sábado, 25 de abril de 2020

Homilia para o III Domingo da Páscoa - ano a

At 2,14.22-33
Sl 15
1Pd 1,17-21
Lc 24,13-35

No Tempo Pascal a Igreja vive, celebra e testemunha sua certeza, aquela convicção que a faz existir e sem a qual ela não teria sentido neste mundo: “Jesus de Nazaré foi um homem aprovado por Deus pelos milagres, prodígios e sinais que Deus realizou por meio Dele entre vós. Deus, em Seu desígnio e previsão, determinou que Jesus fosse entregue nas mãos dos ímpios e vós O matastes pregando numa cruz... Deus ressuscitou este mesmo Jesus e disto todos nós somos testemunhas. Exaltado pela Direita de Deus, Jesus recebeu o Espírito Santo prometido e O derramou...” Este é o núcleo da nossa fé cristã, o fundamento da nossa esperança pascal, a inspiração para a nossa vida e nossa ação, isto é, para nossas atitudes concretas, nossa vida moral.

Na Liturgia da Palavra deste Domingo, o encontro de Emaús sintetiza muito bem a experiência cristã. Prestemos atenção, porque é de nós que fala o Evangelho de hoje! O que há aí?

Há, primeiramente o caminho – aquele da vida: nele, os discípulos conversavam sobre todas as coisas que tinham acontecido com o. Cristo Jesus. Mas, os acontecimentos, lidos somente à nossa luz, segundo a nossa razão e os nossos critérios, são opacos, são tantas e tantas vezes, sem sentido... Por isso, no coração e no rosto daqueles dois havia tristeza e escuro; eles estavam cegos e tristes... Dominava-os o desânimo e a incerteza: esperaram tanto e, agora, só restava um túmulo vazio... É isto o homem na sua própria medida, são estas as parcas esperanças, quando contamos simplesmente com nossas possibilidades!
Mas, à luz do Ressuscitado – quando o experimentamos vivo entre nós – tudo muda, absolutamente. Primeiro o coração arde no nosso peito. Arde com a alegria e o calor de quem vê um sentido – e um sentido de amor e de vida – para os acontecimentos da existência, mesmo os mais sombrios: “Não era necessário que o Cristo sofresse tudo isso para entrar na Glória?” Que palavras impressionantes! São do mesmo sentido dos Atos dos Apóstolos, na primeira leitura: “Deus em Seu desígnio e previsão, determinou que Jesus fosse entregue...” Aqui, compreendamos bem: só na fé se pode penetrar o mistério e ultrapassar o absurdo! Então, com o Senhor ressuscitado, na Sua luz, os olhos nossos se abrem e reconhecemos Jesus, experimentamo-Lo vivo, próximo, como Senhor, que dá orientação, sustento e sentido à nossa vida! Sentimos, então, a necessidade de conviver e compartilhar com outros que fizeram a mesma experiência, todos reunidos em torno daqueles que o Senhor constituiu como primeiras testemunhas Suas – os Apóstolos e seus sucessores, os Bispos. É assim que somos cristãos; é assim que somos Igreja!

Esta é, portanto, a certeza dos cristãos, a nossa certeza! Hoje somos nós as testemunhas! Hoje somos nós quem devemos pedir: “Mane nobiscum, Domine!” – “Fica conosco, Senhor!”
Somente seremos cristãos de verdade se ficarmos com o Senhor que permenece conosco, se O encontrarmos sempre na Palavra e no Pão eucarístico. Nunca esqueçamos: os discípulos sentiram o coração arder ao escutá-Lo na Escritura e O reconheceram ao partir o Pão! Esta é a experiência dos cristãos de todos os tempos. Poderiam ser recordadas aqui as palavras de São João Paulo II, na sua Carta Apostólica Mane Nobiscum Domine afirmando a necessidade absoluta de Cristo, a necessidade de voltar sempre a Ele: “Cristo está no centro não só da história da Igreja, mas também da história da humanidade. Tudo é recapitulado Nele. Cristo é o fim da história humana, o ponto para onde tendem os desejos da história e da civilização, o centro do gênero humano, a alegria de todos os corações e a plenitude de suas aspirações. Nele, Verbo feito carne, revelou-se realmente não só o mistério de Deus, mas também o próprio mistério do homem. Nele, o homem encontra a redenção e a plenitude!” (n. 6).

O mundo atual – e o mundo de sempre – deseja apontar outros caminhos de realização para o homem; outras possibilidades de vida... Os cristãos não deveriam se iludir! Sabemos onde está a nossa Vida, sabemos onde encontrar o caminho e a verdade de nossa existência: em Cristo sempre presente na Palavra e na Eucaristia experimentadas na vida da Igreja! Repito: este é o centro da experiência cristã; e, precisamente daqui, brotam as exigências de coerência de nossa vida: “Fostes resgatados da vida fútil herdade de vossos pais, não por meio de coisas perecíveis, como a prata e o ouro, mas pelo precioso sangue de Cristo, como de um Cordeiro sem mancha e sem defeito. Antes da criação do mundo Ele foi destinado para isso, e neste final dos tempos, Ele apareceu por amor de vós!”
Eis, que mistério! O Autor sagrado afirma que, antes do início do mundo, o Pai nos tinha preparado este Cordeiro imolado, para que Nele encontrássemos a vida e a paz! Por Ele alcançamos a fé em Deus; por Ele, nossa vida ganhou um novo sentido; por Ele, não mais pensamos, vivemos e agimos como o mundo das trevas! E porque Deus O ressuscitou dos mortos e Lhe deu a Glória, a nossa fé e a nossa esperança estão em Deus, estão firmadas na Rocha! “Vivei, pois, respeitando a Deus durante o tempo da vossa migração neste mundo!” Vivamos para Deus e manifestemos isso pelo nosso modo de pensar, falar, agir e viver!

Irmãos! Irmãs! Não tenhais medo de colocar em Cristo toda a vossa vida e toda a vossa esperança! É Ele quem nos fala agora, na Palavra, e agora mesmo, para que nossos olhos se abram e o reconheçamos, Ele mesmo, na Eucaristia, nos partirá o Pão. A Ele a glória pelos séculos! Amém.


sexta-feira, 24 de abril de 2020

Tu me amaste primeiro; Tu me salvaste! Socorre-me!

Do Livro de Orações, de São Gregório de Narek (séc. X-XI), monge, místico e poeta armênio:

Houve um tempo em que eu não estava presente, e Tu me criaste.
Eu não tinha orado, e Tu, Tu me fizeste.
Eu não tinha ainda vindo à luz e, no entanto, viste-me.
Eu não tinha aparecido e, no entanto, tiveste piedade de mim.
Eu não Te tinha invocado e, no entanto, tomaste-me ao Teu cuidado.
Eu não Te tinha feito qualquer sinal e, no entanto, olhaste para mim.
Eu não Te tinha dirigido qualquer súplica e, no entanto, tiveste misericórdia para comigo.
Eu não tinha articulado o mínimo som e, no entanto, ouviste-me.
Eu não tinha sequer suspirado e, no entanto, a tudo estiveste atento.

