sábado, 25 de outubro de 2014

XXX Domingo Comum: Dois amores, um Amor

Ex 22,20-26
Sl 17
1Ts 1,5c-10
Mt 22,34-40

Aproxima-se o final do Ano Litúrgico, ano da Igreja. Estamos já no trigésimo Domingo comum. Mais três, e encerraremos o ano litúrgico de 2014, com a Solenidade de Cristo-Rei.
O tempo passa, a vida passa, a história passa... Elevemos, pois, o olhar e o coração para Aquele que não passa, Aquele que é o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim da nossa existência, o Cristo, nosso Deus!

No passado Domingo, o Senhor Jesus ordenava: “Dai a Deus o que é de Deus!” De Deus é tudo, ainda que tudo pareça nosso: “Tudo pertence a vós: Paulo, Apolo, Cefas, o mundo, a vida, a morte, as coisas presentes e as futuras. Tudo é vosso; mas vós sois de Cristo e Cristo é de Deus” (1Cor 3,21-23).
Esta é, precisamente, a dificuldade, a miopia ou, mais ainda, a cegueira, o triste pecado do mundo atual: não perceber Deus, não enxergar com a razão, com o afeto, com o coração que Deus é o Tudo, o Substrato, o Sentido da nossa existência. Sem Ele, nada tem sentido perene, nada tem valor duradouro, nada tem valor absoluto; nem a vida humana, que somente pode ser respeitada de modo absoluto quando é compreendida como imagem de Deus.

Pois bem, a Palavra deste Domingo prolonga aquela de oito dias atrás. “Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?”, da Lei de Moisés – perguntam ao Senhor para novamente tentar apanhá-Lo em armadilha. Qual o preceito que, sendo observado, resume a observância de toda Lei?
Jesus responde prontamente: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento!”
Como bom judeu, o Senhor Jesus nada mais faz que retomar o preceito do Antigo Testamento. Amar a Deus!
Amá-Lo significa fazer Dele o tudo da nossa existência, significa viver a vida aberta para Ele, buscando sinceramente a Sua santa vontade.
Amá-Lo é não conceber a vida como algo que é meu em sentido absoluto, mas um dom que recebi de Deus, que em diante de Deus devo viver e a Deus devo, um dia, devolver com frutos.
Amá-Lo é não viver na minha vontade, mas buscando a Sua santa vontade, mesmo que esta não seja o que eu esperaria ou desejaria...
Amá-Lo é sair de mim para encontrar-me Nele!
Engana-se quem pensa que pode amar a Deus deturpando a Palavra de Deus, a vontade de Deus, querendo dobrar Deus à sua própria medida! É o homem quem é medido por Deus, não Deus que deve ser medido pelo homem! É o homem quem deve servir a Deus – e, nesse serviço encontrar a vida -, não Deus que deve servir ao homem!

Mas, para que este amor a Deus não seja algo abstrato, teórico, meramente feito de palavras ou sentimentos superficiais, o Senhor Jesus nos aponta uma medida concreta desse amor. Seguindo ainda a tradição judaica do Antigo Testamento, Ele liga, condiciona o amor a Deus ao amor aos outros, aos próximos, àqueles que a providência divina coloca no nosso caminho: “’Amarás ao teu próximo como a ti mesmo’. Toda a Lei e os profetas dependem desses dois mandamentos”.
Eis, portanto: a medida da verdade do amor a Deus é o amor, a dedicação para com os outros; e não os outros teoricamente, mas os próximos: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo!”
Notemos que aqui Jesus não ensina nada de novo. Este preceito já valia para um bom judeu. Jesus está respondendo a um fariseu, um escriba judeu. Basta recordar como a primeira leitura de hoje, tirada da Torah, da Lei de Moisés, já ligava os dois amores, a Deus e ao próximo. O Senhor, já no Antigo Testamento, deixava claro que estará sempre do lado do nosso próximo, sobretudo se ele for débil e necessitado: “Se clamar por Mim, Eu o ouvirei, porque sou misericordioso.”
Estejamos, portanto, atentos: o amor concreto para com o nosso próximo é a medida do nosso amor a Deus! O Evangelho – como todo o Novo Testamento e a reta e sadia Tradição da Igreja – desconhece uma relação com Deus baseada numa fé sem obras que nasçam do amor. Basta recordar o belíssimo hino ao amor, da Primeira Carta aos Coríntios: “Ainda que eu tivesse toda a fé, a ponto de transportar montanhas, se não tivesse a caridade, eu nada seria” (13,2).
Que ninguém se iluda com um vazio discurso sobre uma fé vã sem as obras que dela nascem e a revelam! A fé sem amor a Deus e ao próximo, aquela fé que gosta de dizer “estou salvo” de se compraz em decretar a condenação dos outros é uma fé inútil, vazia, falsa e morta!

