Sexta-feira da I semana da Quaresma
Meditação VIII: Derramar a alma diante do Senhor
Reze o Salmo 119/118,57-64
Como lectio divina, releia Tb 3,1-6.11-17.
1. “Com a alma desolada, suspirando e chorando, comecei esta prece de lamentação: ‘Tu és justo, Senhor!’” (v.1s); “Estendendo as mãos para a janela, orou assim: ‘Bendito sejas Tu, Deus de misericórdia!’” (v.11) O verdadeiro crente, reza em todas as ocasiões da vida, como diz o Apóstolo: “Orai sem cessar” (1Ts 5,17). Mas, o que é rezar? Santa Teresa deu uma definição que se tornou clássica: "Rezar é tratar de amor com Quem sabemos que nos ama". Sim, é verdade. Mas, biblicamente, a oração é bem mais que isso. Não se trata primeiramente de conversar com Deus, mas de colocar-se diante Dele, caminhar na Sua presença, aberto para Ele em toda a nossa existência. Na oração, o sujeito é primeiramente Deus, e não nós mesmos. É Ele quem fala, quem fala ao Seu Povo, quem me fala; é Ele quem toma a iniciativa: “Ouve, Meu Povo, Eu te conjuro; oxalá Me ouvisses, Israel! (Sl 81/80,9). Rezar é, antes de tudo, uma atitude de abertura e escuta diante do Senhor que vai falar: “O primeiro mandamento é: Ouve, ó Israel...” (Mc 12,29). A oração só começa e somente é possível quando nos colocamos nesta atitude de total disponibilidade ante o Senhor, na obediência e no reconhecimento de que Ele é o Senhor: “Quero ouvir o que o Senhor irá falar...” (Sl 85/84,9); “Ah! Se Meu povo Me escutasse, se Israel andasse sempre em Meus caminhos... (Sl 81/80,14).
Reza de verdade quem de verdade não fala primeiro ao Senhor, mas primeiro se dispõe a escutá-Lo: “Fala, Senhor, que Teu servo escuta” (1Sm 3,10). A primeira súplica de quem deseja rezar de verdade é esta: Senhor, “dá a Teu servo um coração que escuta” (1Rs 3,9).
2. Mas, onde se pode escutar o Senhor falar? Olhe bem! Pode ser que pensando escutá-Lo, só escutemos a nós mesmos, aos nossos caprichos, ao nosso próprio coração. Como escutá-Lo de verdade? Primeira e fundamentalmente, na Sagrada Escritura, lida-escutada num espírito de oração, de disponibilidade, de gratuidade. Nunca deveríamos ler-escutar a Palavra de Deus simplesmente para encontrar respostas práticas e imediatas. Ela deve ser frequentada gratuitamente, sem outra pretensão que não aquela de um coração que deseja ouvir o seu Amado, Aquele que o enche de vida, paz e serena alegria: “Os preceitos do Senhor são retos, alegram o coração; o mandamento do Senhor é claro, ilumina os olhos. Suas palavras são mais doces que o mel escorrendo dos favos" (Sl 18/19,9-10.11b). Ler-ouvir a Escritura é ouvir o Coração de Deus; por isso ela deve ser lida com um espírito de fé e amor, um espírito de total confiança e disponibilidade em relação ao Senhor. A primeiríssima atitude de quem reza não é falar - e muito menos tagarelar diante de Deus: é escutar! Leia Mt 6,7-8 e Lc 10,38-42.
Esta frequência à Palavra, esta escuta amorosa e fiel do Coração de Deus, vai nos fazendo conhecer e admirar tudo quanto Ele fez, o que Ele falou, a Sua fidelidade, o Seu amor, o Seu modo de tratar o Seu Povo, o excesso da Sua misericórdia ao nos enviar o Filho Jesus e nos divinizar com o Espírito Santo, fazendo-nos verdadeiramente participantes da Sua Vida divina. Assim, o fiel vai conhecendo o Coração de Deus, vai se encantando com o Senhor a aprendendo a Nele confiar e a Ele se abandonar. A escuta vai nos fazendo amigos de Deus, homens e mulheres de Deus, que começam a sentir o Seu Coração divino e a compreender os modos do Senhor. Esta escuta perseverante e fiel da Escritura, irá ensinando a escutar o apelo de Deus, Seu desígnio para nós, na palavra de Igreja, nos acontecimentos da vida, nos apelos dos irmãos e em tudo que nos aconteça. Aí sim: tudo irá se tornando uma palavra do Senhor para nós. Mas, estejamos atentos: somente a partir da Palavra em sentido estrito, que é a Escritura Sagrada, aprenderemos a discernir as palavras de Deus nas outras realidades da vida. Sem partirmos da Escritura, escutaremos nas outras ocasiões somente a nós mesmos e nossos caprichos. Reze o Sl 119/118,105-112
3. A atitude de escuta suscita no nosso coração uma resposta, cheia de confiança, admiração e amor, que brota do mais profundo de nós. Então, cantaremos, agradeceremos, louvaremos, intercederemos, pediremos ou, simplesmente, choraremos: "Eu derramo minha alma perante o Senhor" (1Sm 1,15b), como disse Ana, a mãe de Samuel. Agora sim: a escuta provocou a resposta; resposta dócil, obediente, amorosa, adorante, admirada! Então, estabelecer-se-á o diálogo que é fecundo, que não é tagarelice, que é "tratar de amor com quem sabemos que nos ama". Deus falou e nós respondemos com a palavra, com o afeto, com o louvor, com as lágrimas, com o silêncio contemplativo, com a vida.