Sabedor do que ia acontecer-me neste tempo presente,
não me votaste ao desprezo.
Considerando, com Teus previdentes olhos,
os erros deste pecador que eu sou,
vieste, contudo, a modelar-me.
Sou, agora, este ser que Tu criaste,
que salvaste,
que foi alvo de tanta solicitude!
Que a ferida do pecado, suscitada pelo Acusador,
não me perca para sempre!

Presa, paralisada,
curvada como a mulher que sofria,
a minha alma infeliz, impotente, não consegue reerguer-se.
Sob o peso do pecado, ela fixa-se à terra,
com as pesadas cadeias de Satã.
Inclina-Te, ó único Misericordioso, sobre mim,
esta pobre árvore que caiu.
A mim, que estou seco, faz-me reflorir
em beleza e esplendor,
segundo as palavras divinas do santo profeta (Ez 17,22-24).
Tu, Protetor único,
digna-Te lançar sobre mim um olhar
vindo da solicitude do Teu indizível amor
e do nada criarás em mim a própria luz (cf. Gn 1,3).


quarta-feira, 22 de abril de 2020

Nascer do Alto

No Evangelho, capítulo III de João, que a liturgia nos está fazendo ouvir nestes dias pascais, continua o diálogo de Jesus com Nicodemos. “Vós deveis nascer do Alto” – nascer de Deus por obra do Espírito Santo que Cristo dará no símbolo, no instrumento da água. O Senhor compara, então, ao vento, aquele que nasceu do Espírito e se deixa guiar por Ele: é livre, forte, impetuoso, mas, sobretudo misterioso, no sentido em que vive segundo a lógica e a força de Deus. Como diz a Escritura, “o homem espiritual julga a respeito de tudo e por ninguém é julgado” (1Cor 2,15).Estas pessoas são sempre um santo perigo, um santo desafio na vida da Igreja, graças a Deus!

Mas, como isto pode acontecer? Jesus, nosso Senhor, diz uma frase misteriosa: “Nós falamos daquilo que sabemos e damos testemunho daquilo que temos visto, mas vós não aceitais o nosso testemunho”. É bom recordar que no modo de escrever do Evangelho de São João, o Autor sagrado apresenta Jesus falando ora na Sua vida terrena, ora já como ressuscitado e Senhor da Igreja. João é um teólogo alto, profundo: no seu Evangelho, Ele vê já na humildade da carne de Jesus, o Cristo glorioso, Senhor da Sua Igreja!
Agora, nestes versículos, é Jesus Senhor falando em nome de todos os cristãos, membros do Seu Corpo, que é a Igreja: sabemos do que falamos porque vivemos já a experiência do Espírito do Ressuscitado, mas os judeus não conseguem aceitar esse testemunho pois, sem crer e sem receber o Batismo, não podem experimentar o Espírito. Ninguém experimenta o Espírito sem o Batismo e a Eucaristia, sem uma vida de constante união com Cristo!
Os judeus nem mesmo conseguem acreditar quando Jesus e os cristãos falaram e falam sobre a água e o Espírito – realidades já tão presentes nos profetas de Israel... Como irão compreender quando Jesus faz a revelação mais surpreendente: que é necessário que o Messias seja levantado na Cruz, como Moisés levantou a serpente no deserto? Como compreender que Ele, levantado na Cruz, faria jorrar continuamente para a Igreja, a água do Batismo e o Sangue da Eucaristia, que dão ao homem a graça de nascer do Alto? (cf. Jo 19,34; 1Jo 5,6-8) Eis a coisa do Céu, da qual Jesus falará: o Filho do Homem deverá ser levantado na Cruz para poder dar o Espírito. Assim, quem Nele crê, terá a Vida eterna...

Contemplar o Messias crucificado, que entrega o Espírito continuamente na água do Batismo e no sangue da Eucaristia e viver em comunhão com Ele – eis a Vida eterna, eis o nascimento para o Reino, eis o que é nascer do Alto! Isto a Palavra anuncia pela pregação e o rito realiza pelo Sacramento! O Senhor fala e faz, promete e cumpre!


terça-feira, 21 de abril de 2020

Nascer da água e do Espírito

Nos dias da Oitava da Páscoa ouvimos na Missa diária os evangelhos que narram as aparições do Ressuscitado aos seus discípulos.
Agora, nesta segunda semana, ouviremos o capítulo terceiro de São João. E por quê? Porque a tradição da Igreja vê aí, no diálogo de Jesus com Nicodemos, uma catequese sobre o Batismo. Batismo e Eucaristia, os sacramentos pascais, simbolizados na água e no sangue que brotaram do lado do Crucificado logo depois que Ele entregou o Espírito.
Como afirma a Primeira Carta de São João: três são os que dão testemunho de Jesus: o Espírito, a água e o sangue. Em outras palavras: no Batismo e na Eucaristia recebemos o Espírito Santo que nos testemunha o Cristo morto e ressuscitado como Senhor vivente e nos dá a Sua própria Vida divina recebida do Pai no evento mesmo da Ressurreição: “Morto na carne, foi vivificado no Espírito” (1Pd 3,18).

Na perícope de João 3, Nicodemos vem de noite à procura de Jesus. É um chefe judeu versado na Torá. Vem de noite à procura da Luz... Ele reconhece que Jesus vem de Deus, acredita nos sinais que o Senhor realiza, mas ainda não sabe, não crê que Jesus é o Filho de Deus... Como judeu, ainda está na noite! Aqui, não há remédio: um filho de Israel, por bom que seja, por bem intencionado que se mostre, somente alcança a luz quando crê em Jesus como o Messias enviado pelo Pai. Até lá, está na noite!

Ora, para que que se veja a Luz é necessário nascer de Alto, nascer de Deus, recebendo uma Vida divina, ressuscitada, e somente Jesus Cristo pode realizar isto, dando-lhe o Seu Espírito. Nicodemos confunde “nascer do Alto”, isto é, nascer de Deus, receber a Vida divina, do Eterno, com “nascer de novo” (em grego ánothen significa as duas coisas). Jesus, no entanto, refere-Se ao Batismo, no qual se nasce para a Vida que vem de Deus, Vida dada pelo próprio Jesus morto e ressuscitado: nascer da água e do Espírito significa nascer pela água que é instrumento do Espírito, isto é, que é símbolo eficaz da potente ação do Espírito. O que nasce da carne, da pura natureza humana, é somente carne e não tem como chegar à Vida de Deus. É preciso receber essa Vida divina pela água que doa o Espírito no Batismo.

