sábado, 8 de setembro de 2018

Hoje é o Natal da Mãe de Deus

Hoje, 8 de setembro, é Festa da Natividade da Virgem Maria. Hoje, do fruto da velha Ana, nasceu aquela que é a aurora da nossa salvação, aquela que em si trouxe o Redentor do mundo, Cristo nosso Deus.
Para você, caro Leitor, as palavras do Pe. Antônio Vieira para este dia:

Quereis saber quão feliz, quão alto é e quão digno de ser festejado o Nascimento de Maria? Vede o para que nasceu. Nasceu para que dela nascesse Deus.

Perguntai aos enfermos para que nasce esta celestial Menina, dir-vos-ão que nasce para Senhora da Saúde;
perguntai aos pobres, dirão que nasce para Senhora dos Remédios;
perguntai aos desamparados, dirão que nasce para Senhora do Amparo;
perguntai aos desconsolados, dirão que nasce para Senhora da Consolação;
perguntai aos tristes, dirão que nasce para Senhora dos Prazeres;
perguntai aos desesperados, dirão que nasce para Senhora da Esperança.

Os cegos dirão que nasce para Senhora da Luz;
os discordes, para Senhora da Paz;
os desencaminhados, para Senhora da Guia;
os cativos, para Senhora do Livramento;
os cercados, para Senhora da Vitória.

Dirão os pleiteantes que nasce para Senhora do Bom Despacho;
os navegantes, para Senhora da Boa Viagem;
os temerosos da sua fortuna, para Senhora do Bom Sucesso;
os desconfiados da vida, para Senhora da Boa Morte;
os pecadores todos, para Senhora da Graça;
e todos os seus devotos, para Senhora da Glória.

E se todas estas vozes se unirem em uma só voz, dirão que nasce para ser Maria e Mãe de Jesus.




segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Ruminando a Palavra escutada (1)

Vou tentar... Não sei se conseguirei... Mas, pretendo, durante a semana, retomar, meditando, a Palavra escutada na Liturgia de cada Domingo...
É um modo de passar a semana mergulhando na Palavra santa que o Senhor diz ao Povo por Ele conquistado, a cada Domingo, Dia da Ressurreição, Dia da Nova e Eterna Aliança, Dia da Igreja.

Não esqueça: esta Palavra, proclamada na Assembleia litúrgica, é Palavra dita no hoje, no agora da vida da inteira Igreja e na vida de cada um de nós... É Palavra sempre dita na potência do Santo Espírito do Ressuscitado: Palavra capaz de recriar, de curar, de libertar, de salvar!

No Deuteronômio, pela boca de Moisés, o Senhor nos advertiu sobre a seriedade no modo de receber a Palavra:
”Nada acrescenteis, nada tireis à Palavra que vos digo, mas guardai os mandamentos do Senhor, vosso Deus, que vos prescrevo!” (Dt 4,2)

Prescrevo-nos hoje, no agora da nossa vida!
A Palavra do Senhor revela o Coração de Deus, Seus planos e apelos a nossa respeito. Ela nos ultrapassa e, por isso, nos ilumina, mostra-nos o caminho, desmascara o que temos no coração, coloca-nos em crise, fere-nos e nos salva porque nos libertar de nós mesmos!

Acolher a Palavra: sem tirar o que desagrada, sem acrescentar o que nos seria cômodo, sem negociar ou fazer concessões!

Não é fácil! Hoje, em tempos de relativismos, de mundanismos dentro da Igreja, é tentador mundanizar a Palavra, mundanizar Deus!
Não esqueçamos nunca: Ele, o Santo, o Incompreensível, o Separado, o Outro, em Jesus nosso Senhor, entrou no mundo, veio a nós, fez-Se mundo, fez-Se humano, de rosto e abraço humanos,
mas continua Santo, Indisponível, Incompreensível, insubornável!

Não acrescentareis, não tirareis nada!

É duro e consolador, para a Igreja, ouvir isto, viver isto, a isto obedecer!
É duro também para mim e para você!

