“Toda sabedoria vem do Senhor Deus. Ela esteve e está sempre com Ele. Ele a concede àqueles que O temem” (Eclo 1,1.10). Estas palavras tão simples da Sagrada Escritura, no Livro do Eclesiástico, dão o que pensar. São tão simples que, de modo ligeiro, damos por descontadas e, no entanto, se o homem realmente lhes desse atenção, o mundo seria totalmente diferente.
Que é a sabedoria? É o viver bem, viver de modo reto, dando um sentido verdadeiro, não ilusório e falso, à existência. O sábio é aquele que descobriu o sentido da vida e procura viver conforme esse sentido. Pois bem, o Autor Sagrado afirma que toda sabedoria vem do Senhor, porque somente à Sua luz se descortina o que somos verdadeiramente.
Não somos donos de nós mesmos, não nos criamos, não somos patrões de nossa vida de modo absoluto, não somos a nossa própria medida. Então, o primeiro passo para uma vida realmente sábia é reconhecer isso: a vida foi-me dada; não a fabriquei! Recebi-a como um dom vindo de um Outro, que me ultrapassa, antecede-me e me é posterior.
Quando, realmente, temos esta percepção, muda o nosso modo de viver nossos dias, de tomar nossas decisões, pois deixamos de nos pensar como o centro e passamos a viver abertos Àquele Outro, de quem recebemos a existência. Ele, sim, é o centro, o eixo, o critério. Viver abertos para Ele é viver de verdade, viver segundo aquilo que somos e devemos ser; fechar-se para Ele é viver na ilusão de que somos nosso próprio fim, nossa própria referência. É, então, viver numa mentira ou, o que é pior, cair no desespero cínico de não ter referência alguma e ter fim nenhum na vida!
A raiz da sabedoria é, pois, abrir-se para o Absoluto, para o Senhor e reconhecê-Lo concretamente na existência. Não há como escapar disso. O homem tem sede de Deus, é um mendigo do Eterno, do Absoluto! Precisamente a negação dessa busca de Deus é que provoca o stress existencial no qual nossa sociedade está metida. Pensemos bem! Temos tudo em tecnologia, informação, acesso a bens de consumo; quebramos todos os tabus, violamos todas as normas, jogamos no chão quase todos os valores, relativizamos todos os dogmas, esvaziamos a Palavra santa de Deus e, no entanto, nosso mundo é um mundo desencantado, um mundo que já não crê realmente em valores perenes e universais nem na existência de um Valor, um Sentido, que dê real sentido à aventura da existência. No fundo, mesmo os poucos valores que estão na moda (a preservação da natureza, a salvaguarda da vida segundo o politicamente correto, os direitos das minorias, etc), na prática são manipulados segundo a ocasião; não são valores absolutos, mas de conveniência, feita de bandeiras idológicas. Os países ricos continuam destruindo a natureza, a vida humana mais frágil, como a do embrião e a dos pobres, é pisada e destruída, e os direitos das minorias são manipulados muitas vezes com intenções escusas de simples panfletagem e jogo de politicamente correto... As certezas são muitas vezes vistas com desconfiança, sobretudo quando são certezas brotadas da fé. É o atávico relativismo da nossa época! Não se trata tanto de um relativismo teórico, filosófico, quanto de um relativismo prático, por falta de referência a um Absoluto e fadiga de valores.
Sem a sabedoria que abre para Deus e Nele encontra sua raiz, a existência aparece como fragmentada, sem muito sentido. Por mais belos que vejamos o mundo e a vida, a verdade é que a realidade apresenta pontos negros, que nos desafiam e parecem absurdos. Há, então, a tentação de não mais se procurar nem querer encontrar um sentido que preencha e dê harmonia a toda a realidade. Contentamo-nos com migalhas de sentido, de felicidade, de vida... E – que ninguém se iluda – o homem sem uma abertura para Deus não encontrará um alicerce firme, seguro, no qual construir a casa da sua existência e a construção de um sentido. Neste mundo, na nossa realidade, não há como encontrar o Sentido que a tudo preenche de sentido, a não ser que nos se abram a mente e o coração para um Transcendente, um Sentido último, que está para além deste mundo e a este mundo envolve com amor providente! Um Sentido do qual vimos e para o qual vamos, o nosso Donde e nosso Aonde!
As consequências desse vazio, desse oco existencial estão aí: violência, incapacidade de renunciar por um ideal, incapacidade de apostar a vida em valores, incapacidade de renunciar a migalhas de desejos e impulsos para sermos fieis aos ideais aos quais nos propomos e até mesmo, em alguns mundanos setores da Igreja, a indolência de uma fé morna, mole, que não alavanca realmente a existência e não serve para nada mais além de fugaz e ilusório verniz... Mas, não só. A própria indiferença pelo sofrimento alheio, o conformismo com as situações de opressão, dor e injustiça generalizada... Tudo isso revela uma descrença de fundo num Sentido absoluto, transcendente, para a existência humana. Para não irmos muito longe, pensemos em tantos dos nossos dirigentes brasileiros, pensemos nos nossos políticos... Como não se propõe nada, como não se tem um verdadeiro projeto, como não se tem um sonho, uma mística que inspire o agir... É que, quando falta o Sentido, contentamo-nos com as migalhas do provisório, do arrumar a vida privada a qualquer custo, mesmo às expensas dos outros... O mesmo vale para o modo como se vive hoje as relações afetivas no sexo e na família. Não se sacrifica nada, não se renuncia a nada, porque “eu tenho o direito de ser feliz”... Com um projeto de vida assim, é impossível viver!
Recordo a constatação da adolescente Teresinha do Menino Jesus: “Quando me esqueci de mim, fui feliz!” Temos tudo quanto queremos, fazemos tudo quanto desejamos, transgredimos todos os costumes e negamos quase todos os valores; tornamos legais e aceitáveis os maiores absurdos e, ainda assim, não somos felizes, não somos mais plenos, não somos mais nós mesmos... Mesmo aquelas pessoas de boa vontade que, sem crerem, apostam nos valores, esses valores, carecem de um Fundamento último que lhes dê sustentação...
Pode-me crer, caro Irmão, a aposta do futuro do mundo é esta – e só esta: ou o homem volta a acolher a vida como dom e abrir-se para o Doador, ou construirá a vida como absoluta solidão e falta de sentido... Não há como escapar dessa escolha e de suas consequências...
Como sempre muito sábio e coerente Dom Henrique. Feliz sua diocese. Paz e bem.
ResponderExcluirMagnífico. Neste mundo cheio de promessas de atingir a felicidade nas 'coisas' no 'prazer' que não é durável; é extremamente importante enxergar qual o real Sentido da nossas vidas. Esse sentido está nessa vida? Ou está na nossa cruz e na nossa mortificação com Jesus?
ResponderExcluirTexto maravilhoso.