Aqui, a inteligência humana desfalece. A ação do Espírito de Deus é como o vento: vemos os seus efeitos, mas não sabemos de onde vem nem para onde vai, pois Deus é Mistério, Deus é liberdade em toda a Sua obra. Ao homem cabe acolhê-Lo com amor e adoração. Aquele que recebe o Espírito e se deixa por Ele conduzir, torna-se livre, como o vento, é uma nova criatura, tem uma nova compreensão e, finalmente, experimenta que Jesus, nosso Senhor, realmente veio de Deus não como um simples profeta realizador de sinais, mas como o próprio Filho, divino como o Pai.

É esta a experiência dos que foram batizados na Páscoa; é esta a nossa experiência: experimentar que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, Vivo e Vivificante, pleno do Espírito, Senhor que dá a Vida! Tal experiência é fruto da presença do Espírito de Cristo que recebemos nas águas batismais! Eis! Como os antigos hebreus atravessaram o Mar Vermelho, como Jesus atravessou o Mar da Morte, nós, atravessamos as águas batismais, deixando o Egito da velha vida para entrar na Terra Prometida que é a comunhão com o Pai através do Seu Filho Jesus Cristo, pois recebemos o Seu Espírito Santo!


domingo, 19 de abril de 2020

Em Cristo, a possibilidade de uma Vida realmente nova

Tome, Irmão, a Palavra das Escrituras, tão próprias para este Tempo Pascal: Cl 2,12-14. Aí, São Paulo faz três afirmações de profunda penetração teológica:

1. “Com Cristo fostes sepultados no Batismo; com Ele também fostes ressuscitados por meio da fé no Poder de Deus, que ressuscitou a Cristo dentre os mortos”.

Nunca será demais repetir e incutir no coração do Povo de Deus que os sacramentos não são simples cerimônias nem recordações meramente afetivas ou devocionais de Jesus, nosso Senhor. Ou, pior ainda: sacramento não é mágica, não são cerimônias privadas, festas sentimentais de família, celebrações íntimas e emotivas!

Eles são os sagrados mistérios, que realizam em cada cristão e na Igreja toda o Mistério salvador do próprio Cristo Jesus: celebrando-os, a Páscoa de Cristo, torna-se páscoa nossa; celebrando-os, a Vida do Cristo ressuscitado nos é dada verdadeiramente, já neste vida, como penhor da Vida eterna! Nos sacramentos, recebemos de modo próprio a cada um deles, o Espírito do Cristo imolado e ressuscitado, que nos dá a Sua Vida e nos configura a Ele, nosso Salvador e modelo.

É o caso do Batismo, de que fala o Apóstolo aqui: realmente por obra do “Poder de Deus” (que é o Espírito Santo), fomos realmente sepultados com Cristo na Sua morte e, com Ele, ressuscitados, já recebendo, aqui e agora, as primícias da Vida eterna, Vida divina.
Primeiro cremos (“por meio da fé”, diz São Paulo). Crendo, pedimos o Batismo, sacramento da fé, que nos dá o Santo Espírito, simbolizado e transmitido verdadeiramente pela água batismal.
O que esse Espírito faz em nós? Faz-nos primeiramente participantes da Morte de Cristo, mergulha-nos realmente, misteriosamente, na Sua Morte:

a. O homem velho começa a morrer em nós, pois a presença do Espírito abre-nos para Deus, corrigindo o fechamento próprio da nossa natureza pecadora. Esta bendita, eficaz e santa realidade iniciada no Batismo, prosseguirá, como um processo, por toda a duração da nossa existência neste mundo, até desabrochar plenamente na Glória!

b. As mortes (contradições e negatividades) da vida, vamos, então, vivenciando-as em união com Cristo, vamos morrendo com Ele, fazendo de tudo isso uma participação na Sua Morte redentora e sacerdotal. Assim, já não somos mais nós que vivemos, que sofremos, que lutamos, que adoecemos, que vencemos ou perdemos, mas é Cristo em nós! É toda a nossa existência que vai sendo conformada a Cristo Jesus, nosso Senhor! Nossa vida vai se tornando realmente vida em Cristo!

c. Mas também, com Ele, tudo isso vai se tornando vida nova, modo de viver que já nos prepara para a Vida eterna. É um mistério estupendo: já neste mundo, desde o Batismo, a Páscoa de Cristo vai acontecendo em nós, fazendo seu caminho na nossa vida – e isto é uma realidade enorme na nossa pobre existência: nosso viver se torna viver com Cristo, viver por Cristo, viver em Cristo, realmente! Podemos dizer, já agora: vivo com Cristo, com Cristo vou vivendo e morrendo com Cristo, até que a sua morte opere totalmente em mim e a Sua Vida ressuscitada me transfigure totalmente na hora final da minha Páscoa deste mundo para o Pai!

2. “Ora, vós estáveis mortos por causa dos vossos pecados, e vossos corpos não tinham recebido a circuncisão, até que Deus vos trouxe para a Vida, junto com Cristo, e a todos nós perdoou os pecados”.

É a confirmação do que afirmei logo acima: estávamos numa vida de morte, pois o pecado, a vida sem Deus nos mata ao tirar o verdadeiro sentido da existência: sem Deus, o homem não tem consistência e a vida padece de falta de um sentido mais profundo, que lhe dê um sentido global. Viver longe de Deus é viver na ilusão, na superficialidade, na morte. E aqui, não nos iludamos: não nascemos filhos de Deus, mas, por natureza “filhos da ira” (cf. Ef 2,3). Sem crermos em Jesus e receber o Seu Batismo, a ira de Deus permanece sobre nós (cf. Jo 3,36). Sem Cristo, estávamos mortos nos nossos pecados, sem Deus e sem esperança no mundo (cf. Ef 2,12). É somente em Cristo que a Vida divina e a divina Filiação nos são dadas no Seu Espírito Santo no Batismo!

Quando São Paulo diz que nossos corpos não tinham recebido a circuncisão, ele recorda que os colossenses, como também nós, não sendo judeus, não tinham a graça de ser Povo da Aliança. Ora, agora, com Cristo, batizados no Seu Espírito, o importante não é mais ser judeu ou grego, escravo ou livre: o que importa é, pela fé, aderir a Cristo e Nele ser batizados, sendo Nele mortos e ressuscitados!

3. “Existia contra nós uma conta a ser paga, mas Ele a cancelou, apesar das obrigações legais, e a eliminou, pregando-a na Cruz”.

O Apóstolo recorda a gravidade da situação humana: havia contra nós uma sentença de morte; “éramos, por natureza, filhos da ira” (Ef 2,3) e de Deus, éramos “inimigos, pelo pensamento e pelas obras más” (Cl 1,21) e a “ira de Deus” permanecia sobre nós (cf. Jo 3,36). Cristo rasgou esta sentença de morte na Sua bendita e salvífica Cruz! É importantíssimo observa como toda a nossa salvação depende de Cristo, está incluída na vitória Dele, é consequência dessa Sua vitória: “Nele fostes circuncidados” na circuncisão nova, que é o Batismo; “fostes sepultados com Ele” nas águas do Batismo, como Ele mesmo fora sepultados nas águas tremendas da morte; fomos vivificados “juntamente com Cristo”, saindo daquelas águas cheios do Espírito Santo, como o Cristo saiu da morte totalmente transfigurado na glória do Espírito do Pai!