Palavra que corta, fere, cura, acusa, salva, derruba, reeergue, faz chorar, faz sorrir, provoca guerra, dá a paz!

Bendita a Palavra do Senhor Deus, que Se faz carne em Jesus, nosso Cristo e Senhor!
Bendita a Palavra do Senhor, que nos arranca das trevas, nos liberta da solidão, nos tira de nossa estreiteza de mente e de coração!

”Fala-me da vida: preciso Te escutar!
Fala da Verdade que vai me libertar!”


sábado, 1 de setembro de 2018

Homilia para o XXII Domingo Comum - ano B

Dt 4,1-2.6-8
Sl 14
Tg 1,17-18.21b-22.27
Mc 7,1-8.14-15.21-23

Vivemos num mundo de muitos mestres, de muitas opiniões, de muita gente entendida sobre tudo que fala sobre tudo... Há tantos caminhos, tantas propostas, tanta gente com ares de sábio... Os meios de comunicação nos propõem tantas coisas: livros, televisão, rádio, internet, jornais, revistas... E, no entanto, para nós, que cremos, o Senhor que nos orienta e educa na Sua santa Palavra, recebida, guardada, crida, contemplada e ensinada pela Igreja, o Senhor é o único Caminho, a única Verdade, a única Luz! O que vem Dele, o que é concorde com Ele encaminha, faz viver verdadeiramente, ilumina; o que Dele afasta é maléfico, desencaminha, joga-nos na mentira da ilusão, faz-nos viver na treva! É disso que fala a Palavra de Deus deste Domingo santo.

A grande tentação do nosso tempo, caríssimos em Cristo, é pensar que nossa razão é o critério da verdade, é a medida do bem e do mal. Assim, é certo, é bom, é aceitável o que nós julgamos ser ou o que a maioria, o senso comum julgam ser bom. Se agora o divórcio é um bem, então que seja; se nos tempos atuais a união homossexual é norma, então que seja aprovada; se nos cânones da ciência manipular embriões humanos é correto, então vá lá; se todo mundo tem numa boa relações pré-matrimoniais, então para que se opor? Ideologia de gênero, aborto, tudo isto, na medida do homem imerso em sua própria medida pecaminosa, vai sendo apresentado e propagado e defendido como bem, como moderno, como libertador, como humanizador, como louvável... Eis aqui: o homem agora se julga adulto, emancipado, liberado: ele próprio julga poder definir sua vida, construí-la a seu modo. Para que um Deus que me diga o que fazer? Para que uma Igreja com ares de mãe e de mestra? Ninguém precisa mais disso! Esta é a mentalidade hodierna...

E, no entanto, para quem crê, há um Deus que é o Senhor da vida, de Quem nós vimos e para Quem vamos: “Todo dom precioso e toda dádiva perfeita vêm do Alto, descem do Pai das luzes: de livre vontade Ele nos gerou pela Palavra da verdade, a fim de sermos como que as primícias de Suas criaturas!” Nossa vida não é nossa de modo absoluto; não nos fizemos a nós mesmos. Tua vida, ó homem, é vida recebida gratuita e amorosamente; é dom de Deus, para que vivas na amizade com Ele e, acolhendo Sua Palavra sejas gerado para uma Vida verdadeira, Vida plena, Vida eterna! Pelo Senhor Jesus Cristo todos seremos julgados, até mesmo a Igreja, Sua amada Esposa!

