sábado, 26 de janeiro de 2019

Homilia para o terceiro domingo comum - ano c

Ne 8,2-4a.5-6.8-10
Sl 18B
1Cor 12,12-30
Lc 1,1-4; 4,14-21

Há três aspectos na Liturgia da Palavra de hoje dignos de particular atenção.

Primeiro. O Evangelho apresenta-nos o início da obra de Lucas. Aí se tem uma dedicatória e uma apresentação da obra a um certo “Teófilo” – o nome Teófilo significa “amigo de Deus”. E Lucas afirma expressamente que “após um estudo cuidadoso de tudo o que aconteceu desde o princípio, também eu decidi escrever de modo ordenado para ti... Deste modo poderás verificar a solidez dos ensinamentos que recebeste”.
Estas palavras nos revelam a seriedade do testemunho dos evangelhos. Não são fábulas, não são delírios! São, isto sim, um testemunho de fé! Testemunho de quem crê, de quem tem razões para crer e quer fazer com que outros creiam e creiam com razão profunda!

Num mundo de tantas verdades, de tantas mentirinhas, de tantas seitas, lendas e mitos, da tentação de pensar a fé como ideia, como simples ideologia politicamente correta... Num mundo que virou um enorme coquetel de religiões, onde cada um faz a sua, na sua medida e do seu modo, na proporção e no gosto do seu comodismo, é preciso recordar que somente em Cristo Deus revelou-Se plenamente; somente Cristo é a Verdade do Pai; somente Ele, o Caminho para Deus; somente Nele, a Vida em abundância!
Mas, ainda aqui, é preciso dizer mais, por mais chato que possa parecer! Cristo é o único Caminho, Verdade e Vida, mas não qualquer Cristo! Não um Cristo inventado, não um Cristo “meu”, do meu tamanho e do meu gosto, não o Cristo relido à luz das ideologias e modas, não o Cristo preso nas amarras de certas teologias!
O Cristo que o Pai revelou, o Cristo vivo e atuante, é Aquele presente na Palavra guardada, pregada e testemunhada, século após século, sem fratura, pela Igreja com a assistência do Espírito Santo; é Aquele que se dá nos sacramentos da Igreja; é Aquele presente na Igreja que no Credo professamos como sendo única, católica e apostólica.
Num mundo de tantas dúvidas, Cristo presente, de modo perene e contínuo, na Sua Igreja católica seja a nossa certeza, a nossa segurança, o nosso rochedo!

Um segundo aspecto. Ainda o Evangelho de hoje, nos apresenta Jesus na sinagoga de Nazaré: “O Espírito do Senhor está sobre Mim, porque Ele Me consagrou com a Unção”.
Quando se deu esta consagração? No batismo às margens do rio Jordão. Há quinze dias meditávamos sobre este mistério: o Pai, o Senhor, ungiu Jesus com o Espírito Santo como Messias de Israel. E qual a Sua missão? “consagrou-Me com a Unção para anunciar a Boa-nova aos pobres; enviou-Me para proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista, para libertar os oprimidos e para proclamar um ano da graça do Senhor”.
Eis a missão de Jesus, o Messias: acolher, consolar, perdoar, libertar, fazer viver.
Mas, para que experimentemos Jesus assim, é necessário que nós mesmos descubramos que somos pobres, que somos tão carentes, tão limitados, tão pequenos. Quando descobrimos isso, quando vemos que o mundo é assim, então experimentamos também que, em Jesus, Deus veio a nós, Deus deu-Se a nós, Deus estendeu-nos as mãos, abriu-nos os braços e aconchegou-nos no coração.

É por isso que a pessoa, os atos e as palavras de Jesus são Boa-nova, Boa-notícia, ou, em grego, Evangelho! E a Boa-nova é precisamente esta: Deus nos ama, está conosco em Jesus; veio para ficar, para permanecer para sempre na nossa vida e no coração do mundo!

Aqui entra, precisamente, o terceiro aspecto da Palavra deste Domingo: este Jesus permanece conosco na potência sempre presente e atuante do Seu Espírito Santo, presente de modo potente e soberano na Igreja que Jesus fundou. Já no Domingo passado, vimos que a Igreja é a Esposa do Cristo, cheia do vinho abundante do Espírito Santo, que nela suscita tantos dons, tantos carismas, tantos ministérios, tanta Vida divina. Pois bem, a segunda leitura da Missa de hoje insiste nesta idéia e aprofunda-a ainda mais.