Hoje, por infelicidade, há uma grande tendência a esquecer esta tremenda situação de pecado, escuridão e afastamento natural de Deus no qual a humanidade sem Cristo se encontra. Assim, também é impossível contemplar a novidade e a força, a graça e a bênção que significam a salvação em Cristo! Infelizmente, a ideologia do relativismo, do politicamente correto, do bom-mocismo e do multiculturalismo tende a enganar, insinuando que a humanidade é boazinha e tudo que ela produz é bom; cego e pervertido seria quem não visse a natural bondade da nossa cultura, tão livre, espontânea e cheia de boas intenções... Ora, isso é falso e contrário à concepção cristã! A humanidade, criada boa e essencialmente boa, é, no entanto, ferida, pervertida e, sozinha, não se encontra nem encontra o caminho; a humanidade é um poço de contradições (cf. Rm 7,14-25)... Somente em Cristo o homem encontra o perdão dos pecados e a paz com Deus, somente em Cristo o homem recebe a Vida eterna (cf. Jo 17,3; Ef 1,7)! Não há salvação possível fora de Cristo e Cristo é o único Salvador que Deus deu à humanidade: crer Nele e a Ele aderir é o caminho que Deus sonhou e deseja para todo homem que vem a este mundo (cf. Jo 1,9; 17,3; At 4,12)!

Medite sobre estas palavras do santo Apóstolo. Que cresça sempre mais nossa fé, nosso amor, nossa adesão total e incondicional ao Cristo, nosso Deus Salvador! Ele, ressuscitado dentre os mortos, Vencedor do pecado e da Morte, é o Homem Novo que salva, redime e renova verdadeiramente a humanidade: “Se alguém está em Cristo é nova criatura. Passaram-se as coisas antigas; eis que se fez realidade nova. Tudo isto vem de Deus, que nos reconciliou Consigo por Cristo” (2Cor 5,17s).

Portanto, hoje e sempre: Páscoa de Cristo, Páscoa da Igreja, nossa Páscoa, recebida no Batismo e celebrada, sempre nova, em cada Eucaristia! Feliz Páscoa, queridos Irmãos! Cristo ressuscitou! Ressuscitou verdadeiramente, aleluia!


sábado, 18 de abril de 2020

Homilia para o II Domingo da Páscoa - ano a

At 2,42-47
Sl 117
1Pd 1,3-9
Jo 20,19-31

Estamos ainda em pleno dia da Páscoa, “o Dia que o Senhor fez para nós” – é esta a Oitava da Santa Páscoa.
Se no dia mesmo da Ressurreição, a Liturgia centrava nossa atenção no próprio Senhor ressuscitado, vencedor da morte, hoje, neste Domingo da Oitava, a atenção concentra-se nos efeitos dessa vitória formidável para nós e para toda a humanidade.

Eis! O Senhor Jesus, morto como homem, morto na Sua natureza humana, foi ressuscitado pelo Pai, que derramou sobre Ele o Espírito Santo, Senhor que dá a Vida; como diz a Primeira Epístola de São Pedro: “Morto na carne, isto é, na Sua natureza humana, foi vivificado no Espírito, isto é, na força vivificante, que é o Espírito do Pai (cf. 3,18). E agora, cheio do Espírito, Jesus Senhor nos dá esse Dom divino, esse fruto da Sua Ressurreição. Sim, caríssimos: pleno do Espírito, a tal ponto de São Paulo exclamar “o Senhor é Espírito” (2Cor 3,17), Ele agora e para sempre, derrama o Seu Espírito sobre todo aquele que Nele crê e no Seu Nome for batizado!

Primeiro dá-Lo aos Seus apóstolos “ao anoitecer daquele dia, o primeiro depois do sábado”. Passou o sábado dos judeus, passou a Lei de Moisés, passou a antiga criação. E Jesus ressuscitado sopra sobre os Apóstolos o Espírito Santo, recebido do Pai na Ressurreição: “Como o Pai Me enviou na potência do Espírito, também Eu vos envio agora na força desse mesmo Espírito! Recebei, pois, o Espírito Santo, dado para gerar o mundo novo, o homem novo, o homem segundo a Minha imagem, o homem transfigurado, reconciliado, na paz, no shalom com Deus! Paz a vós! Por todas as gerações os pecados do mundo serão perdoados nesse dom do Meu Espírito!” Assim começa o cristianismo, assim ganha vida a Igreja: no Espírito do Ressuscitado, Espírito ressuscitante, “Senhor que dá a Vida”!

Os Apóstolos agora, recebendo o Espírito, recebem a Vida nova do Cristo, a Vida que dura para a Eternidade. Esse mesmo Espírito, nós O recebemos nas águas do Batismo e na comunhão com o Sangue do Senhor na Eucaristia, prefigurados no sangue e na água brotados do Coração do Salvador entregue por nós (cf. Jo 19,34). Por isso mesmo, a oração da Missa hodierna nos pede a graça de compreender melhor, isto é, de viver intensamente na vida “o Batismo que nos lavou, o Espírito que nos deu nova Vida e o Sangue que nos lavou”. Em outras palavras: pela participação aos santos sacramentos, sobretudo o Batismo e a Eucaristia, nós recebemos continuamente o Espírito do Ressuscitado e, assim, recebemos a Sua nova Vida, a Vida que nos renova já aqui, neste mundo, e nos dá a Vida eterna, preparando para a plenitude do Reino, na Glória. Por isso a segunda leitura de hoje nos diz que o Pai, “em Sua grande misericórdia, pela Ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, nos fez nascer de novo, para uma esperança viva, para uma herança incorruptível”, reservada para nós nos Céus! A Ressurreição de Cristo é garantia da nossa, o Seu Espírito, que nós recebemos, é semente e garantia de Vida eterna e, por isso, é causa de alegria e força para nós, cristãos. Nós recebemos a Vida eterna, nós cremos na Vida eterna, nós já vivemos tendo em nós as sementes da Vida eterna! (cf. Jo 6,54)

Mas, estejamos atentos: esta nossa fé na Ressurreição não é uma teórica e distante esperança, mas tem consequências concretas para nós: “Os que haviam se convertido eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos apóstolos, na comunhão fraterna, na fração do pão e nas orações. Todos os que abraçavam a fé viviam unidos e colocavam tudo em comum...” Eis: a fé na Ressurreição do Senhor, a vida vivida na Vida nova que Cristo nos concedeu, faz-nos existir de um modo novo, iluminados por uma nova regra de vida (o ensinamento dos apóstolos e seus sucessores), sustentados pela fração do Pão eucarístico e testemunhas de uma vida de comunhão, de amor fraterno, de mansidão, de coração aberto para Deus e os irmãos.