E, no entanto, quanto é difícil esta atitude de compreender a vida como um dom que recebemos! Quão grande a tentação de viver como donos absolutos da existência! Pois bem, o Senhor nos convida, o Senhor nos ordena a que vivamos abertos à Sua Palavra, para que vivamos de verdade: “Agora, Israel, ouve! Para que, fazendo-o, vivais! Nada tireis, nada acrescenteis às palavras que vos digo, mas guardai os mandamentos do Senhor vosso Deus! Vós os guardareis e os poreis em prática, porque neles está vossa sabedoria e inteligência”. Tristes de nós quando nos julgamos sábios a nossos próprios olhos e desprezamos a Palavra do Senhor e as orientações da Sua Igreja, que Dele recebeu a missão e a autoridade de nos educar nos caminhos do Senhor!
Pensemos, caríssimos irmãos – que cada um pense: tenho construído a minha vida, segundo a Palavra do Senhor? Tenho feito minhas opções de vida de acordo com a moral cristã custodiada e ensinada maternalmente pela Igreja no decorrer dos séculos? No mundo da idolatria da autonomia, não é fácil a madura atitude de sair de nós mesmos e deixar que o Senhor e Sua Igreja nos guiem. Entretanto, este é o caminho do cristão verdadeiro, do católico coerente e maduro!
Na segunda leitura de hoje, São Tiago nos exorta com palavras muito claras e diretas, sem deixar margem para ilusões: “Recebei com humildade a Palavra que em vós foi implantada, e que é capaz de salvar as vossas almas! Sede praticantes da Palavra e não meros ouvintes, enganando-vos a vós mesmos!” Não deveríamos nos enganar com falsos raciocínios, não deveríamos dar ouvidos àqueles – mesmo dentro da Igreja, infelizmente, mesmo clérigos, infelizmente, mesmo teólogos, infelizmente – que tentam mundanizar o cristianismo para fazê-lo mais atraente. Escutai, caríssimos, a advertência do Senhor: “Vós abandonais os mandamentos de Deus para seguir a tradição dos homens!” Também São Paulo nos previne para que não caiamos nas teias de uma vã filosofia, uma sabedoria segundo o mundo e não segundo o Espírito de Cristo! Nunca esqueçamos: uma vida verdadeiramente cristã exige de nós fidelidade ao Senhor no Seu mistério de cruz e ressurreição, ruptura com o que é mundano e um coração aberto para os necessitados: “A religião pura e sem mancha diante de Deus: assistir os órfãos e viúvas e não se deixar contaminar pelo mundo!” Estejamos atentos, amados no Senhor, porque o que passa disso vem do Maligno!

Supliquemos nesta Santa Missa que o Senhor converta o nosso coração para que nossa vida pessoal e familiar, nossa vida social e profissional seja pautada pelo Evangelho, pela lei de Cristo. Qual será o fruto de uma existência assim? Experimentar a proximidade do Senhor, do Deus vivo e cheio de ternura na nossa existência. Não é isso que diz o próprio Senhor na primeira leitura de hoje? “Qual é a grande nação cujos deuses lhe são tão próximos como o Senhor nossos Deus, sempre que O invocamos?” Sim! Esta é a verdadeira grandeza nossa, de nossa família, de nossa Pátria! Não simplesmente o desenvolvimento econômico, social ou tecnológico, mas, antes de tudo e sobre tudo caminhar com o Senhor e experimentá-Lo ao nosso lado, sabendo que somos uma sociedade que é aberta para Deus...

Certamente, não é nesse caminho que o mundo caminha; não é essa a estrada pela qual a nossa sociedade vai se movendo, mas deve ser essa a nossa direção, esse o nosso rumo. Nunca esqueçamos que somos as primícias de uma nova criação, de um novo mundo, de um modo de viver que seja alternativo, diferente, luz e sal desse mundo sem graça: “de livre vontade o Pai nos gerou pela Palavra da verdade, a fim de sermos como que as primícias de Suas criaturas!” – Senhor, converte o nosso coração! Dá-nos um coração capaz de Te escutar, um coração de carne e não de pedra, um coração para obedecer e Te amar! Livra-nos de nós mesmos, Senhor, e faze-nos para o mundo sinais e instrumentos da verdadeira liberdade – aquela que somente Tu sabes dar e somente Tu podes dar! A Ti a glória, ó Deus santo, que vives e reinas com o Teu bendito Filho na unidade do Santo Espírito imortal e vivificador, pelos séculos dos séculos! Amém!


quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Redes e pérolas, tesouros e sementes...

