade do amor a Deus é o amor, a dedicação para com os outros; e não os outros teoricamente, mas os próximos: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo!”
Notemos que aqui Jesus não ensina nada de novo. Este preceito já valia para um bom judeu. Jesus está respondendo a um fariseu, um escriba judeu. Basta recordar como a primeira leitura de hoje, tirada da Torah, da Lei de Moisés, já ligava os dois amores, a Deus e ao próximo. O Senhor, já no Antigo Testamento, deixava claro que estará sempre do lado do nosso próximo, sobretudo se ele for débil e necessitado: “Se clamar por Mim, Eu o ouvirei, porque sou misericordioso.”
Estejamos, portanto, atentos: o amor concreto para com o nosso próximo é a medida do nosso amor a Deus! O Evangelho – como todo o Novo Testamento e a reta e sadia Tradição da Igreja – desconhece uma relação com Deus baseada numa fé sem obras que nasçam do amor. Basta recordar o belíssimo hino ao amor, da Primeira Carta aos Coríntios: “Ainda que eu tivesse toda a fé, a ponto de transportar montanhas, se não tivesse a caridade, eu nada seria” (13,2).
Que ninguém se iluda com um vazio discurso sobre uma fé vã sem as obras que dela nascem e a revelam! A fé sem amor a Deus e ao próximo, aquela fé que gosta de dizer “estou salvo” de se compraz em decretar a condenação dos outros é uma fé inútil, vazia, falsa e morta!

Caríssimos, se o Senhor Jesus respondeu ao escriba fariseu, dizendo que ele deveria amar a Deus e ao próximo como a si mesmo, a nós, seus discípulos, a nós, cristãos, o Salvador nosso aponta um ideal muito mais alto! Ouso afirmar que não basta, de modo algum para um cristão, amar os outros como a si mesmo! Recordai-vos todos que, na véspera de Sua paixão santíssima, quando sentou-Se à Mesa santa conosco, para dar-Se a nós na Eucaristia, como maior dom de amor, o Senhor nosso e Deus nosso, Jesus Cristo, deu-nos, então, o mandamento pleno, completo: “Amai-vos como Eu vos amei!” (Jo 13,34); “Dei-vos o exemplo para que, como Eu vos fiz, também vós o façais” (Jo 13,15).
Agora, às vésperas da cruz, agora, à Mesa da Eucaristia, agora, lavando-nos os pés, dando-Se totalmente a nós, Jesus poderia ser compreendido! Ele é o amor verdadeiro, Ele é a medida e o modelo do amor: “Não há maior prova de amor que dar a vida!” (Jo 15,13) Amai-vos como Eu vos amei!

Eis, caríssimos, como é grande a tarefa que o Senhor nos confia! Quem poderá realizá-la? Onde poderemos conseguir um amor assim? Eu vos digo:
contemplando Jesus na oração,
escutando Jesus na Escritura,
comungando com Jesus na Eucaristia,
procurando Jesus nos irmãos!
É assim que teremos os mesmos sentimentos do Cristo Jesus (cf. Fl 2,5) e viveremos a vida no amor total que Ele, nosso Senhor, teve para com Deus, o Pai e para com os próximos.
Fora disso, toda conversa sobre amor não passa de teoria, de ideologia que de cristã tem pouco ou nada.
Que o Senhor nos conceda, então, por esta Eucaristia, o dom do verdadeiro amor. Amém.


sábado, 4 de outubro de 2014

XXVII Domingo Comum: A Vinha amada

A Palavra de Deus deste XXVII Domingo Comum recorda-nos uma história de amor, misteriosa, triste e destinada a nos fazer pensar... É a história do Povo de Israel. Não sua história simplesmente na forma de crônica, de rosário de fatos, um após o outro, no correr do tempo. Aqui a história é apresentada em forma de parábola, uma parábola do amor de Deus, o Amado, por Sua vinha; uma parábola de decepção, de vinhateiros assassinos, de um Filho querido jogado fora da vinha...

Na primeira leitura, de Isaías, Deus Se queixa de Sua vinha pela boca de Seu profeta: “Um amigo meu plantou videiras escolhidas... esperava que ela produzisse uvas boas, mas produziu uvas selvagens”. Eis a história de Israel, a vinha amada: o Senhor plantou Seu povo: esperou bons frutos, mas vieram frutos azedos: “A vinha do Senhor dos exércitos é a casa de Israel, e o povo de Judá é Sua amada plantação; Eu esperava deles frutos de justiça – e eis a injustiça; esperava obras de bondade – e eis a iniquidade”.
Ante tal infidelidade, o Senhor diz pelo profeta: “Vou desmanchar a cerca, e ela será devastada, vou derrubar o muro, e ela será pisoteada. Vou deixá-la inculta e selvagem...” Eis o triste resumo da história do Povo de Deus da antiga aliança. Tão amado, tão preferido, Israel não foi fiel à aliança, Israel não deu os frutos de amor, de sensibilidade para com seu Deus, de total dedicação a ele que o Senhor esperava.