Mais uma coisa: estejamos atentos para um fato importantíssimo: a Ressurreição do Senhor não é uma fábula, não é um mito, não é uma parábola. O Senhor realmente venceu a morte, realmente entrou no Cenáculo e realmente Tomé, admirado e envergonhado, feliz pelo Senhor e triste por sua incredulidade, tocou as mãos e o lado do Senhor vivo, ressuscitado! Por isso, o cristão não se apavora diante dos reveses da vida, dos compromissos e renúncias pelo testemunho de Cristo e nem mesmo diante da morte: “Sem ter visto o Senhor, vós O amais. Sem o ver ainda, Nele acreditais. Isso será para vós fonte de alegria indizível e gloriosa, pois obtereis aquilo em que acreditais: a vossa salvação”. Esta é a nossa fé, a nossa esperança, a firme certeza da nossa existência neste mundo e naquele que há de vir! Por tudo isto, continuamos a dizer, de coração: Feliz Tempo Pascal, Irmãos! Que vossa Páscoa permaneça para sempre! Amém.


sexta-feira, 17 de abril de 2020

O Autor da nossa Salvação

Meu caro Irmão - a quem tanto prezo e de quem me sinto sempre devedor pela paciência de ler meus escritos e pela confiança de querer conhecer um pouco das minhas ideias -, nestes santos dias pascais, convido-o a considerar Hb 2,9-11, uma perícope rica e de grande intensidade. Vale a pena algumas considerações para a nossa comum edificação.

1. “Vemos a Jesus, que foi feito, por um pouco, menor que os anjos, por causa dos sofrimentos da morte, coroado de honra e de glória”. Eis, que visão impressionante: o Filho eterno, esplendor da Glória do Pai e expressão do Seu Ser, que sustenta o universo com o poder de Sua Palavra (cf. Hb 1,3), vemo-Lo feito pouco menor que os anjos. É o mistério do esvaziamento do nosso Salvador que, fazendo-Se homem, por natureza humana, inferior aos anjos, humilhou-Se, murchou na Sua Glória para nos salvar. E por isso, está agora, na Sua humanidade igual à nossa, coroado de honra e de glória. Atenção, aqui, para um dado importante: o cristão não vê mais simplesmente o Jesus de Nazaré, na Sua condição de humilhação, nos dias de Sua carne morta; aquele Jesus de Nazaré que poderia ser visto, de certo modo, pelos que O amavam neste mundo e até mesmo, em carta medida, por qualquer pessoa, como um Caifás, um Herodes, um Pilatos! O nosso Salvador agora é o Senhor glorificado e somente pode ser percebido e experimentado na luz e na força do Seu Espírito. Por isso, o Apóstolo afirma: “Se conhecemos Cristo segundo a carne, agora já não O conhecemos assim. Se alguém está em Cristo é nova criatura. Passaram-se as coisas antigas; eis que se fez realidade nova” (2Cor 5,16). Observe que a nova Vida glorificada que o Senhor glorioso, Novo Adão (cf. Ef 4,20-24), agora possui, nos renova também: batizados em Cristo, somos todos novas criaturas!

2. “É que pela graça de Deus Ele provou a morte em favor de todos os homens”. Eis o motivo dessa humilhação: o Pai, na Sua graça inesgotável, num excesso de amor absolutamente gratuito pela humanidade e a criação inteira entregou o próprio Filho pela humanidade toda (cf. Jo 3,16). E O entregou até à morte: Ele, de fato, experimentou a terrível realidade da morte. A morte do Senhor Jesus não foi um acidente, não foi algo fortuito, não foi uma questão de simples trama humana ou punição a um profeta incômodo ou um pretenso agitador social, que Jesus nunca foi, a não ser na cabeça de certos estudiosos teimosos, minados por ideias de esquerda revolucionária. Jesus nosso Senhor morreu dentro de um plano sábio, misterioso e presciente do Senhor Deus (cf. At 3,18; 4,28; 1Pd 1,19-20). Segundo o desígnio do Senhor Deus, Ele, o Senhor Jesus, morreu como nós para que nós não morramos sozinhos, mas morramos Nele e com Ele! Observe com atenção que este sofrimento que o Salvador sofreu é caminho para a Glória eterna: não é um simples padecimento fechado em si, que em si mesmo termina. Não é simplesmente a morte de Cristo que nos salva: é muito mais: o Seu caminho de Cruz, Morte e Ressurreição: feito homem, inferior aos anjos, assumiu o sofrimento para ser coroado de Glória em nosso favor, isto é para nos levar com Ele e Nele!

3. “Convinha que Aquele por Quem e para Quem todas as coisas existem, querendo conduzir muitos filhos à Glória, levasse à perfeição, por meio dos sofrimentos, o Iniciador da salvação deles”. Coisas misteriosas nos são ditas aqui! O Pai ama toda a Sua criação: Dele, Nele e para Ele tudo existe e tudo é amado (cf. Sb 11,24-26/25-26; At 17,28). Ora, o Senhor Deus quis nos salvar, quis nos dar a plenitude de Sua Vida divina, levando-nos à perfeição, através do Seu Filho. Como? Primeiro, o Filho fez-Se homem, assumindo nossa pobre condição de criaturas limitadas, tornando-Se mesmo inferior aos anjos. Humanamente, o Filho limitou-Se, esvaziou-Se, “tomando a forma de Servo” (cf. Fl 2,7). Mas, atenção: tudo isto para Se fazer igual a nós, num impressionante mistério de solidariedade com a humanidade e a criação inteira (cf. Hb 2,12.13.17; 4,15) Assim, o Filho, na Sua natureza humana, limitada igual à nossa, teria que ser preenchido da Vida divina do Pai para, pleno de Divindade na Sua pobre humanidade, derramar essa Divindade (que é o próprio Espírito Santo) sobre nós, pobres e limitados humanos, levando-nos à plenitude criatural. É este o sentido da expressão “levasse à perfeição”, isto é, “levasse à plenitude”, pois o Senhor Deus criou tudo perfeito, mas limitado e destinado à plenitude criatural, que somente poderia acontecer quando da efusão da plenitude do Espírito de Ressurreição.
E qual o caminho para o Filho chegar à essa plenitude? Eis a surpreendente reposta: o esvaziamento até a morte de Cruz! Esvaziando-Se totalmente de Si até a morte de Cruz, o Filho, na Sua humanidade, foi totalmente preenchido pelo Pai, foi transfigurado em Glória divina e derramou sobre nós essa Glória, que é o próprio Espírito Santo (cf. At 2,33). Mas, nunca esqueçamos: o caminho para isso foi a terrível experiência do sofrimento físico, moral, psicológico e espiritual – foi isto todo o mistério da vida do Senhor, até a Sepultura! Foi assim que Jesus, o nosso. Cristo, tornou-Se o Autor-Iniciador da nossa salvação: Ele Se fez um de nós, desposou intimamente, na Sua Encarnação, a nossa humana aventura, partilhou o nosso sofrimento até a morte, numa misteriosíssima solidariedade entre Santificador e santificados! Por isso mesmo Ele é nosso modelo, é Autor e Consumador da nossa fé (cf. Hb 12,2) e “levado à perfeição, Se tornou para todos os que Lhe obedecem – isto é, para todos os que O segurem, caminhando no Seu caminho – princípio de salvação eterna” (Hb 5,9). Princípio, aqui, significa, modelo, motivo, causa, critério.