Já escrevi algumas vezes sobre o encantador capítulo treze do Evangelho segundo São Mateus. É o Discurso das parábolas do Reino dos Céus. Em sete encantadoras estórias, o Senhor Jesus fala sobre alguns aspectos do que seja esse Reino dos Céus ou Reino de Deus que Ele veio anunciar.!

O Reino de Deus foi o centro da missão e da pregação de Jesus. Ele veio para anunciar e instaurar esse Reino. A expressão correta, para dizer a verdade, não seria “Reino”, mas “Reinado”, Reinado de Deus.
Jesus veio anunciar que o Deus grande e santo de Israel é, na verdade, um Pai cheio de misericórdia e ternura, de amor e compaixão – é o Seu Pai, que Ele chamava Abbá, Papai! Ao enviar Seu Filho único, esse Pai do Céu abriu as mãos e o coração para a humanidade cansada e ferida, de modo que o Reinado de Deus acontece onde a Pessoa e a mensagem de Jesus forem acolhidos. Aí Deus reinará de verdade!
Cada um de nós é convidado a acolher em Jesus esse Reinado: o Reino está onde o homem permite que Deus reine na sua vida, nos seus amores, na sua sensibilidade, nos seus afetos, no seu dinheiro, nos seus bens materiais, na sua sexualidade, na sua vida profissional, nos seus projetos, enfim, em todos os âmbitos da sua existência! Assim, não somos nós que entraremos no Reino; é o Reino que entrará em nós, que permeará toda a nossa existência. Isso mesmo: entrará no Reino quem deixar o Reino entrar em seu coração e em sua vida, começando já neste mundo uma tal comunhão com Deus em Jesus Cristo, que nem a morte poderá interromper!

Mas, essa história de Reino de Deus presta-se a tantos mal-entendidos... Os judeus enganaram-se com o Reino. Pensavam que ele seria vistoso, glorioso; que aconteceria imediatamente, que seria imposto por Deus de maneira grandiosa. Enfim, um Reino em grande estilo... Muitos confundiam facilmente o Reino de Deus com o Reino do Povo de Deus, com o seu próprio Reino; confundiam a vontade de Deus com a própria vontade e a glória de Deus com a própria glória. São tão fáceis essas confusões...

Nessas parábolas, o Senhor quer ensinar que o Reino não nasce da nossa iniciativa: Deus é quem o semeia, é quem o planta. O Reino não pode ser confundido com um simples projeto humano... Ninguém pode chegar a Deus se Deus mesmo não se der a nós. O homem não pode, sozinho, com suas forças, construir esse Reino. Toda vez que tentou, fracassou: mentiu e matou por um reino que não aconteceu... Basta recordar as promessas humanas, os projetos políticos e econômicos humanos...
O Senhor ensina também que o Reino passa pela nossa decisão, pelo terreno do nosso coração: se meu coração for desatento, o Reino será devorado em mim, como as sementes pelos pássaros; se meu coração for envolvido por mil paixões e desejos, a semente do Reino será sufocada por esses espinhos; se meu coração for superficial e leviano, a semente morrerá seca por falta de profundidade humana...
Jesus nos ensina que Deus é assim: aceita e deseja que seu projeto passe pela nossa liberdade, corra o risco de ser colocado a perder pelo nosso “não” aos Seus apelos. Que coisa impressionante: eu posso colocar a perder o projeto de Deus; eu posso me fechar, eu posso dizer “não” – fazer da minha vida um grande “não” a Deus!

