Is 35,4-7a
Sl 145
Tg 2,1-5
Mc 7,31-37
O Evangelho deste Domingo apresenta-nos um homem surdo e gago que é colocado diante de Jesus para que Ele o cure.
Quem é o surdo-gago?
É a humanidade, enquanto fechada para o dom de Deus que Jesus nos traz.
Surda, porque incapaz de ouvir a Palavra, ouvi-la compreendendo-a, acolhendo-a no coração, deixando-a verdadeiramente impregnar toda a existência: “tem ouvido para ouvir, mas não ouve” (Jr 5,21; cf. Mt 13,14-15).
Esta é a tendência do coração humano, que a Escritura sempre denunciou: o fechamento para não acolher a proposta que Deus nos faz, de um caminho com Ele, a tendência de nos fechar em nós e viver a vida como se fosse nossa de modo absoluto: “Escutai, prestai ouvidos, não sejais orgulhosos, porque o Senhor falou!” (Jr 13,15); “Ah! Se meu povo Me escutasse, se Israel andasse em Meus caminhos... Mas Meu povo não ouviu a Minha voz, Israel não quis saber de obedecer-Me; então os entreguei ao seu coração endurecido: que sigam seus próprios caminhos!” (Sl 81/80,14.13). Assim, no fundo, é o fechamento para Deus, para um Deus verdadeiro, a resistência em realmente levar a sério o primeiro mandamento: “Ouve, ó Israel!” (Dt 6,4).
Nossa civilização ocidental, do alto da sua ilusória autossuficiência, tem sido particularmente fechada à Palavra do Senhor: construímos a sociedade e construímos nossa vida privada, nossos valores morais, nossas escolhas, do nosso modo, sem realmente ouvir a proposta e o caminho que o Senhor nos indica. Reunimos e escutamos os especialistas: economistas, antropólogos, sociólogos, sexólogos, psicólogos, cientistas da religião... mas, para nós, o Senhor não tem mais nada a dizer! Os gurus são os economistas e psicólogos, é o intelectual de moda, o sabichão de plantão, são os livros de autoajuda... Somos uma geração de surdos!
Ora, se somos surdos, também não podemos falar com clareza: nossas ideias são embotadas, nossos debates, nossas palavras, não chegam ao essencial da vida, do sentido da existência, não podemos proclamar de verdade a alegria da salvação, da plenitude de quem sabe de onde vem e para onde vai. A comunicação se torna oca, alienada e alienante; a palavra, ao invés de comunicar, serve à mentira, ao engano, à divisão, à violência. Basta observar o que os meios de comunicação veiculam, o que as redes sociais comunicam e as mentiras dos programas eleitorais! Por isso, Jesus cura primeiro a surdez e, depois, a gagueira do homem. Quando ele puder ouvir o Senhor, tornando-se discípulo pela fé, também poderá falar, proclamar a ação de Deus em Jesus: do Deus que salva e nos mostra o sentido da vida, abrindo-nos a esperança eterna!
Sigamos agora os detalhes da narração de Marcos:
(1) Trouxeram o homem surdo-gago para que Jesus o curasse. “Jesus afastou-Se com o homem para fora da multidão” – bem ao contrário dos curadores de televisão, que exploram seus “milagres” e “curas” como shows, Jesus procura evitar todo sensacionalismo: Ele quer Se encontrar realmente com aquele homem, pessoa a pessoa, coração a coração, quer que aquele homem O descubra como sua salvação;
(2) “Em seguida, colocou os dedos nos seus ouvidos, cuspiu e com a saliva tocou a língua dele” – o homem, sendo surdo, somente poderia compreender a linguagem dos símbolos, dos sinais; é a que Jesus empregou: toca os dedos que, para os antigos, transmitiam poder (cf. Ex 8,15) e, depois, toca sua língua com a saliva, significando o dom do Espírito que cura e liberta. Para os antigos, a saliva era o Espírito em estado líquido (a ideia é estranha, mas é preciso que nos transportemos para o modo de pensar semítico)!