4. “Pois tanto o Santificador quanto os santificados, todos, descendem de um só; razão por que não Se envergonha de os chamar irmãos”. O Santificador é Cristo, nosso Sumo e Eterno Sacerdote, princípio de salvação eterna (cf. Hb 5,9), que por nós mesmos Se santificou, isto é, consagrou-Se ao Pai (cf. Jo 17,19). Os santificados são todos os que Nele creem e no Seu Nome são batizados (cf. Jo 1,12s; 17,17; Tt 3,4-7). Mas, o que significa que “todos descendem de um só”? Ao fazer-Se homem, Cristo, como todo o ser humano, tornou-Se descendente de Adão (cf. Lc 3,38) e, assim, fez-Se solidário com a nossa raça em tudo, exceto no pecado. Mas, veja-se que beleza: se Ele, pela nossa natureza assumida na Encarnação, fez-Se solidário conosco na fraqueza, ao ser glorificado no Espírito de Santidade (cf. Rm 1,4; 1Tm 2,16), fez-nos solidário Consigo na perfeição da Glória! Em palavras lapidares: fez-Se solidário conosco na condição de humilhação para nos fazer solidários com Ele na condição de glorificação!
Eis: fazendo-Se um de nós, Jesus tornou-Se verdadeiramente Cabeça de toda a humanidade. Pela Sua Morte e Ressurreição e o dom do Espírito, Ele Se uniu a nós para sempre, de modo que Suas dores tornam-Se nossas e Seu Triunfo é penhor do nosso. Também nossas dores tornam-Se Dele, de modo que podemos “completar na nossa carne o que faltou da Sua Paixão” (Cl 1,24), enquanto esperamos a graça de participar plenamente da Sua Vitória, na Glória eterna, plenitude do Reino. Trata-se, aqui, de uma profunda e real comunhão nossa com o Senhor Jesus. Comunhão que se dá no Espírito Santo recebido no Batismo e celebrada, colocada em ato sempre de novo e aprofundada em cada Eucaristia e tornada presente, de certo modo, em cada sacramento. É por isto que a Igreja toda é um grande sacramento, como sacramentos também são os mistérios de Cristo: o sacramento da Encarnação, o sacramento do Natal, o sacramento da Páscoa, etc. Que graça, que sentido de existência, que luz, estarmos unidos ao Salvador, seja no sofrimento seja na alegria, seja na morte seja na vida! E isso é uma real e consoladora realidade!


quinta-feira, 16 de abril de 2020

Cristo, nossa Páscoa eterna

Eis uma parte da belíssima e comovente Homilia de Páscoa do santo Bispo Melitão de Sardes, do século II:

Muitas coisas foram preditas pelos profetas sobre o mistério da Páscoa, que é Cristo, a Quem seja dada a glória pelos séculos dos séculos. Amém (cf. Gl 1,5). (Observação minha: Mais que uma festa, a Páscoa é uma Pessoa. No Antigo Testamento, chamava-se “Páscoa” ao cordeiro pascal, comer a Páscoa era comer o cordeiro pascal judaico. Agora, nossa Páscoa é Cristo, o Cordeiro imolado. É Ele quem nos faz passar deste mundo para o Pai).
Ele desceu dos Céus à terra para curar a enfermidade do homem; revestiu-Se da nossa natureza no seio da Virgem e Se fez homem; tomou sobre Si os sofrimentos do homem enfermo num corpo sujeito ao sofrimento, e destruiu as paixões da carne; Seu espírito, que não pode morrer, matou a morte homicida (Observação minha: Aqui, é necessário ter cuidado com a linguagem teológica. “Espírito”, neste contexto, não é a alma de Jesus nem o Espírito Santo, mas sim Sua Pessoa divina, a segunda da Santíssima Trindade, que assumiu nossa natureza humana).

Foi levado como cordeiro e morto como ovelha; libertou-nos das seduções do mundo, como outrora tirou os israelitas do Egito; salvou-nos da escravidão do demônio, como outrora fez sair Israel das mãos do faraó; marcou nossas almas com o sinal do Seu Espírito e os nossos corpos com Seu Sangue. Foi Ele que venceu a morte e confundiu o demônio, como outrora Moisés ao faraó. Foi Ele que destruiu a iniquidade e condenou a injustiça à esterilidade, como Moisés ao Egito. Foi Ele que nos fez passar da escravidão para a liberdade, das trevas para a Luz, da morte para a Vida, da tirania para o Reino sem fim, e fez de nós um sacerdócio novo, um Povo eleito para sempre. Ele é a Páscoa da nossa salvação (Observação minha: É importante notar como toda a Páscoa de Cristo é compreendida como sendo o cumprimento e plenitude da Páscoa dos judeus. Tudo, na Páscoa judaica, era preparação para a Páscoa de Cristo, que é causa e modelo da nossa Páscoa. Um cristão, se deseja compreender os textos e eventos da Antiga Aliança, tem que relê-los sempre à luz do Cristo nosso Deus e Páscoa definitiva. Aliás, esta é a miséria sem cura da leitura das Escrituras feita nas seitas pentecostais. É um caso sem solução, um desastre total!).

Foi Ele quem tomou sobre Si os sofrimentos de muitos: foi morto em Abel; amarrado de pés e mãos em Isaac; exilado de sua terra em Jacó; vendido em José; exposto em Moisés; sacrificado no cordeiro pascal; perseguido em Davi e ultrajado nos profetas. Foi Ele o cordeiro que não abriu a boca, o cordeiro que não abriu a boca, o cordeiro imolado, nascido de Maria, a bela ovelhina; retirado do rebanho, foi levado ao matadouro, imolado à tarde e sepultado à noite; ao ser crucificado, não Lhe quebraram osso algum, e ao ser sepultado, não experimentou a corrupção; mas ressuscitando dos mortos, ressuscitou também a humanidade das profundezas do sepulcro (Observação minha: Que beleza de leitura da Escritura! O Autor, inspirado na liturgia da Igreja e no modo cristão de ler a Bíblia, vê a prefiguração de Cristo em todo o Antigo testamento! Tudo preparava para Ele, tudo era profecia sobre Ele, tudo se cumpre Nele e, misteriosamente, Ele já estava presente, de certo modo, em tudo isto! Ele é a Palavra abreviada, que sintetiza tudo quanto Deus nos disse e fez por nós!).


quarta-feira, 15 de abril de 2020

Ao Ressuscitado, Amigo dos Homens, com amor e admiração!