Nosso Senhor é tão realista. Ele disse também nessas parábolas que o Reino dos Céus é frágil, é pobre, é pequeno como um grãozinho de mostarda, como um pouquinho de fermento que uma mulher colocou na massa... Ele não se manifesta na grandeza, na riqueza, no luxo, no poder, mas nas coisas pequenas e simples, como o amor desinteressado, o tempo dado aos outros, o sofrimento suportado com paciência e dignidade...
Mas, esse Reino tão simples haverá de levedar o mundo todo como o fermento na massa e haverá de crescer como o grão da mostarda e a passarinhada do céu, ou seja, toda a humanidade, haverá de nele fazer seus ninhos. Jesus afirmou também que, apesar de tantas vezes ter um destino inglório, como aquelas sementes do semeador, ao fim das contas, haverá terrenos bons, nos quais as sementes do Reino cairão e darão fruto: uns cem, outros sessenta, outros trinta por um... Não importa quanto cada um dê, importa que dê tudo quanto poderia ter dado...
Ele disse ainda que esse Reino é o maior tesouro que alguém pode achar, que é como uma pérola de grande valor - a mais bela de todas - e quem a encontra está disposto da dar tudo por ela... Ele ensinou que o mundo no qual Ele veio semear o Reino é como um campo... Aí, Ele semeou o Reino que é vida e verdade, amor e paz, mas o Diabo semeou o joio. Nossa impaciência quer arrancar logo o joio e reclama de Deus pelo mal do mundo, como se Deus fosse o culpado. A nossa impaciência ameaça arrancar o trigo junto com o joio; mas a paciência de Deus sabe esperar e, um dia, trigo e joio serão separados, um dia o trigo será recolhido nos celeiros do coração do Pai do Céu e o joio será enfeixado e queimado!
Finalmente, Ele ensinou que o Reino do Céu é como uma rede jogada no mar, nesse mar que é o mundo... Essa rede recolhe todo tipo de peixe; vai recolhendo, vida após vida, geração após geração... Mas, um dia, a rede será puxada e os peixes serão separados: os bons serão recolhidos em cestos e os maus serão jogados para o fogo queimar...

Jesus termina Seu Discurso perguntando: “Entendestes todas essas coisas?” – Quem dera que tenhamos compreendido...


A ressurreição da carne

Que significam as palavras do Credo que dizem: “Creio na ressurreição da carne”?

Primeiramente é necessário compreender o significado da palavra “carne” no Antigo Testamento. Aí aparece o termo “basar” (= carne), que originalmente significa o corpo inteiro, bem como a pessoa toda. Para a Escritura, carne é o homem total e vivo, mas limitado, débil (cf. Gn 6,3) e, portanto, propenso ao pecado (cf. Sl 65,3s). O importante é deixar claro que, no pensamento bíblico, o homem não somente tem carne: ele é carne, isto é, limitado, frágil, não autossuficiente.
Sendo a carne uma dimensão do ser humano, pode designar o homem todo inteiro, de modo que minha carne significa não só meu corpo, meus músculos, mas também meu eu e não somente uma parte de mim. Fica, portanto, claro, que quando a Escritura fala em carne, não está falando somente de uma parte do homem, mas do homem todo, enquanto criatura débil e perecível.

Assim, por exemplo, quando a Escritura diz: “Chegou o fim de toda carne” (Gn 6,13), está querendo dizer que chegou o fim de todo homem, de toda a humanidade. O mesmo quando diz: “Toda carne bendiga o Seu santo Nome” (Sl 145,21), ou ainda: “A glória do Senhor há de revelar-se e toda carne, de uma vez, O verá”(Is 40,5). Em todas estas passagens “carne” é o homem todo e não uma parte do homem! Ainda um exemplo: “Toda carne é erva e toda a sua graça como a flor do campo” (Is 40,6). Esta afirmação quer dizer que todo homem é frágil, é como a erva.

Podemos, então compreender que quando o Credo diz “Creio na ressurreição da carne”, está dizendo “creio na ressurreição do corpo”, mas também e principalmente “creio na ressurreição do homem frágil”.
A Escritura ensina que o homem, por si mesmo não poderia ser imortal nem feliz eternamente. É Deus que, no Seu amor, vai nos ressuscitar, como ressuscitou o Seu Filho Jesus, feito homem como nós! O Senhor ressuscitar-nos-á com todo o nosso ser, corpo e alma. Notemos que o Credo não diz: “creio na ressurreição do corpo”, mas “creio na ressurreição da carne” ou - aquele Credo mais longo, o Niceno-constantinopolitano -“espero a ressurreição dos mortos”, sem distinguir corpo e alma. Portanto, tanto faz dizer: “creio na ressurreição da carne”, como “creio na ressurreição dos mortos”, ou “creio na ressurreição do homem”, do homem inteiro, corpo e alma.