Porque Cristo ressuscitou e nos deu o Seu Espírito Santo, nós, como Igreja, desde o nosso Batismo, somos o Corpo de Cristo: “Vós, todos juntos, sois o Corpo de Cristo e, individualmente, sois membros deste Corpo”. É juntos, como Comunidade, como membros da Igreja, que somos o Corpo vivo do Cristo; Corpo vivificado pelo Espírito Santo! É uma ideia, esta, que deveria estar sempre diante de nós! A Igreja não existe por ela mesma: ela vive do Espírito do Cristo; a Igreja não escolheu o Cristo: ela foi por Ele amada, por Ele fundada, por Ele escolhida e é por Ele sustentada e vivificada; o Cristo não pertence a Igreja: a Igreja é que pertence a Cristo e, na força do Espírito é sempre amada e renovada por Ele. Ele nunca vai abandoná-la, nunca vai traí-la, nunca vai renegá-la!

E mais ainda: no Seu Amor, isto é, no Seu Espírito, Ele suscita no corpo da Igreja, que é o Seu Corpo, tantos membros diferentes, com dons e carismas tão diversos! É o que São Paulo nos recorda na leitura de hoje. Ninguém pode ser cristão sozinho! Cristo não é salvador individual de ninguém! Ele é o Salvador do Corpo que é a Igreja (cf. Ef 5,23)! Nós somos salvos no Corpo de Cristo, enquanto membros do povo da Aliança, que é a Igreja. Nesta, quem nos une é o Amor de Cristo e nela, cada um de nós tem uma missão, uma função! Qual é a sua? Quais são as suas? Pai ou mãe de família, educando novos membros para o Corpo de Cristo? Agente de pastoral engajado diretamente na evangelização? Jovem que se esforça para dar um generoso testemunho de coerência e amor a Cristo? Empresário, funcionário público, empregado, que no seu trabalho procura ter um comportamento digno do Evangelho? Qual o seu papel na Igreja? Rico ou pobre, forte ou fraco, jovem ou ancião, todos temos como honra e dignidade ser membros do Corpo do Senhor, sustentados e vivificados pelo Espírito do Senhor, destinatários da salvação e da consolação que Ele nos trouxe, do carinho e da ternura do Pai que Ele derramou sobre nós.

Desde Domingo passado que a Palavra santa vem nos questionando sobre o nosso modo de ser e viver nossa pertença a Cristo e à Sua Igreja. Pensemos, e não recebamos em vão a graça de Deus, para que, um dia, possamos participar da Vida plena Daquele que Senhor que, feito homem por nós, vive e reina para sempre. Amém.



sábado, 19 de janeiro de 2019

Homilia para o II Domingo Comum - ano c

Is 62,1-5
Sl 95
1Cor 12,4-11
Jo 2,1-11

Em certo sentido, a liturgia da Palavra deste segundo Domingo comum, ainda está ligada ao Santo Natal, tempo da manifestação do Senhor. Na liturgia da Igreja antiga, a festa da Epifania, da Manifestação do Senhor, celebrava, de uma só vez e num só dia, a visita dos Magos, o batismo de Jesus e as bodas da Caná. São três momentos da Manifestação do Senhor Jesus Cristo: aos Magos, Ele Se manifestou como Rei dos Judeus pelo brilho da Estrela; no batismo, o Pai O manifestou como Messias de Israel, ungindo-O com o Espírito Santo para a missão e, em Caná, Jesus manifestou a Sua glória ao transformar a água em vinho, e os Seus discípulos creram Nele. Portanto, estamos ainda em clima de Manifestação, de Epifania Daquele que veio do Pai para nossa salvação; e é neste contexto que as leituras da Missa de hoje devem ser interpretadas.

