quinta-feira, 2 de abril de 2020

Retiro Quaresmal 2020/32 - "Felizes os que se abrigam no Senhor!" (Sl 2,12)

Quinta-feira da V semana da Quaresma
Meditação XXXI: A certeza de chegar

Reze o Salmo 119/118,65-72
Leia e reze ainda, como lectio divina, Tb 13.

1. Comecemos esta meditação com uma observação. Veja como no v. 4, Tobit afirma: “Exaltai-O na presença dos seres vivos, pois Ele é nosso Senhor, Ele é nosso Deus, Ele é nosso Pai...” No Antigo Testamento, é muito raro que se chame a Deus de Pai. Certamente você já ouviu dizer que é próprio, é original do Senhor Jesus Cristo chamar a Deus de “Abbá”, Pai.
Com efeito, há uma diferença enorme entre o modo de o Antigo Testamento referir-se ao Eterno como “pai” e o modo de Cristo. Nas Escrituras e orações dos judeus, o Senhor nunca é chamado de “meu Pai”, mas sempre “nosso Pai”, Pai de todo o Povo de Israel. E, aqui, é Pai porque plasmou Israel com Abraão, Isaac e Jacó, gerou o Seu Povo ao tirá-lo do Egito, educou com o a Lei, guiou-o pelo deserto, orientou-o e corrigiu-o pelos profetas, apascentou-o através da Casa de Davi. Leia Dt 32,6-12. É importante saber também que os judeus não apreciam muito chamar a Deus de “pai”, pois isto pode dar ideia de uma familiaridade inconveniente em relação ao Deus Santo!
Com o Cristo Jesus, o sentido muda, aprofundando-se enormemente. Primeiramente, Cristo nunca usa a expressão “Pai nosso”. Deus é o “Meu Pai”, de um modo único, misterioso e irrepetível. É muito forte a expressão do Ressuscitado: “Meu Pai e vosso Pai, Meu Deus e vosso Deus” (Jo 20,17). O Senhor Jesus Cristo usa a palavre Abbápara exprimir uma relação única, irrepetível, original, particular com o Deus Santo de Israel. Ele é O Filho, O Filho Amado, o Filho Único! (cf. Mt 3,17; 21,37s) Quando o Senhor Jesus ensina aos Seus a oração própria do discípulo, afirma: “Quando orardes, dizei: Pai nosso...” (Lc 11,2). Observe bem: quando vós orardes. Ele Se exclui, porque é Filho num sentido único e, portanto, Deus é Seu Pai de modo absolutamente singular! Ele é Filho porque o é eternamente, “antes que o mundo existisse” (Jo 17,5). Ele é igual ao Pai, conhece o Pai, vem do Pai, é do Alto (cf. Jo 9,23). O Pai é Seu Pai porque O gera eternamente. Leia Hb 1,1-14. Por isso, somente Ele pode revelar o verdadeiro Nome do Deus de Israel: “Pai, manifestei o Teu Nome (nome de Pai) aos homens” (Jo 17,6).
Então, enquanto para os judeus “pai”, aplicado ao Senhor Deus, é apenas mais um dos títulos do Eterno, para o Senhor Jesus, “Abbá” é a expressão que determina e exprime de modo pleno a relação entre Ele e o Deus de Israel: “Ninguém conhece o Filho senão o Pai, e ninguém conhece o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11,27); “Eu estou no Pai e o Pai está em Mim!” (Jo 14,10) Meditando, pensando com o coração sobre tudo isto, reze o Sl 2. Os cristãos sempre rezaram este salmo pensando em Jesus nosso Senhor: Ele é o Messias, o Ungido a Quem o Pai tudo entregou. Todo o Seu poderio é de Filho, é para proclamar a glória amorosa e o poder do Pai que Lhe disse eternamente: “Tu és Meu Filho, eu hoje Te gerei!” (Lc 3,33; cf. Mc 1,11; Mt 3,17)