A Sagrada Escritura imagina o homem como um todo; jamais pensa que o homem é formado por partes: uma espiritual e outra material. Este modo de pensar o homem em duas partes é grego e, de modo geral, da cultura indo-europeias, que é completamente pagã. No pensamento bíblico o homem é um todo com várias dimensões, vários aspectos, mas não partes. Assim, eu sou meu corpo, eu sou minha alma... E é todo o meu ser que ressuscitará e estará para sempre com o Senhor. Em outras palavras: ao pensar no ser humano, as Escrituras pensam-no como um todo, como uma unidade. Agora, certamente, uma unidade diferenciada, com dimensões, com “partes”, mas exprimindo fundamental e originariamente, um todo!

Daí a inaceitabilidade, segundo a concepção das Escrituras Santas, de quem crê na doutrina da reencarnação. Trata-se de uma doutrina presente em muitas culturas, mas alheia às Escrituras.
Quem abraça esta crença, pensa que o homem é somente espírito e esse espírito está preso num corpo. Assim, de acordo com esta doutrina errada, eu sou meu espírito, mas eu apenas tenho um corpo : não sou o meu corpo! Quando morremos, o espírito desencarna e o corpo vai para o lixo, como uma roupa velha! Tal doutrina é absolutamente incompatível com o ensinamento de Cristo! O Senhor Jesus prometeu que nos ressuscitará em todo o nosso ser - corpo e alma. Seremos completamente glorificados, como o foi o Senhor Jesus! Portanto, podemos afirmar que a esperança dos cristãos é a ressurreição da carne (= do homem todo, apesar de frágil)! Quem professa a reencarnação nega a ressurreição e já não tem como professar a fé católica nem ser realmente cristão!


sábado, 25 de agosto de 2018

Sobre a Igreja que chora...

"Ah! Senhor Deus, extinguirás todo o resto de Israel?" (Ez 11,13)
A devastação é tanta, o desamparo, a incerteza, os turbilhões externos e internos...

"É verdade, afastei-os para longe entre as nações, espalhei-os por terras estrangeiras...
mas, por esse pouco tempo, tenho sido para eles um Santuário, nas terras para as quais eles se mudaram" (Ez 11,16).
Estão desterrados, espalhados; nem parecem mais um povo... Mas, Eu mesmo sou sua casa, seu amparo, seu refúgio; mais ainda: seu Santuário! Eu Me exilo com eles; sou-lhes solidário!

"Eu vos ajuntarei de entre os povos, reunir-vos-ei das terras nas quais fostes espalhados e vos darei a terra de Israel. Chegando aí, removerão dela todos os objetos detestáveis do culto pagão e todas as abominações...
Eu lhes darei um coração UM, inteiro, íntegro, porei no seu íntimo um Espírito novo. Então, serão o Meu Povo, e Eu serei o seu Deus!" (Ez 11,17-20)

Há esperança!
No Senhor, há esperança!
Ele é fiel!
O Seu Nome é Fidelidade,
o Seu Nome é Amor!

Mas, a Fidelidade é exigente
e o Amor purifica, acrisola, queima!

Bendito seja o Senhor,
que não abandona o Povo que Ele conquistou com o sangue pascal do Seu Filho, nosso Salvador!
O Dragão persegue a Mulher...

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Homilia para o XXI Domingo Comum - ano B

Js 24,1-2a.15-17.18b
Sl 33
Ef 5,21-32
Jo 6,60-69

Nenhum cristão jamais poderá dizer que foi enganado pelo Senhor! Deus nunca Se mascarou para nós, nunca nos falou palavras agradáveis para nos seduzir, nunca agiu como os nossos políticos; Deus não usa maquiagem! Ele é um Deus verdadeiro, leal, honesto! Não esconde Suas exigências, não omite Suas condições para quem deseja segui-Lo e servi-Lo...