Para a sua oração, eis alguns belíssimos textos da Liturgia Bizantina.

Aquele que quis ser por nós crucificado na carne,
padeceu, foi sepultado e ressuscitou dentre os mortos.
A Ele cantamos e clamamos:
ó Cristo, firma a Tua Igreja na verdadeira fé
e, na Tua bondade e amor pelos homens,
pacifica a nossa vida!

Rei do Céu e da terra, Tu, que o universo não pode conter,
no Teu amor pelos homens quiseste sofrer a Cruz.
Quando desceste à Profundezas, o Inferno ficou desolado,
mas as almas dos justos Te receberam com alegria.
Ao ver-Te nos Infernos, ó Deus criador, Adão ressuscita!
Verdadeira maravilha!
Como pôde experimentar a morte, Aquele que é nossa Vida?
Mas Ele quis fazer Sua luz brilhar sobre o universo,
que eleva a voz para cantar:
Ressuscitado dentre os mortos, Senhor, glória a Ti!

Apesar dos selos colocados sobre a tumba
e dos soldados guardando Teu corpo imaculado,
Tu ressuscitaste ao Terceiro Dia,
dando a Vida ao mundo, ó Deus salvador,
e do alto do Céu, os Anjos Te cantam como à Fonte da Vida:
Glória à Tua Ressurreição, ó Cristo!
Glória ao Teu Reino!
Glória à Tua obra de salvação, Senhor, Amigo dos homens!

Cravado na Cruz, ó Caminho universal,
e contado entre os mortos, ó Senhor imortal,
ao Terceiro Dia Tu ressuscitaste, ó Salvador,
para erguer Adão da poeira do sepulcro.
Os poderes dos Céus também Te aclamam, ó fonte da Vida:
Glória a Tua divina Paixão, ó Cristo!
Glória à Tua Ressurreição!
Glória à Tua condescendência, ó único Amigo dos homens!


domingo, 12 de abril de 2020

Homilia para o Dia da Páscoa

Hoje é o dia mais solene do ano: é a Páscoa!

Aquele que vimos envolto em sangue, tomado pelas dores da morte na Sexta-feira, Aquele que velamos respeitosamente no silêncio da morte no Sábado, agora proclamamo-Lo Ressuscitado, Vivo, Vitorioso!

Hoje pela manhã, “quando ainda estava escuro”, nossas irmãs foram ao túmulo e encontraram-no aberto e vazio! Elas correram apavoradas: foram contar ao nosso líder, Simão Pedro. Ele foi também ao túmulo com o outro discípulo, aquele a quem Jesus amava: viram as faixas de linho no chão... O túmulo estava vazio... O que acontecera? Roubaram o corpo? Os judeus levaram-no? Que houve? Que ocorrera?

Na tarde de hoje, dois outros irmãos nossos estavam voltando para Emaús, sem esperança nenhuma: voltavam para sua vida de cada dia; estavam deixando a Comunidade dos discípulos, a Igreja que ia nascer: Jesus morrera, tudo acabara, a esperança fora embora... Mas, um Desconhecido começou a caminhar com eles, e lhes falava sobre tudo quanto a Escritura havia predito a respeito do Messias: Sua pregação, Suas dores, Sua derrota, Sua morte, Sua vitória final... E o coração daqueles dois começou a encher-se de nova esperança, a arder de alegria! Eles, agora, começavam a compreender: tudo quanto havia acontecido com Jesus não fora simplesmente um cego absurdo, uma loucura, um sinal de maldição! Tudo fazia parte de um incrível projeto de amor do Pai: “Será que o Cristo não devia sofrer tudo isso para entrar na Sua Glória?” E, o que é mais impressionante: ao sentarem-se à mesa, o Desconhecido tomou a iniciativa, não esperou o dono da casa: pegou o pão e deu graças, partiu-o.... Coisa impressionante, irmãos: os olhos daqueles dois se abriram, e eles o reconheceram: era Jesus! Jesus vivo! Jesus reconhecido nas Escrituras e no partir o pão! Como mais uma vez, acontecerá agora, nesta Missa! Os dois voltaram, imediatamente a Jerusalém e, lá, a alegria foi maior ainda: os apóstolos confirmaram: “Realmente, o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão Pedro!”

Irmãos, por esta fé nós vivemos, por esta fé somos cristãos, por esta fé empenhamos a vida toda! Neste Dia santíssimo, Jesus entrou na Glória do Pai. Nós continuamos aqui; Ele já não mais está preso a dia algum, a tempo algum, a limitação alguma: Ele entrou na Eternidade de Deus, na plenitude do Seu Deus e Pai! Irmãos, escutai: a Morte, hoje, foi vencida! Jesus abriu o caminho, Jesus atravessou o tenebroso e doloroso mar da Morte, Jesus entrou no Pai! Jesus “passou”, fez Sua Páscoa!

Mas, não só: Ele fez isso por nós, por cada um de nós: “Vou preparar-vos um lugar... a fim de que, onde Eu estiver, estejais vós também” (Jo 14,2-3). Ele, que morrera da nossa Morte, tem agora o poder de nos dar a Sua vitória. Para isso, irmãos, Ele nos deu, no Batismo, o Seu Espírito de ressurreição, o mesmo no qual o Pai O ressuscitou na madrugada de hoje!

Irmãos, eis a Páscoa de Cristo e nossa! Na certeza desta Vida nova, renovemos nossa própria vida! “Se ressuscitastes com Cristo, esforçai-vos para alcançar as coisas do Alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus!” Vivamos uma Vida nova em Cristo! Crer na Sua Ressurreição, viver Sua Vida de ressuscitado é, já agora, viver numa perspectiva nova, viver com o olhar a partir da Eternidade. São Paulo nos diz, para a Festa de hoje: “Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imolado. Celebremos a Festa, não com o velho fermento, nem com o fermento da maldade ou da perversidade, mas com os pães sem fermento de pureza e de verdade”. É o pão sem fermento, pão ázimo, da Eucaristia que vamos comer daqui a pouco; pão que é o próprio Cordeiro imolado, Cordeiro pascal, Cordeiro que tira o pecado do mundo! Nós vamos entrar em comunhão com Ele, vivo e vencedor!

Irmãos, Irmãs!

            Pelo dia de hoje, não mais tenhamos medo do pecado, da maldade e da morte!
            Pela festa deste hoje bendito, abramos nosso coração a Deus e aos irmãos!
            Pela Páscoa que estamos celebrando, perdoemo-nos, acolhamo-nos e demo-nos a paz!
            