Caríssimos, se o Senhor Jesus respondeu ao escriba fariseu, dizendo que ele deveria amar a Deus e ao próximo como a si mesmo, a nós, seus discípulos, a nós, cristãos, o Salvador nosso aponta um ideal muito mais alto! Ouso afirmar que não basta, de modo algum para um cristão, amar os outros como a si mesmo! Recordai-vos todos que, na véspera de Sua paixão santíssima, quando sentou-Se à Mesa santa conosco, para dar-Se a nós na Eucaristia, como maior dom de amor, o Senhor nosso e Deus nosso, Jesus Cristo, deu-nos, então, o mandamento pleno, completo: “Amai-vos como Eu vos amei!” (Jo 13,34); “Dei-vos o exemplo para que, como Eu vos fiz, também vós o façais” (Jo 13,15).
Agora, às vésperas da cruz, agora, à Mesa da Eucaristia, agora, lavando-nos os pés, dando-Se totalmente a nós, Jesus poderia ser compreendido! Ele é o amor verdadeiro, Ele é a medida e o modelo do amor: “Não há maior prova de amor que dar a vida!” (Jo 15,13) Amai-vos como Eu vos amei!

Eis, caríssimos, como é grande a tarefa que o Senhor nos confia! Quem poderá realizá-la? Onde poderemos conseguir um amor assim? Eu vos digo:
contemplando Jesus na oração,
escutando Jesus na Escritura,
comungando com Jesus na Eucaristia,
procurando Jesus nos irmãos!
É assim que teremos os mesmos sentimentos do Cristo Jesus (cf. Fl 2,5) e viveremos a vida no amor total que Ele, nosso Senhor, teve para com Deus, o Pai e para com os próximos.
Fora disso, toda conversa sobre amor não passa de teoria, de ideologia que de cristã tem pouco ou nada.
Que o Senhor nos conceda, então, por esta Eucaristia, o dom do verdadeiro amor. Amém.


sábado, 4 de outubro de 2014

XXVII Domingo Comum: A Vinha amada

A Palavra de Deus deste XXVII Domingo Comum recorda-nos uma história de amor, misteriosa, triste e destinada a nos fazer pensar... É a história do Povo de Israel. Não sua história simplesmente na forma de crônica, de rosário de fatos, um após o outro, no correr do tempo. Aqui a história é apresentada em forma de parábola, uma parábola do amor de Deus, o Amado, por Sua vinha; uma parábola de decepção, de vinhateiros assassinos, de um Filho querido jogado fora da vinha...

Na primeira leitura, de Isaías, Deus Se queixa de Sua vinha pela boca de Seu profeta: “Um amigo meu plantou videiras escolhidas... esperava que ela produzisse uvas boas, mas produziu uvas selvagens”. Eis a história de Israel, a vinha amada: o Senhor plantou Seu povo: esperou bons frutos, mas vieram frutos azedos: “A vinha do Senhor dos exércitos é a casa de Israel, e o povo de Judá é Sua amada plantação; Eu esperava deles frutos de justiça – e eis a injustiça; esperava obras de bondade – e eis a iniquidade”.
Ante tal infidelidade, o Senhor diz pelo profeta: “Vou desmanchar a cerca, e ela será devastada, vou derrubar o muro, e ela será pisoteada. Vou deixá-la inculta e selvagem...” Eis o triste resumo da história do Povo de Deus da antiga aliança. Tão amado, tão preferido, Israel não foi fiel à aliança, Israel não deu os frutos de amor, de sensibilidade para com seu Deus, de total dedicação a ele que o Senhor esperava.

