sábado, 6 de junho de 2020

O Mistério da Trindade Santíssima

Terminado o tempo pascal com a Solenidade de Pentecostes, a liturgia celebra a Santíssima Trindade. Após proclamar nos santos mistérios que o Pai entregou o Filho por amor ao mundo na potência do Espírito Santo e, no mesmo Espírito Eterno, o ressuscitou dos mortos para nossa salvação, a Solenidade de agora é um modo que a Igreja encontra para louvar, engrandecer e adorar na proclamação exultante, o amor sem fim da Trindade Santa.

Por confessar a fé na Santa Trindade, os cristãos têm um modo absolutamente original de compreender Deus. Ele é um só, uma Essência eterna, infinita, onipotente, imutável. Deus é absolutamente um, que não pode ser multiplicado nem dividido: ele é Amor todo inteiro, inteiro na Beleza, inteiro na Infinitude, inteiro na Onipotência e na Onipresença. Como os judeus e como os muçulmanos nós confessamos firmemente que só há um Deus, absolutamente uno, Senhor do Céu e da terra, diferente e para além de tudo quanto existe, de tudo quanto possamos compreender e imaginar.

No entanto, contemplando o Senhor Jesus ressuscitado, todo glorificado na Sua gloriosa e pneumatificada natureza humana por obra do Espírito de Deus, nós proclamamos com o Novo Testamento e todas as gerações cristãs, que Ele, o Messias santíssimo, é Deus bendito pelos séculos, enviado pelo Pai, que é Deus, para nossa salvação; enviado na potência do Espírito que é também divino e divinizante, Paráclito que não é algo de Deus, mas Alguém de Deus, é uma Pessoa, isto é, um Eu, no qual o Pai ressuscitou o Filho Jesus; esse Santo Espírito, habitando em nós, dá testemunho da divindade do Pai e do Filho, enche-nos de Vida divina, guia-nos, sustenta-nos, ilumina-nos e nos conduz à plenitude do Reino, na Glória imperecível.

Então, eis a nossa fé, que transborda a humana lógica, transcende o balbuciar de nossa pobre linguagem, ultrapassa nossos limitados e tateantes paradigmas: Deus é um só, absolutamente. Enquanto a natureza humana, apesar de genericamente uma só, multiplicar-se nos indivíduos humanos, a natureza divina é absolutamente una, indivisível e imultiplicável, una não só genérica, mas também numericamente; e, no entanto, essa natureza é, ao mesmo tempo e perfeitamente, Pai, Filho e Santo Espírito. A natureza divina está toda e completamente no Pai e, incompreensivelmente, toda e completamente no Filho e, ainda, toda e plenamente no Espírito Santo. A unidade em Deus é incompreensível, absolutamente perfeita e eterna. Assim sendo, em Deus não há três vontades iguais, mas uma só vontade; não há três poderes iguais, mas um só poder, não três consciências iguais, mas uma só consciência. Mais uma vez: Deus é absolutamente UM! E, no entanto, os três divinos são absolutamente diversos: só o Pai gera, só o Filho é gerado, só o Espírito é a própria Geração; só o Pai é o Amante, só o Filho é o Amado, só o Espírito é o Amor.

No íntimo da Vida divina, tudo vem do Pai, tudo principia Nele, Princípio sem princípio eternamente. Ele é Deus! Ele é o Deus! Nele está toda a Divindade e Dele toda a Divindade provém! Dizer Deus é dizer “Pai”! Ele não é Deus que Se torna Pai, mas é Deus porque é, eterna e perfeita e livremente, Pai: Pai Eterno do Eterno Filho, a Quem Ele, o Gerante, tudo dá, tudo entrega, sem nada reter para Si! O Pai é Doação, o Pai é Entrega, o Pai é amor que que ama completamente. Ao Filho, o Pai somente não pode dar a Paternidade: gerar é próprio desta Divina Pessoa: Ele é o Gerante, Ele é a Paternidade, Ele é a Doação. É assim que Ele É. Nele, ser e agir, ser e operar coincidem completamente: Ele é Deus porque é Pai e é Pai porque é Deus! Gerar, para o Pai é ser, é existir, é tudo quanto Ele é e tudo quanto Ele faz! Eternamente, sem princípio nem fim! E isto, sem mutação alguma!