            Terminemos com as comoventes palavras da Liturgia Bizantina:

Dia da Ressurreição,
resplandeçamos, ó povos!
Páscoa do Senhor! Páscoa!
Cristo Deus nos fez passar
da morte à Vida, da terra ao Céu,
entoando o hino de Sua vitória!
Purifiquemos os sentidos e veremos
a Luz inacessível da Ressurreição
a Cristo resplandecente
que diz: Alegrai-vos!

Exultem os Céus e a terra.
Exulte o universo inteiro, visível e invisível:
Cristo ressuscitou. Alegria eterna!
Exultem os Céus e exulte a terra,
faça festa todo o universo
visível e invisível.
Alegria eterna,
porque Cristo ressuscitou!

Dia da Ressurreição,
resplandeçamos, ó povos:
Cristo ressuscitou dentre os mortos,
ferindo com Sua Morte a própria morte
e dando a Vida aos mortos em seus túmulos.
Ressurgindo do túmulo,
como havia predito
Jesus nos deu a Vida eterna e a grande misericórdia!

Este é o Dia que o Senhor fez:
seja ele nossa alegria e nosso gozo!
Páscoa dulcíssima,
Páscoa do Senhor, Páscoa!
Uma Páscoa santíssima nos amanheceu.

Páscoa! Plenos de gozo,
abracemo-nos todos!
Ó Páscoa, que dissipas toda tristeza!
É o Dia da Ressurreição!
Irradiemos alegria por tal Festa,
abracemo-nos mutuamente
e chamemos de irmãos até àqueles que nos odeiam;
perdoemos-lhes tudo
por causa da Ressurreição,
e gritemos sem cessar dizendo:

Cristo ressuscitou dentre os mortos,
ferindo a morte com a Sua Morte
e dando a Vida aos mortos em seus túmulos!

Amados Irmãos, queridas Irmãs, Surrexit Dominus vere! O Senhor ressuscitou verdadeiramente! Aleluia! Feliz Páscoa!


sábado, 11 de abril de 2020

Homilia para a Vigília Pascal - ano a

Irmão caríssimos, Cristo, o nosso Senhor, o nosso Cordeiro pascal, suspenso na Cruz como homem de dores, feito nosso Sumo Sacerdote, nosso Salvador, Ele, Cristo, ressuscitou!
Ouçamos atentamente, nesta Noite santíssima - Noite testemunha do túmulo vazio, Noite bendita, clara como o dia -, ouçamos as santas palavras do Evangelho! Era após o sábado dos judeus, sábado da antiga criação, sábado da antiga Lei, da antiga Aliança. Era “após o sábado”... (v. 1). Era o raiar de um dia novo, “o primeiro dia” (v. 1), como na criação, quando o Senhor Deus disse: “Haja luz” (Gn 1,3) e houve luz e Deus viu que era bom (cf. Gn 1,2). Era o raiar, o despontar luminoso do primeiro dia do mundo, do mundo novo, mundo Daquele que veio para fazer novas todas as coisas (cf. 2Cor 5,17; Ap 21,5)!
E as mulheres, nossas irmãs, vieram ao jardim; vieram “para ver o sepulcro” (v. 1), para ver o lugar de um morto, Daquele que fora crucificado (cf. v. 5)!
E o Anjo do Senhor, poderoso, forte, fulgurante como um relâmpago (cf. v. 3), anunciou-lhes: “Ele não está aqui, pois ressuscitou, como havia dito!” (28,5) Eis a notícia, eis o Evangelho, eis a causa da nossa alegria, a razão da nossa esperança, eis a certeza da nossa vida: o nosso Salvador, Jesus Cristo, venceu a morte, saiu dela, levantou-Se dela, entrou na Glória do Pai: Cristo ressuscitou como havida dito! Ele é potente, Ele é verdadeiro, Ele é fiel, Ele é vitorioso, Ele ressuscitou do meio dos mortos! Ele, o mesmo que havia dito que ressuscitaria, dissera também que nos prepararia um lugar e onde Ele estivesse em Glória, estaríamos nós também (cf. Jo 14,1-3).
Alegrai-vos! Alegremo-nos! Alegre-se a Igreja! Rejubile a humanidade! Cristo ressuscitou e, Nele, nós ressuscitaremos! Cristo venceu a morte e, Nele, nós venceremos! Cristo entrou na plenitude da Vida divina e, Nele e com Ele, nós também entraremos! Páscoa de Cristo Jesus, nossa Páscoa, Páscoa do mundo!

Irmãos, observai o Evangelho que escutamos: tudo é surpresa, é alegria, é pressa, é colocar-se a caminho! Era necessário que as mulheres, nossas irmãs, corressem até os discípulos e lhes anunciassem a grande novidade: Ele ressuscitou! Venceu a morte! Ele os precederia na Galileia, na região mestiça, habitada por judeus e gentios, “Galileia das nações” (Mt 4,15) Seria lá, na Galileia que representa todos os povos, lá, no meio do mundo, não mais em Jerusalém, não mais nos limites do judaísmo, do Templo, da Lei de Moisés, a partir de agora será no meio das nações que o Ressuscitado espera os Seus; é lá que poderão vê-Lo! Ele os precede, vai adiante, os espera, os acompanha, os protege, estará sempre com eles, lá, no mundo! É assim que também nós poderemos encontrá-Lo, experimentar a Sua presença e Sua companhia. Lá poderemos comprovar a Sua palavra: “Eis que estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos” (Mt 28,20).
Queridos irmãos, eis o que nos diz o Senhor: somente quando tivermos coragem de testemunhá-Lo diante dos outros, de irmos ao mundo, aos outros, é que poderemos vê-Lo, isto é, experimentá-Lo vivo, com toda a Sua força! Isto vale para cada discípulo, isto vale para toda a Igreja, sobretudo para os seus pastores! Vamos, pois, corramos “comovidos” (v. 8), como as mulheres, para anunciar que o Senhor ressuscitou! Porque elas foram, porque não receberam a notícia com medo, com dúvidas, com covardias e hesitações, mas com coragem e entusiasmo, Jesus veio ao encontro delas (cf. v. 9), o Senhor lhes deu a Sua alegria e entusiasmo pascal: “Alegrai-vos! Não temais” – Ele lhes disse (vv. 9s). E as confirmou na missão de toda a Igreja: “Ide anunciar aos Meus irmãos que se dirijam à Galileia; lá Me verão!” (v. 10).

Caríssimos, Cristo, por nós, foi crucificado; Cristo, por nós, morreu; Cristo ressuscitou! E, agora, chama-nos de “Meus irmãos”! Caríssimos, o nosso Irmão Jesus ressuscitou! Ele é o Vivente (cf. Ap 1,18), Ele é o Senhor (cf. Fl 2,11)! Ide, anunciai com a palavra e com a vida esta mensagem pascal ao mundo! E que a luz pascal ilumine todas as nossas trevas e as escuridões do mundo! Feliz Páscoa a todos! Surrexit Dominus vere! Alleluia!