4. Cuidado! Muitos pensam na oração como uma arte para conseguir de Deus aquilo que queremos. Trata-se de uma visão pobre e enganada da oração. Nós viemos de Deus, por Ele e para Ele fomos criados e em tudo dependemos Dele. Ele é nossa realização, nossa plenitude, a saciedade do nosso coração. Somente abertos para Ele, vivendo em comunhão com Ele, seremos felizes. Mas, temos enorme dificuldade em perceber isso, em viver essa realidade. Nossa tendência é viver a vida centrados em nós mesmos, como se fôssemos o umbigo do mundo e o centro do universo: julgamos tudo a partir de nós mesmos, analisamos tudo segundo nossos interesses e perspectivas, colocamos nossa segurança e nossa apoio em tantas coisas, em projetos, em pessoas, em situações que julgamos importantes para nós; procuramos ancorar nossa existência em realidades tão passageiras e temos a ilusão de sermos autossuficientes, de pensarmos que a vida é nossa de um modo absoluto. Ora, viver assim é viver inautenticamente, é viver uma ilusão: a ilusão de ser Deus! E todos nós temos esta tendência de absolutizar o que é relativo e relativizar o que é absoluto. É nossa primeira tentação: “Sereis como deuses, conhecedores do bem e do mal” (Gn 3,5)... Pois bem, a oração tem o efeito de nos colocar continuamente diante de Deus, único Absoluto. Quando rezamos, vamos deixando que Deus vá Se tornando, de fato, Alguém, na nossa existência; não uma ideia, mas uma Pessoa; não algo, mas Alguém! Vamos, aos poucos, aprendendo a ver-nos e ver o mundo à luz de Deus; na luz Dele, vamos começando de verdade a ver a luz. Deus vai Se tornando o centro da nossa vida e vamos, pouco a pouco, nos relativizando a Deus e colocando tudo em relação a Ele e em função Dele. A oração, portanto, tira-nos do centro e nos faz perceber que Deus é o verdadeiro centro e que nós somos relativos, relativos a Ele. A oração ensina-nos a colocar Deus no lugar de Deus, nos faz deixar que Deus seja Deus de verdade em nós e para nós. Vamos percebendo com todo o nosso ser, que nossa existência dependem Dele e somente Nele seremos nós mesmos porque seremos aquilo para que fomos criados. Deixando que Deus seja o centro, ficamos livres do enorme peso que nos tornamos para nós mesmos, com nosso instinto desarrumado de autoafirmação compulsiva. Pensemos no nosso terrível fardo: a tendência de nos afirmar diante dos outros em tudo: na vida afetiva, profissional, social, econômica... A tendência de controlar nosso destino e o dos outros... É um verdadeiro inferno! A oração nos liberta disso tudo e nos amadurece. O verdadeiro orante sabe que sua vida está nas mãos de Deus e tem valor porque é valiosa aos olhos do Altíssimo. O orante não é um tolo passivo e alienado, mas alguém que sabe que o Senhor Deus tem um projeto para sua vida e para a vida do mundo e, assim, constrói responsavelmente sua existência e procura melhorar a realidade à sua volta, mas sem estresse, sem aquela tensão de quem não vê senão a disputa que é a vida, com a concorrência, os acasos e a competição louca do cada um por si. Quem reza, compreende que, para além de tudo, há Alguém amoroso, providente, justo que é parceiro no nosso caminho. É interessante, mas o verdadeiro amigo de Deus, ao mesmo tempo em que se relativiza, percebe o seu valor diante de Deus, sente-se amado, aconteça o que acontecer e, assim, encontra forças para enfrentar os desafios da vida e vencê-los. Agora, pense um pouco: Como anda a sua vida de oração? Como você compreende a realidade da oração e sua necessidade e sentido? Releia este número 4 da meditação.
5. Vamos adiante! Note que a oração não tem como finalidade primeira conseguir de Deus as coisas, mas nos fazer perceber a verdadeira realidade: quem é Deus e quem somos nós, como aquela doce e famosa pergunta orante de São Francisco de Assis: “Senhor, quem és Tu e quem sou eu? Tu és o meu Tudo; eu sou o Teu nada!”. Assim fazendo, faz-nos viver uma existência autêntica e feliz. Somente a oração nos faz compreender o verdadeiro sentido de todas as coisas, porque começamos a ver da perspectiva de Deus e não da nossa própria. Sem ela, confundiremos Deus conosco mesmos, Sua vontade com a nossa. Sem rezarmos, perderemos de vista o sentido do que nos acontece, exaltando-nos de modo bobo quando as coisas nos ocorrem favoravelmente e nos prostrando de modo infantil quando um desastre atinge nossa vida. Portanto, não há modo de viver de verdade como crente, de ser alguém aberto para o Transcendente, sem a capacidade de rezar. Se pensarmos que o cristianismo não é uma ideologia, uma teoria sobre Deus, mas uma relação viva e dinâmica com Ele, então poderemos perceber que de modo algum se pode ser cristão sem o exercício contínuo e perseverante da oração. Por isso, os místicos e sábios cristãos sempre advertiram que ninguém nos mostre outro caminho para Deus que não a oração. Sem ela, todo o resto cai por terra na nossa relação com o Senhor. Nem uma boa ação que fizéssemos, nem a maior obra de caridade que executássemos seriam realmente por amor a Deus fora do terreno da oração. Poderíamos, sem rezar, fazer, no máximo, obras de filantropia, como os clubes de serviço ou obras motivadas por uma ideologia, como os partidos políticos e as ONGs, mas nunca obras realmente cristãs.
6. Leia e medite Cl 3,16-17; 1Ts 5,16-28. Reze o Sl 137/138
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