Comecemos por observar que o Evangelho narra uma festa de casamento e não informa nada sobre o nome dos noivos... É de caso pensado! O Evangelista tomou um fato histórico e deu-lhe um sentido espiritual e teológico: o verdadeiro noivo é o Cristo, Deus em pessoa que vem desposar Sua esposa, o Povo de Israel e, mais precisamente, o novo Israel, a Igreja, representada pela Mulher – a Virgem Maria!
Tudo, na perícope do Evangelho, fala disso: porque o Messias-Esposo chegara, a água da Antiga Aliança (água da purificação segundo os ritos judaicos da Lei de Moisés) foi transformada no vinho da Nova Aliança (o vinho, símbolo da alegria e da exultação do Espírito Santo, que é fruto da Morte e Ressurreição do Senhor). É esta a glória que Jesus manifestou, é este o sinal! “Sinal” não é um simples milagre; “sinal” é um gesto do Senhor Jesus, carregado de sentido profundo, que revela Sua Pessoa, Sua missão e Sua obra de salvação. “Este foi o princípio dos sinais de Jesus... e Seus discípulos creram Nele”.

Na verdade, o sinal da Caná, é uma preparação uma antecipação da Páscoa, quando o Cristo, Esposo ressuscitado, desposaria para sempre a Igreja, dando-lhe como dote eterno, o dom do Espírito:“Alegremo-nos e exultemos, demos glória a Deus, porque estão para realizar-se as núpcias do Cordeiro, e Sua Esposa já está pronta: concederam-lhe vestir-se com linho puro, resplandecente” (Ap 19,7s). Por isso, a exultação da primeira leitura de hoje. Saudando o Povo de Deus, o novo Israel, a Igreja-Esposa, o profeta afirma: “As nações verão a tua justiça; serás chamada por um nome novo, que a boca do Senhor há de designar. E serás uma coroa de glória na mão do Senhor, um diadema real na mão de teu Deus. Não mais te chamarão abandonada, e tua terra não mais será chamada Deserta; teu nome será Minha Predileta e tua terra será Bem-Casada, pois o Senhor agradou-Se de ti e tua terra será desposada. Assim como o jovem desposa a donzela, assim teus filhos te desposam; e como a noiva é a alegria do noivo, assim também tu és a alegria do teu Deus”. Maria, a Virgem-Mulher do Evangelho de hoje é, pois, imagem viva da Igreja-Esposa, desposada na Nova e Eterna Aliança!

Esta Aliança não é mais aquela de Moisés. A Antiga Lei passou; passaram os antigos preceitos, as antigas observâncias, as coisas antigas! Não esqueçamos o Prólogo de João, tantas vezes ouvido no Natal: “A Lei foi dada por Moisés; a graça e a verdade nos vieram por Jesus Cristo” (Jo 1,17). Esta Nova Aliança não se funda em uma lei de preceitos escritos, mas na Nova Lei, que é o Espírito de amor, derramado nos nossos corações. O Espírito que o Cristo derramou sobre nós com a Sua Morte e Ressurreição é a alma, a lei, a vida da Igreja-Esposa, novo Israel, novo Povo de Deus. Por isso, a segunda leitura da Missa de hoje nos apresenta toda a vida da Igreja, tão rica e dinâmica, como sendo fruto da ação animadora e sustentadora do Espírito Santo: “A cada um de nós é dada a manifestação do Espírito em vista do bem comum”, isto é, em vista da edificação da Igreja, Corpo e Esposa de Cristo!