Caríssimos, essa atitude do primeiro povo chegou ao extremo na atitude dos chefes judeus da época de Jesus: misteriosamente, eles rejeitaram Jesus, expulsaram-No da vinha de Deus e mataram-No.
O fato é que Israel foi se fechando para aliança com o seu Deus e, quando o Messias veio, o Povo amado não teve a capacidade para reconhecê-Lo e acolhê-Lo...
Recordemos como Jesus fala de Seu próprio destino na parábola de hoje: o proprietário que planta a vinha é o Pai do céu, a vinha amada é a casa de Israel – essa vinha que, já vimos, deu frutos azedos, azedos até o vinagre da cruz; os vinhateiros são os chefes do povo, aos quais Deus confiou Sua vinha; o Senhor enviou Seus empregados para receber os frutos: são os profetas e todos aqueles que advertiram o povo de Deus para que se convertesse. Os vinhateiros espancaram e mataram esses enviados. O Pai, então, enviou o Filho, o Amado, o Herdeiro. “Vinde, vamos matá-Lo!” – eis a terrível palavra dos vinhateiros, a sentença dos chefes judeus! E tomam o Filho amado, expulsam-No como um maldito e matam-No! Diante disso, a conclusão do Evangelho é tremenda, é misteriosa: a vinha será tirada e dada a outros. A eleição de Israel passará para um novo Povo, para a Igreja; Jesus, a pedra rejeitada, será a pedra angular de uma nova construção – o Novo Povo de Deus, a Igreja do Novo Testamento, nascida do Seu sangue.

Que história impressionante: um povo tão amado, um povo singular. Um povo de santos... e que perdeu a oportunidade de reconhecer e acolher o Messias tão esperado e tão desejado! Um povo que deveria ser ministro da salvação de toda a humanidade e não soube compreender sua missão...
Ao mesmo tempo, nosso misterioso nascimento: somos a Igreja, resto de Israel, do qual Deus fez, em Cristo, um Novo Povo, para testemunhar o Senhor e levar Seu Nome aos confins da terra. Somos um povo, caríssimos: mais que brasileiros, somos Igreja; mais que tudo, somos o Povo de Deus da Nova Aliança, somos a vinha do Senhor, enxertada no verdadeiro tronco, que é Jesus, a verdadeira videira! Sem merecer, por graça de Deus, eis o que somos!

Irmãos, a Escritura nos diz que todas essas coisas aconteceram para nos servir de exemplo (cf. 1Cor 10,6)... Não somos melhores que os judeus, não devemos desprezá-los nem condená-los!
É verdade que jamais a aliança passará para um terceiro povo, jamais a Igreja perderá sua condição de Novo Povo de Deus. Compreendamos: a verdadeira vinha nova é o próprio Cristo: "Eu sou a verdadeira videira e Meu Pai é o agricultor" (Jo 15,1).
Vinha bendita, verdadeira cepa da antiga vinha, Israel! Jesus é a videira, nós, os ramos: "Eu sou a videira e vós os ramos" (Jo 15,5). Ele é o tronco bendito e nós, Sua Igreja, os ramos que não se podem separar Dele! É por isso que jamais essa Igreja, nova vinha unida ao tronco, poderá perder a condição de videira escolhida, amada e eleita.

Mas, atenção: os ramos, individualmente, podem ser arrancados: "Todo ramo que em Mim não produz fruto o Pai corta" (Jo 15,2). Eis, meus caros: devemos, sim, perguntar pela nossa fidelidade a Deus que, em Jesus, nos fez ramos da Sua nova vinha! Que frutos, caríssimos, estamos dando? Uvas doces? Uvas azedas? Uvas nenhumas? Quais são nossos frutos? São nossas obras, são nossas atitudes, é nosso modo de viver?
O Senhor espera de nós uma vida segundo a Sua vontade, segundo aquilo que o Senhor Jesus nos mostrou e viveu; o Senhor espera de nós um testemunho de amor profundo a Ele, para que o mundo descubra e corresponda ao Seu amor! Na segunda leitura deste hoje, o Apóstolo nos exorta: "Irmãos, ocupai-vos com tudo o que é verdadeiro, respeitável, justo, puro, amável, honroso, tudo o que é virtude ou de qualquer modo mereça louvor. Praticai o que aprendestes e recebestes. Assim o Deus da paz estará convosco". Eis aqui um belo programa de frutos dados por um ramo enxertado em Cristo!

Igreja de Deus, aqui reunida para a Eucaristia, és a vinha amada do Senhor! Vinha por vezes ameaçada de devastação, seja pela perseguição do mundo que não crê, seja pelos seus próprios pecados, que azedam os frutos que deveriam ser doces! Converte-te, Igreja de Deus em Cristo; convertei-vos, Irmãos! Convertamo-nos e demos frutos em nossa vida!

Quanto a vós, Senhor Deus, Senhor da vinha, “Voltai-vos para nós, Deus do universo! Olhai dos altos céus e observai! Visitai a vossa vinha e protegei-a! Foi a vossa mão direita que a plantou; protegei-a, e ao Rebento que firmastes!” Olhai, Pai Santo, a face do vosso Filho Jesus, morto e ressuscitado, que oferecemos em sacrifício eucarístico: tende piedade de nós; dai-nos força, vida e paz! Amém.