Escutamos na primeira leitura de hoje Josué mandando o povo escolher: seguir os ídolos, que são de fácil manejo, que não exigem nada ou, ao invés, seguir o Senhor, que é exigente, que é Santo e corrige os que Nele esperam? O próprio Josué dirá: “Não podeis servir ao Senhor, pois ele é um Deus santo, um Deus ciumento, que não tolerará as vossas transgressões, nem os vossos pecados!” (Js 24,19)
Vede, meus caros, que o nosso Deus não Se preocupa com popularidade, não faz conta do número de fieis, não abranda Suas exigências para ser aceito, mas sim, faz conta da fidelidade ao Seu amor e ao Seu chamado!

O que aparece na primeira leitura torna-se ainda mais claro e dramático no Evangelho. Após dizer claramente que Sua Carne é verdadeira comida e Seu Sangue é verdadeira bebida, muitos discípulos se escandalizaram com Jesus (há cristãos que ainda hoje se escandalizam e não creem nesta Palavra do Salvador...).
E Jesus, o que faz? Muda Sua Palavra? Volta atrás no ensinamento para ser popular, para ser compreendido e aceito, para encher as igrejas? Não! Popularidade, aceitação, bom-mocismo nunca foram Seus critérios! Ainda que Sua palavra escandalize, Ele nunca volta atrás. O Senhor nunca Se converte a nós; nós é que devemos nos converter a Ele! Pode-se manipular os ídolos; nunca o Deus verdadeiro!

É importante prestar atenção! Diante dos discípulos escandalizados e murmuradores, que faz Jesus? Apresenta o critério decisivo: a Cruz!
Escutai, irmãos, o que diz o Senhor: “Isto vos escandaliza? E quando virdes o Filho do Homem subindo para onde estava antes?” Lembremo-nos que, para o Evangelho de São João, a subida de Jesus para o Pai começa na Cruz: ali Ele será levantado!
Vede bem, meus irmãos, que não poderá seguir o Senhor, não poderá suportar as palavras do Senhor, aquele que não estiver disposta a contemplá-Lo na Cruz! E Jesus previne: “O Espírito é que dá Vida; a carne não adianta nada! As palavras que vos falei são Espírito e Vida!” Compreendei, caríssimos meus: somente se nos deixarmos educar pelo Santo Espírito, somente se deixarmos os pensamentos e a lógica à medida da carne, isto é, à medida da mera razão humana, é que poderemos compreender as coisas de Deus, coisas que passam pela Cruz de Cristo! Quando se trata do escândalo do Evangelho, “a carne não adianta nada”, a lógica humana não conta!
Não nos iludamos: entregues à nossa própria razão, pensaremos como o mundo e jamais acolheremos Jesus e Suas exigências! Como compreender um Amor – aquele do Verbo feito carne – que Se entrega eucaristicamente, que Se dá todo, que Se esconde em aparências tão triviais, tão humildes como o pão e o vinho porque Se escondeu na nossa pobre carne humana, nos insossos dias de uma vida como a nossa ao Se fazer homem?
E, no entanto, o Senhor continua: “É por isso que vos disse: ninguém pode vir a Mim, na existência e no Altar, a não ser que lhe seja concedido por Meu Pai!” Vede bem, meus caros: acolher Jesus, compreender Suas palavras e acolhê-las, por quanto sejam difíceis e duras, é graça de Deus e somente abertos para a graça poderemos realizá-lo!
Como acolher a linguagem da Cruz, sem mudar de vida? Como acolher as exigências do Senhor, sem a conversão do coração, sem nos deixarmos guiar pela imprevisível liberdade do Santo Espírito? Quando isso acontece, experimentamos como o Senhor é bom, o quanto é suave, o quando é doce segui-Lo! Assim, o mesmo Espírito de Cristo que transfigura o pão e o vinho na Carne e no Sangue do Senhor imolado e ressuscitado, nos transfigura, em cada comunhão, dando-nos os sentimentos de Cristo, as atitudes de Cristo, a vida de Cristo!