O que nos fica da Liturgia da Palavra de hoje? A gratidão ao Cristo por ter vindo, por ter manifestado a Sua glória em nosso mundo tão pobre e na nossa vida tão ameaçada pelas trevas. Fica também essa consciência que somos o Povo de Deus da Nova Aliança, povo nascido da Encarnação, da Morte e da Ressurreição de Cristo; povo nascido na força do Espírito Santo que Ele, morto e ressuscitado, nos concedeu. Fica ainda a certeza que Ele permanece conosco, alimentando e construindo Sua Igreja-Esposa na força do Espírito Santo. Esta Igreja é a una e santa nossa mãe católica. Ela foi eternamente desejada, escolhida, amada pelo Esposo Jesus; ela foi desposada quando Ele Se fez homem e por ela morreu e ressuscitou! Lembremo-nos das palavras do Apóstolo: “Cristo amou a Igreja e Se entregou por ela, a fim de purificá-la, com o banho da água e santificá-la pela Palavra, para apresentar a si mesmo a Igreja, gloriosa, sem mancha nem ruga, ou coisa semelhante, mas santa e irrepreensível” (Ef 5,25-27). Por isso a Igreja será sempre Esposa, será sempre bela, sem mancha nem ruga, será sempre santa, apesar dos pecados e traições de seus membros! Ela é a Amada, a Escolhida, a ornada com o a jóia do Espírito Santo! Se formos fieis a esse Espírito, vinho novo do Reino de Deus, seremos pessoas novas na nossa vida: novos sentimentos, novo modo de ver e de agir, de sentir e de enfrentar as situações da vida. Nem os fracassos, nem as tristezas, nem as lágrimas, nem mesmo a morte poderão nos tirar a alegria e a certeza de viver! Fica também a certeza certíssima, de que como Igreja, como Comunidade dos discípulos de Cristo, o Espírito nos vivifica, nos guia, nos une e nos conduz sempre. Não temamos, não sejamos frios, não sejamos frouxos! O Cristo que habitou entre nós, conosco continua na potência do Seu Espírito Santo. Se formos fieis à Sua ação, nossa Comunidade será viva, os carismas e ministérios serão abundantes, a alegria de ser e viver como Comunidade não faltará, o nosso testemunho de Jesus Cristo será entusiasmado e convincente e a nossa esperança será inabalável, mesmo diante das dificuldades do mundo e da vida, mesmo diante da morte!

O Senhor manifestou a Sua glória e Seus discípulos creram Nele! O Senhor Se manifesta agora, pela Sua Palavra e pela Sua Eucaristia, e nos reúne na força amorosa do Espírito Santo! Creiamos! E que nossa Eucaristia seja toda ungida, toda doçura, toda renovação da nossa vida em Cristo: “Felizes aqueles que foram convidados para o banquete das núpcias do Cordeiro” (Ap 19,9). Felizes somos nós, que vivemos em Cristo, Ele que é bendito pelos séculos dos séculos. Amém.


quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Homilia para a Festa do Batismo do Senhor - ano c

Is 42,1-4.6-7
Sl 28
At 10,34-38
Lc 3,15s.21-22


A Festa de hoje encerra o sagrado tempo do Natal: o Pai apresenta, manifesta a Israel o Salvador que Ele nos deu, o Menino que nasceu para nós: “Tu és o Meu Filho amado; em Ti ponho o Meu bem-querer”, ou, segundo a versão de Mateus: “Este é o Meu Filho amado, em Quem Me comprazo!” (3,17).
Estas palavras contêm um significado muito profundo: o Pai apresenta Jesus usando as palavras do profeta Isaías, que ouvimos na primeira leitura desta santa Eucaristia. Mas, note-se: Jesus não é somente o Servo; Ele é o Filho, o Filho amado! O Servo que o Antigo Testamento anunciava é também o Filho amado eternamente! No entanto, é Filho que sofrerá como o Servo, que deverá exercer Sua missão de modo humilde e doloroso!

Hoje, às margens do Jordão, Jesus foi ungido com o Espírito Santo como o Messias, o Cristo, Aquele que as Escrituras prometiam e Israel esperava. Agora, Ele pode começar publicamente a missão de anunciar e inaugurar o Reino de Deus. Esta missão, Ele iniciou desde que Se fez homem por nós; agora, no entanto, vai manifestar-Se publicamente, primeiro a Israel e, após a Ressurreição e o envio do Espírito, a toda a humanidade. É na força do Espírito Santo que Ele pregará, fará Seus milagres, expulsará Satanás e inaugurará o Reino do Pai; é na força do Espírito que Ele viverá uma vida de total e amorosa obediência ao Pai e doação aos irmãos até a morte e morte de Cruz.