Caríssimos, essa atitude do primeiro povo chegou ao extremo na atitude dos chefes judeus da época de Jesus: misteriosamente, eles rejeitaram Jesus, expulsaram-No da vinha de Deus e mataram-No.
O fato é que Israel foi se fechando para aliança com o seu Deus e, quando o Messias veio, o Povo amado não teve a capacidade para reconhecê-Lo e acolhê-Lo...
Recordemos como Jesus fala de Seu próprio destino na parábola de hoje: o proprietário que planta a vinha é o Pai do céu, a vinha amada é a casa de Israel – essa vinha que, já vimos, deu frutos azedos, azedos até o vinagre da cruz; os vinhateiros são os chefes do povo, aos quais Deus confiou Sua vinha; o Senhor enviou Seus empregados para receber os frutos: são os profetas e todos aqueles que advertiram o povo de Deus para que se convertesse. Os vinhateiros espancaram e mataram esses enviados. O Pai, então, enviou o Filho, o Amado, o Herdeiro. “Vinde, vamos matá-Lo!” – eis a terrível palavra dos vinhateiros, a sentença dos chefes judeus! E tomam o Filho amado, expulsam-No como um maldito e matam-No! Diante disso, a conclusão do Evangelho é tremenda, é misteriosa: a vinha será tirada e dada a outros. A eleição de Israel passará para um novo Povo, para a Igreja; Jesus, a pedra rejeitada, será a pedra angular de uma nova construção – o Novo Povo de Deus, a Igreja do Novo Testamento, nascida do Seu sangue.

Que história impressionante: um povo tão amado, um povo singular. Um povo de santos... e que perdeu a oportunidade de reconhecer e acolher o Messias tão esperado e tão desejado! Um povo que deveria ser ministro da salvação de toda a humanidade e não soube compreender sua missão...
Ao mesmo tempo, nosso misterioso nascimento: somos a Igreja, resto de Israel, do qual Deus fez, em Cristo, um Novo Povo, para testemunhar o Senhor e levar Seu Nome aos confins da terra. Somos um povo, caríssimos: mais que brasileiros, somos Igreja; mais que tudo, somos o Povo de Deus da Nova Aliança, somos a vinha do Senhor, enxertada no verdadeiro tronco, que é Jesus, a verdadeira videira! Sem merecer, por graça de Deus, eis o que somos!

Irmãos, a Escritura nos diz que todas essas coisas aconteceram para nos servir de exemplo (cf. 1Cor 10,6)... Não somos melhores que os judeus, não devemos desprezá-los nem condená-los!
É verdade que jamais a aliança passará para um terceiro povo, jamais a Igreja perderá sua condição de Novo Povo de Deus. Compreendamos: a verdadeira vinha nova é o próprio Cristo: "Eu sou a verdadeira videira e Meu Pai é o agricultor" (Jo 15,1).
Vinha bendita, verdadeira cepa da antiga vinha, Israel! Jesus é a videira, nós, os ramos: "Eu sou a videira e vós os ramos" (Jo 15,5). Ele é o tronco bendito e nós, Sua Igreja, os ramos que não se podem separar Dele! É por isso que jamais essa Igreja, nova vinha unida ao tronco, poderá perder a condição de videira escolhida, amada e eleita.

Mas, atenção: os ramos, individualmente, podem ser arrancados: "Todo ramo que em Mim não produz fruto o Pai corta" (Jo 15,2). Eis, meus caros: devemos, sim, perguntar pela nossa fidelidade a Deus que, em Jesus, nos fez ramos da Sua nova vinha! Que frutos, caríssimos, estamos dando? Uvas doces? Uvas azedas? Uvas nenhumas? Quais são nossos frutos? São nossas obras, são nossas atitudes, é nosso modo de viver?
O Senhor espera de nós uma vida segundo a Sua vontade, segundo aquilo que o Senhor Jesus nos mostrou e viveu; o Senhor espera de nós um testemunho de amor profundo a Ele, para que o mundo descubra e corresponda ao Seu amor! Na segunda leitura deste hoje, o Apóstolo nos exorta: "Irmãos, ocupai-vos com tudo o que é verdadeiro, respeitável, justo, puro, amável, honroso, tudo o que é virtude ou de qualquer modo mereça louvor. Praticai o que aprendestes e recebestes. Assim o Deus da paz estará convosco". Eis aqui um belo programa de frutos dados por um ramo enxertado em Cristo!

Igreja de Deus, aqui reunida para a Eucaristia, és a vinha amada do Senhor! Vinha por vezes ameaçada de devastação, seja pela perseguição do mundo que não crê, seja pelos seus próprios pecados, que azedam os frutos que deveriam ser doces! Converte-te, Igreja de Deus em Cristo; convertei-vos, Irmãos! Convertamo-nos e demos frutos em nossa vida!

Quanto a vós, Senhor Deus, Senhor da vinha, “Voltai-vos para nós, Deus do universo! Olhai dos altos céus e observai! Visitai a vossa vinha e protegei-a! Foi a vossa mão direita que a plantou; protegei-a, e ao Rebento que firmastes!” Olhai, Pai Santo, a face do vosso Filho Jesus, morto e ressuscitado, que oferecemos em sacrifício eucarístico: tende piedade de nós; dai-nos força, vida e paz! Amém.