Um belíssimo exemplo disso, a Palavra de Deus nos dá hoje recordando a vida da família cristã. São Paulo pensa o lar cristão como uma pequena comunidade de discípulos de Cristo, plasmada no Espírito de Cristo, plasmada eucaristicamente, uma pequena Igreja e dá conselhos estupendos! O sentimento que deve nortear o comportamento familiar é o amor. Que amor? O das músicas e das novelas? Não! Aquele amor manifestado na Cruz, aquele entre Cristo e a Igreja! Que beleza, que desafio, que sonho: marido e mulher se amando como Cristo e a Igreja se amam, marido e mulher sendo felizes na felicidade um do outro: “Sede solícitos uns para com os outros!” Marido e mulher que se tornam uma só carne no amor, como Cristo e a Igreja em cada Eucaristia, quando o Esposo Cristo dá Sua Carne à Esposa Igreja, e os dois se tornam uma só carne!

Para o cristianismo, meus caros, a família cristã não é primeiramente uma instituição humana, mas uma instituição divina, um sacramento da Igreja. Mais ainda: a família é a primeira Igreja, a primeira comunidade de irmãos em Cristo. Ali, é Jesus Quem deve reinar, ali é o santo e doce temor de Deus quem deve regular a convivência. Que desgraça hoje em dia a paganização, a secularização, a banalização da família cristã!
Atentos, cristãos: a família é santa, a família é sagrada, a família não pode ser profanada pelo desamor, pela indiferença, pela imoralidade, pela violência, pelo consumismo, pela opressão, pela divisão, pela vulgarização! Que beleza, meus caros, um homem e uma mulher unidos no amor com a bênção do Senhor gerando filhos, gerando amor feito carne, feito gente, para o mundo, para a Igreja, para a vida! Este é o sonho do Senhor para a família! Este e só este! Aos olhos de Deus, não há outra forma legítima e aceitável de união familiar! Um homem, uma mulher; um esposo, uma esposa e os filhos, e outros ainda, que a Providência de Deus e o amor que acolhe for agregando a essa comunidade doméstica – eis o sonho, eis a bênção, eis a felicidade quando se vive isso de acordo com o amor de Deus em Cristo! Que bênção a convivência familiar! Que doçura poder partilhar as alegrias e tristezas, as lutas e dificuldades num lar cristão, onde juntos se reza, juntos partilham, juntos vencem-se as dificuldades! São Paulo, encantado com essa realidade, exclama: “É grande este mistério!” Que mistério? O mistério do amor entre marido e mulher, da sua união que gera vida, que é doçura e complementaridade. E o Apóstolo continua: “E eu o interpreto em relação a Cristo e à Igreja!” Atenção! São Paulo está dizendo que a comunhão familiar é imagem da comunhão entre Cristo e a Igreja!

É fácil, caríssimos, viver a família assim? Não! Como não é fácil levar a sério a Palavra do Senhor! E Jesus, mais uma vez, nos pergunta: “Isto vos escandaliza?” Escandaliza-vos o matrimônio ser indissolúvel? Escandaliza-vos a fidelidade conjugal? Assusta-vos o dever de gerar filhos com generosidade e educá-los com amor e firmeza? “Quereis também ir embora?” 

Caríssimos, que nossa resposta seja a de Pedro, dada em nome dos Doze e de todos os discípulos: “A quem iremos, Senhor? Caminhar contigo não é fácil; acolher Tuas exigências nos custa; compreender Teus motivos às vezes é-nos pesado; comungar, na Tua Eucaristia, Contigo imolado, dado, e, assim, dar, entregarmos nós mesmos a própria vida... Mas, a quem iremos? Só Tu tens palavras de Vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que Tu és o Santo de Deus!”. Que as palavras de Pedro sejam as nossas e, como Josué, possamos dizer: “Eu e minha família serviremos o Senhor!” Amém.
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