(3) “Olhando para o céu, suspirou e disse: ‘Ephatà’”. Assim, Jesus indica que a salvação que Ele traz procede do Pai, que O enviou, é sinal do Reino do Pai, trazido pelo divino Filho na potência, na energia, na vitalidade do Espírito. Mais ainda: ao suspirar, ao gemer, Ele exprime Sua compaixão, Sua dor pela situação humana;
(4) “Imediatamente seus ouvidos se abriram, sua língua se soltou e ele começou a falar sem dificuldade”. Somente Jesus, com o poder do Seu Espírito, pode curar o homem de seu fechamento para escutar e para proclamar. Sim, porque também nossa geração cristã é, muitíssimas vezes, além de lenta para escutar, covarde para proclamar, para professar sem medo e respeito humano nossa fé. O cristão ou é testemunha ou não é cristão: “Não podemos, nós, deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos. Nós somos testemunhas destas coisas, nós e o Espírito Santo” (At 4,20; 5,32).
Este caminho do surdo-gago é urgente para o cristão: reaprender a escutar de verdade Jesus (crer Nele de verdade) e falar Dele ao mundo no testemunho corajoso, pois, somente assim, a humanidade atual encontrará a paz que tanto almeja.
Somente em Cristo aquilo que a primeira leitura vislumbra e anuncia de modo tão belo, pode realizar-se: “Dizei às pessoas deprimidas: ‘Criai ânimo, não tenhais medo! Vede! É o nosso Deus que vem; é Ele que vem para salvar!’ Então se abrirão os olhos dos cegos e se descerrarão os ouvidos dos surdos. O coxo saltará como um cervo e se desatará a língua dos mudos, assim como brotarão águas no deserto e jorrarão torrentes no ermo. A terá árida se transformará em lago, e a região sedenta, em fontes d’água” – Que imagens impressionantes, belas, evocativas! Quando Deus vem, quando Ele está presente, tudo é vida, tudo é plenitude, tudo canta de alegria! Não é disso que nosso mundo atual tanto precisa? Mas, o homem fechado na sua soberba – nós, fechados na nossa autossuficiência e no nosso comodismo! – jamais vai experimentar isso!
Para acolher na alegria e simplicidade, é necessário reconhecer-se necessitado, como o surdo-gago, que procurou Jesus, para que lhe impusesse as mãos: somente quem é pobre diante de Deus, quem se reconhece pequeno diante do Altíssimo, pode abrir-se para a salvação e recebê-la do Senhor! Daí a lembrete de São Tiago: “Não escolheu Deus os pobres deste mundo para serem ricos na fé e herdeiros do Reino que prometeu aos que O amam?” São palavras que nos incomodam e até escandalizam: Deus prefere os pobres, porque os pobres são abertos para Deus. Eles conseguem experimentar dolorosamente na carne aquilo que nós tentamos esquecer ou temos dificuldades para compreender: que somos todos pobres, necessitados, pequenos diante de Senhor Deus, único Bem e fonte de todo bem, única Riqueza e fonte de toda riqueza verdadeira! Com nossas posses, nossa ciência, nossa tecnologia e nossas seguranças, apoiamo-nos em nós mesmos, tornando-nos surdos e mudos para o Senhor!
O pobre é profético sempre, porque recorda o que nós somos e, quando descobrimos isso, podemos ser curados de nossa autossuficiência surda e libertados de nossa preguiça muda. O salmo da Missa de hoje canta exatamente esta experiência: Deus salva o pobre, o pequeno, o desvalido!
Se o pobre é sempre profeta, sempre uma palavra de Deus ao nosso lado e, mais ainda, é presença do próprio Cristo, que sendo rico Se fez pobre (cf. 2Cor 8,9) - “O que fizestes ao menor dos Meus irmãos, a Mim o fizestes” (Mt 25,40) -, então, o nosso modo de tratar o pobre, de ver o pobre, de nos aproximar do pobre – seja pessoal, seja comunitariamente – diz muito daquilo que nós e nossa Comunidade somos em relação a Deus; diz muito dos nossos critérios: se são segundo Deus ou segundo nosso coração mundano!
Que o Senhor nos cure da surdez e da gagueira; faça-nos atentos à sua Palavra e ao Seu testemunho; dê-nos olhos para reconhecê-Lo nos irmãos, sobretudo nos pobres, seja de que pobreza for!