segunda-feira, 15 de junho de 2020

A Eucaristia - XIV

No presente texto, ainda sobre a Eucaristia, retomemos a noção da presença real do Cristo morto e ressuscitado no Pão e no Vinho consagrados. Tendo em mente o Mistério eucarístico, São Paulo pergunta: “O cálice de bênção que abençoamos, não é comunhão com o Sangue de Cristo? O pão que partimos, não é comunhão com o Corpo de Cristo?” (1Cor 10,16) Tais afirmações, em forma de perguntas e, à primeira vista, tão simples, têm uma força e significação enormes.

Na Escritura Sagrada, o “sangue” não é simplesmente uma realidade material, o líquido vermelho que circula em nossas artérias, mas sobretudo a vida e, muitas vezes, a vida tirada violentamente. Dar o sangue quer dizer dar a vida, vida sofrida, violentada, arrancada de modo cruel; seria, como na nossa cultura, dizer “derramei meu suor”, “suei minha camisa”. “Sangue de Cristo” significa, portanto, a vida de Jesus, nosso Senhor, dada em sacrifício, tirada de modo violento; a vida que Ele entregou por nós.
“Corpo”, por sua vez, não significa primeiramente os músculos nossos, o corpo simplesmente no seu aspecto somático, mas sim o homem todo, a pessoa toda, na sua situação de criatura limitada, frágil, mortal. Assim, “Corpo de Cristo” significa a natureza humana que o Filho de Deus assumiu por nós de Maria, a Virgem: “O Verbo Se fez carne” (Jo 1,14), quer, então, dizer, fez-Se homem, fez-Se realmente humano, com um corpo humano e uma alma humana, com inteligência, vontade, consciência, afeto, sentimento e liberdade humanas, sonhos e finitude próprios dos filhos de Adão. Deste modo, quando o Cristo Jesus fala em dar o Seu Corpo significa dar-Se todo, dar toda Sua vida humana: Seus sonhos, cansaços, desilusões, sofrimentos. Dar tudo quanto Ele, o Filho divino feito verdadeiramente homem, é e viveu! Foi assim que o Senhor nosso Jesus Se nos deu: em todo o Seu ser, sem reservas; doou-nos Sua vida e Sua morte!

Pois bem, São Paulo afirma que o pão que partimos é comunhão com o Corpo do Senhor. Palavra estupenda! Comungar na Eucaristia significa entrar numa comunhão misteriosa e real com a Pessoa mesma de Jesus Cristo; mas não uma pessoa desencarnada: é entrar em comunhão com tudo quanto Ele viveu, experimentou em Sua existência humana; é ter comunhão com os ideais do Cristo Jesus, com o modo de viver e agir de Jesus, nosso Senhor, com as opções, esperanças e angústias de Jesus, com o sofrimento de Jesus, com a Morte e Sepultura de Jesus, com a Ressurreição e Glorificação de Jesus! Comungar daquele pão é comungar com Jesus Cristo na totalidade da Sua existência, é colocá-Lo na nossa existência, não mais viver por nós mesmos, sozinhos conosco, do nosso modo, mas viver nossa vida na vida do Senhor Jesus, que por nós morreu e ressuscitou (cf. 2Cor 5,15)! E o cálice, o Apóstolo diz que é comunhão no Sangue de Cristo; quer dizer comunhão na Sua entrega, na Sua Morte, morrida por nós! Participar do cálice do Senhor é estar dispostos a beber o cálice com Ele, a ser batizados no batismo de Morte no qual Ele foi batizado (cf. Mc 10,38)! Portanto, participar do pão e do vinho eucarísticos é entrar em comunhão de vida e morte com o Senhor, é “com-viver” com Cristo, é conhecê-Lo, conhecer o poder de Sua Ressurreição e a participação nos Seus sofrimentos, “com-formando-nos” com Ele na Sua Morte para alcançar a Sua Ressurreição dentre os mortos (cf. Fl 3,10).

Esta é a experiência central da vida cristã: viver nesta comunhão plena de vida e morte com o Senhor! E aqui, precisamente, cabem alguns urgentes questionamentos. Os cristãos têm consciência desta realidade? Individualmente e como Igreja, temos presente esta nossa misteriosa e estupenda vocação, que é trazer em nosso corpo a agonia do Cristo Jesus, a fim de que a vida de Jesus seja também manifestada em nosso corpo (cf. Fl 4,10)? Como os cristãos se comportam diante dos desafios da vida pessoal e comunitária? Estão os cristãos dispostos a viver para o Senhor ou somente para si mesmos, segundo a lógica do mundo contemporâneo? Nosso modo de viver a fé em Cristo onde levamos a existência diária tem levado a esta comunhão existencial com o Cristo no mistério da Sua vida, Morte e Ressurreição? Notemos que o que está em jogo aqui é a própria identidade do cristianismo! Sem esta consciência não há, de fato, uma vida cristã! Ser cristão não é primeiramente aderir a doutrinas ou a uma moral mas, antes de tudo, entrar em comunhão com Alguém, com o Senhor Jesus. Pode-se, então, compreender aquelas palavras de fogo do Bispo de Antioquia, Santo Inácio, que no século I, ao dirigir-se para o martírio, no qual seria devorado pelas feras, exclamava: “Coisa alguma visível ou invisível me impeça de encontrar Jesus Cristo. Maravilhoso é, para mim, morrer por Jesus Cristo. A Ele é que procuro, Ele que morreu por nós; quero Aquele que ressuscitou por nossa causa. Permiti que eu seja imitador do sofrimento do meu Deus! Meu amor está crucificado! Quero o pão de Deus que é a Carne de Jesus Cristo, da descendência de Davi, e como bebida quero o Sangue Dele, que é amor incorruptível. Sou trigo de Deus e sou moído pelos dentes das feras, para encontrar-me como pão puro de Cristo. Quando lá chegar serei homem!” Palavras estonteantes! Inácio de Antioquia compreendera o que significava celebrar a Eucaristia, participar do Corpo e Sangue do Senhor! Quem dera nós também o compreendamos!

Nossas Eucaristias sejam realmente a celebração desta comunhão de vida, sonho, agir, morte e ressurreição com o Cristo, cujo corpo e sangue comungamos. É disto que o mundo tanto precisa; é isto que o mundo espera, mesmo sem o saber: o nosso testemunho de comunhão com o Salvador! Só assim tem realmente sentido proclamar nossa fé na presença real e amante do Senhor no Pão e no Vinho eucarísticos.


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