2. Esta relação única do Salvador com o Pai, Jesus compartilha conosco após a Ressurreição. Uma vez vitorioso sobre a morte, Ele nos chama irmãos: “Ide anunciar aos Meus irmãos...” (Mt 28,10). É a primeira vez que Ele fazia isto! Mas, não se trata apenas de uma palavra. Aqui se exprime uma realidade muito mais profunda: tendo sido ressuscitado pelo Pai no Espírito dado em plenitude (cf. Rm 1,4), o Filho agora, derrama sobre os Seus, pelo Batismo, o Seu Espírito de Filho (cf. Jo 3,5), de modo que, com Cristo, por Cristo e em Cristo, somos tornados filhos no Filho Jesus! Leia 1Jo 3,1; Rm 8,14-17; Gl 4,4. Sendo assim, tornamo-nos filhos de Deus verdadeiramente quando cremos e somos batizados no Nome de Jesus, recebendo o Seu Espírito de Filho, que nos faz filhos. Aí, então, podemos rezar o Pai-nosso, ousando chamar de “Pai” o nosso Deus! Atenção a isto: se é verdade que qualquer pessoa pode dizer que Deus é seu pai no modo como os judeus O consideram – criador, provedor, sustentador, defensor –, somente os cristãos, batizados no Espírito do Filho, podem chamar o Senhor Deus de Pai no sentido pleno e único que o Senhor Jesus Cristo chamava! O único modo de receber tal filiação é pelo Sacramento do Batismo, que nos mergulha no Espírito do Filho!
Então, somos filhos porque temos o Espírito Santo do Filho, pois, no Batismo, nascemos de uma “Semente incorruptível” (1Pd 1,23). Nascidos “por natureza, como os demais, filhos da ira” (Ef 2,3), fomos “re-generados”, gerados de novo para a Vida eterna, Vida no Espírito do Filho, Vida divina dos filhos de Deus (cf. 1Pd 1,3s), Vida recebida no Batismo, fortalecida e amadurecida na Crisma e alimentada sempre de novo na Eucaristia. Esta filiação bendita e santa nos coloca, já nesta vida terrena, no seio da Trindade Santa: crendo no Filho, somos batizados no Seu Espírito e, tornando-nos habitação desse Espírito filial, somos inseridos no Corpo do Filho, que é a Igreja e, nesse Corpo, peregrino na terra e glorioso no Céu, temos acesso ao Pai de Jesus e, por Ele com Ele e Nele, podemos verdadeiramente clamar “Abbá” neste mundo e, plenamente, no mundo que há de vir! Neste sentido, veja com muita atenção a afirmação de São Paulo aos Gálatas: leia 4,4-7. Observe como o Apóstolo resume toda a história da salvação e coloca como finalidade última de todo a plano de Deus, dar aos homens a filiação adotiva em Cristo!
Ainda uma observação: a expressão “filiação adotiva” precisa ser bem compreendida! É preciso aqui levar em conta a mentalidade judaica. Filiação adotiva não quer dizer filiação de qualidade menor, mas, ao contrário, filiação real, efetiva, eficaz, transformadora. Em Israel, quando um homem adotava alguém como filho, reconhecendo-o, este tinha todos os direitos, tinha a vida do próprio pai. A ênfase, aqui, está exatamente neste aspecto: somos filhos, e o somos realmente (cf. 1Jo 3,1), de modo que somos co-herdeiros com Cristo e herdeiros da Glória do mundo que há de vir (cf. Rm 8,15s; 1Jo 3,2).