Mas, atenção: como já dissemos, esse Jesus que é o Filho, é também o Servo sofredor, anunciado por Isaías. Hoje, o Pai revela a Jesus qual o modo, qual o caminho que Ele deve seguir para ser o Messias como Deus quer: na pobreza, na humildade, no despojamento, no serviço! É assim que o Reino de Deus será anunciado no mundo. Jesus deverá ser manso: “Ele não clama nem levanta a voz, nem Se faz ouvir pelas ruas”. Deve ser cheio de misericórdia para com os pecadores, os fracos, os pobres, os sem esperança: “Não quebra a cana rachada nem apaga um pavio que ainda fumega”. Ele irá sofrer, ser tentado ao desânimo, mas colocará no Seu Deus e Pai toda a Sua esperança, toda a Sua confiança: “Não esmorecerá nem Se deixará abater, enquanto não estabelecer a justiça na terra”. O Senhor Deus estará sempre com Ele e Ele veio não somente para Israel, mas para todas as nações da terra: “Eu, o Senhor, Te chamei para a justiça e Te tomei pela mão; Eu Te formei e te constituí como aliança do povo, luz das nações, para abrires os olhos aos cegos, tirar os cativos da prisão, livrar do cárcere os que vivem nas trevas”.

E Jesus já começa cumprindo Sua missão na humildade: Ele entra na fila dos pecadores, para ser batizado por João. Ele, que não tinha pecado, assume os nossos pecados, faz-Se solidário conosco; Ele, o Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo! “João tentava dissuadi-Lo, dizendo: ‘Eu é que tenho necessidade de ser batizado por Ti e Tu vens a mim?’ Jesus, porém, respondeu-lhe: ‘Deixa estar, pois assim nos convém cumprir toda a justiça’” (Mt 3,14s). Assim convinha, no plano do Pai, que Jesus Se humilhasse, Se fizesse Servo e assumisse os nossos pecados! Ele veio não na glória, mas na humildade, não na força, mas na fraqueza, não para impor, mas para propor, não para ser servido, mas para servir. Eis o caminho que o Pai indica a Jesus, eis o caminho que Jesus escolhe livremente em obediência ao Pai, eis o caminho dos cristãos, e não há outro!

Uma última observação, muito importante: João diz: “Eu vos batizo com água, mas virá Aquele que é mais forte do que eu. Ele vos batizará no Espírito Santo e no fogo”. O batismo de João não é o sacramento do Batismo: era somente um sinal exterior de que alguém se reconhecia pecador e queria preparar-se para receber o Messias. Ao ser batizado no Jordão, Jesus é ungido com o Espírito Santo para a missão. Esta unção será plena na Ressurreição, quando o Pai derramará sobre Ele o Espírito como Vida da Sua vida humana. Então – e só então – Ele, pleno do Espírito Santo que O ressuscitou, derramará este mesmo Espírito, que será também Seu Espírito, sobre nós, dando-nos uma nova Vida! Para os cristãos, não há batismo nas águas, mas somente Batismo no Espírito, simbolizado pela água (cf. Jo 3,5; 7,37-39). Ao sermos batizados, recebemos o Espírito Santo de Jesus e, por isso, somos participantes de Sua missão de viver, testemunhar e anunciar o Reino de Deus, a Vida eterna, a Vida no amor a Deus e aos irmãos, que Jesus veio anunciar ao Se fazer homem igual a nós! Mas este testemunho não é festivo, não é de oba-oba, mas um testemunho dado na simplicidade, na pobreza e na humildade do dia a dia!

Eis! O Menino que nasceu para nós, a Criança admirável que cresceu em sabedoria, idade e graça, submisso aos Seus pais na família de Nazaré, o Deus perfeito, filho da Toda Santa Mãe de Deus, Aquele que com o brilho de Sua Estrela atraiu a Si todos os povos, hoje é apresentado pelo Pai: Ele é o Filho querido, Ele é o Servo sofredor, Ele é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, Ele é o Messias, o Ungido de Deus! Acolhamo-Lo na nossa existência e no nosso coração e nossa vida terá um novo sentido. Seguindo-O, chegaremos ao coração do Pai que O enviou e é Deus com Ele e o Espírito Santo pelos séculos dos séculos. Amém.



sábado, 5 de janeiro de 2019

Homilia para a Sagrada Epifania do Senhor

Is 60,1-6
Sl 71
Ef 3,2-3a.5-6
Mt 2,1-12

Celebramos hoje a solene Manifestação, a sagrada Epifania do Senhor. Como dizia Santo Agostinho, “celebramos, recentemente, o dia em que o Senhor nasceu entre os judeus; celebramos hoje o dia em que foi adorado pelos pagãos. Naquele dia, os pastores O adoraram; hoje, é a vez dos magos”. A festa deste dia é nossa, daqueles que não são da raça de Israel segundo a carne, daqueles que, antes, estavam sem Deus e sem esperança no mundo! Hoje, Cristo nosso Deus, apareceu não somente como glória de Israel, mas também como “luz para iluminar as nações” (Lc 2,32).Hoje, começou a cumprir-se a promessa feita a nosso pai Abraão: “Por ti serão benditos todos os clãs da terra” (Gn 12,3).