3. Voltemos, agora, ao Israel na Diáspora, o Israel do Antigo Testamento e à Igreja do Novo Testamento. Lembre sempre que “testamento” significa “aliança”.
Leia os vv.5s.9s. Vimos, na meditação passada, o sentido espiritual de viver na Diáspora, no Exílio. Para o Israel do Antigo Testamento, estar longe da Terra Santa, distante de Jerusalém, afastado do Templo, era uma dor enorme. Permanecia sempre vivo o desejo e a esperança de voltar. O Povo de Deus da Antiga Aliança, tem consciência de que as promessas de Deus ainda não se realizaram plenamente: os judeus ainda estão em Diáspora, Jerusalém ainda não vive o shalom que seu nome significa (Yeru-shalem), o Templo não foi reconstruído e, sobre o Altar do Senhor, os sacrifícios da Lei de Moisés não foram retomados... Israel vive de esperança, caminha rumo à realização das promessas do Eterno. Todos os anos, na Páscoa judaica, ainda atualmente, o rito termina com uma palavra de desejo e esperança: “Tem piedade, Senhor nosso Deus, de Israel, Teu Povo, e de Jerusalém, Tua Cidade, e de Sião, a sede de Tua Glória, e do Teu Altar e do Teu Templo. Reconstrói Jerusalém, a Cidade Santa, rapidamente em nossos dias...” Finalmente, a ceia pascal é concluída com as palavras: “No próximo ano, em Jerusalém!” A Terra de Israel, lugar da bênção, do louvor a Deus, lugar do repouso no Senhor, continua sendo o desejo de todo judeu piedoso. Reze o Sl 137/136. Observe bem, neste salmo, a saudade de Sião, o monte sobre o qual Jerusalém começou, presente no coração do salmista. Os israelitas esperavam e esperam ainda que, um dia, no dia final, todo Israel será reunido em Jerusalém, a Cidade Santa.

4. Pois bem, esta mesma mística passou para os cristãos! Sabemos que as promessas a Israel alcançaram o seu cumprimento em Cristo nosso Senhor. Leia 2Cor 1,19s. Ele é e será sempre o “Amém” do Pai para nós! Leia Ap 3,14. Mas, o cumprimento que foi iniciado com a piedosa vinda do Salvador na nossa carne, somente no final dos tempos, quando Cristo nossa Vida aparecer em Glória (cf. Cl 3,4), será levado à consumação. Assim, também nós, Novo Povo de Deus, Povo da Nova e Eterna Aliança, também esperamos; ainda não vemos o que esperamos (cf. Rm 8,24s), ainda vivemos de fé (cf. 2Cor 5,7; Hb 11,1). O lobo e o cordeiro ainda não moram juntos (cf. Is 11,6), as lanças de guerra ainda não foram transformadas em relhas de arado (cf. Is 2,4), ainda há males e danos no coração da humanidade e a terra ainda não está repleta da ciência do Senhor (cf. Is 11,9). Pelo contrário, os homens continuam a fechar-se para Deus e o Seu Cristo (cf. Sl 2,1-3). Por isso, os cristãos gemem em dores de parto (cf. Rm 8,22-25; Ap 12,2) e rezam, no Céu e na terra: “Até quando, ó Senhor Santo e Verdadeiro, tardarás a fazer justiça, vingando o nosso sangue contra os habitantes da terra?” (Ap 6,10). Até que tudo se cumpra, “vivemos no exílio, longe do Senhor” (2Cor 5,6) e clamamos: “Maranatha! Vem, Senhor Jesus!” (Ap 22,17.20). Nunca esqueçamos, nunca descuidemos: a nossa certeza deve ser maior que a de Israel, pois sabemos que o Cordeiro que foi imolado venceu e tem nas Suas mãos o Livro da história do mundo e da nossa história (cf. Ap 5,6-10). Em cada Eucaristia, Páscoa da Nova Aliança, celebramos e experimentamos esta vitória que Cristo nos obteve e que ainda se manifestará em plena Glória (cf. Hb 2,8; 1Cor 15,25-28).

5. Pense um pouco: Você tem consciência de que os acontecimentos da história humana e da sua história correm para o Cristo, Princípio e Fim de tudo, como as águas do rio correm para o mar? Você sabe colocar nas mãos do Senhor todos os acontecimentos da vida? Como você reage ao que acontece à sua volta: com desdém, com desespero, com ansiedade ou, ao invés, procurando compreender as coisas à luz de Cristo e da Sua salvação? Nunca esqueça: tudo é dirigido por um desígnio de amor: o amor do Pai pelo Filho no Santo Espírito! Leia como dirigidas a você as palavras do Ap 5,1-5.


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