Na segunda leitura desta Missa, São Paulo nos falou de um Mistério escondido e que agora foi revelado: “os pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do mesmo corpo, são associados à mesma promessa em Jesus Cristo, por meio do Evangelho”. Eis: com a visita dos magos, pagãos vindos de longe, é prefigurado o anúncio do Evangelho aos não-judeus, aos pagãos, aos que desconheciam o Deus de Israel, aos que estavam sem Cristo, que não participavam da cidadania em Israel, nem das alianças da Promessa e não tinham esperança no Deus verdadeiro (cf. Ef 2,12). Ainda Santo Agostinho, explicando o mistério da festa hodierna, explicava muito bem: “Ele é a nossa paz, Ele, que de dois povos fez um só (cf. Ef 2,14). Já Se revela qual Pedra Angular, este Recém-nascido que é anunciado e como tal aparece nos primórdios do nascimento. Começa a unir em Si dois muros de pontos diversos, ao conduzir os pastores da Judeia e os Magos do Oriente, a fim de formar em Si mesmo, dos dois, um só homem novo, estabelecendo a paz. Paz para os que estão longe e paz para os que estão perto”. É este o sentido da solenidade da santa Epifania do Senhor!

Hoje, cumpre-se o que o profeta Isaías falara na primeira leitura: “Levanta-te, Jerusalém, acende as luzes, porque chegou tua luz, apareceu sobre ti a Glória do Senhor! Eis que está a terra envolvida em trevas, e nuvens cobrem os povos; mas sobre ti apareceu o Senhor, e Sua Glória já se manifesta sobre ti! Levanta os olhos ao redor e vê: será uma inundação de camelos de Madiã e Efa; virão todos os de Sabá, trazendo ouro e incenso e proclamando a Glória do Senhor!”
Mas, estejamos atentos, porque a festa de hoje esconde um drama: a Jerusalém segundo a carne não reconheceu o Salvador: “O rei Herodes ficou perturbado, assim como toda a Cidade de Jerusalém”. Ela conhecia a profecia, mas de nada lhe adiantou, pela dureza de coração. É na nova Jerusalém, na Igreja, que somos nós, na nossa Mãe católica, que esta profecia de Isaías se cumpre. É a Igreja que acolherá todos os povos, unidos não pelos laços da carne, mas pela mesma fé em Cristo e o mesmo Batismo no Seu Espírito.

Que contraste, no Evangelho de hoje! Jerusalém, que conhecia a Palavra, não crê e, descrendo, não vê a Estrela, não vê a luz do Menino. Os magos, pagãos, porque têm boa vontade e são humildes, veem a Estrela do Rei, deixam tudo, partem sem saber para onde iam, deixando-se guiar pela luz do Menino e, assim, atingem o Inatingível e, vendo o Menino, reconhecem Nele o Deus perfeito: “ajoelharam-se diante Dele e O adoraram”. Com humildade, oferecem-Lhe o que têm: “Abriram seus cofres e Lhe ofereceram presentes: ouro, incenso e mirra”: ouro para o Rei, incenso para o Deus, mirra para o que, feito homem, morrerá e será sepultado! Os magos creem e encontram o Menino e “sentiram uma alegria muito grande”.Herodes, o tolo, ao invés, pensa somente em si, no seu título, no seu reino, no seu poder e tem medo do Menino! Escravo de si e prisioneiro de suas paixões, quer matar o Recém-nascido! A Igreja, na sua liturgia, zomba de Herodes e dos herodes, e canta assim: “Por que, Herodes, temes/ chegar o Rei que é Deus?/ Não rouba aos reis da terra/ Quem reinos dá nos céus!”. Que bela lição, que mensagem impressionante para nós: quem se deixa guiar pela luz do Menino, O encontra e é inundado de grande alegria, e volta por outro caminho. Mas, quem se fecha para esta luz, fica no escuro de suas paixões, na incerteza confusa de suas próprias certezas, tão ilusórias e precárias e termina matando e se matando!

Que nós tenhamos discernimento: não procuremos esta Estrela do Menino nos astros, no céu! Não perguntemos sobre ela aos astrônomos, aos cientistas, aos historiadores. Sobre essa luz, sobre essa Estrela bendita, eles nada sabem, nada têm a dizer! Procuremo-la dentro de nós: o Menino é a Luz que ilumina todo ser humano que vem a este mundo! No século I, Santo Inácio de Antioquia já ensinava: “Uma estrela brilhou no céu mais do que qualquer outra estrela, e todas as outras estrelas, junto com o sol e a luz, formaram um coro, ao redor da estrela de Cristo, que superava a todas em esplendor”. É esta Luz que devemos buscar, esta Luz que devemos seguir, por esta Luz devemos nos deixar iluminar! São Leão Magno, no século V, já pedia aos cristãos: “Deixa que a luz do astro celeste aja sobre os sentidos do teu corpo, mas com todo o amor do coração recebe dentro de ti a Luz que ilumina todo homem vindo a este mundo!”. E, também no mesmo século V, São Pedro Crisólogo, bispo de Ravena, falava sobre o mistério deste dia: “Hoje, os magos que procuravam o Rei resplandecente nas estrelas, o encontram num berço. Hoje os magos veem claramente, envolvido em panos, aquele que há muito tempo procuravam de modo obscuro nos astros. Hoje, contemplam, maravilhados, no presépio, o céu na terra, a terra no céu, o homem em Deus, Deus no homem e, incluído no corpo pequenino de uma criança, Aquele que o universo não pode conter. Vendo-O, proclamam sua fé e não discutem, oferecendo-lhe místicos presentes. Assim, o povo pagão, que era o último, tornou-se o primeiro, porque a fé dos magos deu início à fé de todos os pagãos!”

Quanta luz, na festa de hoje! E, no entanto, é preciso que compreendamos sem pessimismo, mas também sem ilusões diabólicas, que este mundo vive em trevas: “Eis que está a terra envolvida em trevas, e nuvens escuras cobrem os povos...” Que tristeza tão grande, constatar que as palavras do Profeta ainda hoje são tão verdadeiras... “Mas sobre ti apareceu o Senhor, e Sua Glória já se manifesta sobre ti”. Não são trevas as tantas trevas da realidade que nos cerca? Não são trevas a violência, a devassidão, a permissividade, as drogas, a exacerbação da sensualidade? Não são trevas a injustiça, a corrupção e a impiedade? Não é treva densa o comércio de religiões, o coquetel de seitas, o uso leviano e interesseiro do Evangelho e do Nome santo de Jesus? Não é treva medonha a dissolução da família, a relativização e esquecimento dos valores mais sagrados e da verdade da fé, com o pretexto torpe de agradar ao mundo?

Deixemo-nos guiar pela Estrela do Menino, deixemo-nos iluminar pela Sua Luz! Com os magos, ajoelhemo-nos diante Daquele que nasceu para nós e está nos braços da sempre Virgem Maria Mãe de Deus: ofereçamos-Lhe nossos dons: não mais mirra, incenso e ouro, mas a nossa liberdade, a nossa consciência e a nossa decisão de segui-Lo até o fim. Assim, alegrar-nos-emos com grande alegria e voltaremos ao mundo por outro caminho, “não em orgias e bebedeiras, nem em devassidão e libertinagem, nem em rixas e ciúmes. Mas vesti-vos do Senhor Jesus e não procureis satisfazer os desejos da carne. Deixemos as obras das trevas e vistamos a armadura da luz” (Rm 13,13.12).

Terminemos com o pedido que a Igreja fará na oração após a comunhão: “Ó Deus, guiai-nos sempre e por toda parte com a Vossa luz celeste, para que possamos acolher com fé e viver com amor o Mistério de que nos destes participar!” Amém.