Ainda no íntimo da Vida divina, o Filho eternamente, na perfeita Eternidade de Deus, sem início no tempo, pois em Deus tempo não há, é de sempre e para sempre gerado pelo Pai. Se o Pai é princípio do Filho eterno, o Filho é quem faz com que o Pai seja Pai! Não seria Pai sem o Filho, Ele que é eterna e perfeitamente Pai! Se o Pai é o Amante, o Gerante, o Filho é o Amado, o Gerado! Tudo – absolutamente tudo – quanto o Pai é, exceto a Paternidade, Ele dá ao Filho! Quem vê o Filho, vê o Pai, tudo quanto o Pai possui é do Filho! Mas, só o Amante gera, só o Amante dá amor, só o Amante é Pai, só o Amante é Princípio sem princípio. Nele, o jogo do amor trinitário começa; e dirige-se totalmente ao Filho! O Pai ama o Filho, e todo o amor que Ele é, dá totalmente ao Filho. E o Filho, eternamente, pobre, obediente, deixa-Se invadir pelo Amor do Pai, deixa-Se marcar, inundar totalmente. Ele é total e essencial Filiação. Em Deus é assim: se o Pai ama dando amor, esgotando-se totalmente em amar o Filho, o Amado, o Filho ama recebendo amor, deixando-Se invadir, não reservando espaço algum para Si próprio! Assim, o Filho é o aconchego do Pai, é a alegria do Pai, a complacência do Pai, o céu do Pai! Quando este Filho foi gerado? Eternamente, não da vontade, mas do amor do Pai, da Sua fecundidade, pois eternamente o Pai é eterno Pai do Filho Eterno! Deus é assim: Amante e Amado, o Amante sendo cada vez mais no Amado e o Amado sendo cada vez mais no acolhimento do Amante!

Mas, a insondável, infinita e eterna Vida divina não se esgota aí, no Amante e no Amado, no dar e receber eterno, perfeito e divino. No seio da Trindade, no íntimo de. Deus nada há de coisa; tudo é pessoal, tudo tem a dignidade de ser Pessoa! Assim, misteriosamente, há um Terceiro: Ele é eterno princípio de personalização no seio da vida divina! Ele é o Amor pessoal no qual o Pai ama e o Filho é amado; Ele é a própria Geração, na qual o Pai gera e o Filho é Gerado, Ele é a própria Glória, na qual o Pai glorifica e o Filho é glorificado. É Nele que o Pai ama o Filho gerando-O e o Filho deixa-Se amar, sendo gerado. Ele, é chamado Espírito porque revela a própria Essência mais íntima de Deus: Espírito quer dizer incompressível, não limitado, não abarcável, que tudo sustenta, que tudo mantém, que tudo penetra! Espírito evoca realidade absolutamente incompreensível, incontrolável! E é chamado de Santo, para que fique patente que não é criatura, mas é Criador, Divino, Soberano, Subsistente, Pessoal! Na Trindade Santa, Eterna, Una e Consubstancial, Ele, o Santo Espírito, é eterna humildade: Ele não é amado pelo Pai: o Amado é o Filho! Ele não é o Amante, a fonte do amor: Amante é o Pai! Ele é o Amor, Nele o Pai ama, Nele o Filho é amado! Sem Ele, o Pai não seria o Amante, não seria Pai, não seria Deus! Sem Ele, o Filho não seria o Amado, não seria o Filho, não seria Deus! Sem o Divino Espírito, eterna e santa Geração, o Pai não geraria nem o Filho seria gerado! O Espírito é o Amor pessoal, a Geração pessoal na Trindade: Ele é o Amor-Geração! O Pai O dá todo ao Filho e, quanto mais O dá gerando, mais O tem. É assim o Amor: quanto mais se O dá, mais se O tem! Do mesmo modo o Filho: quanto mais O recebe, mais é o Amado, mais é o Filho! Assim, o Espírito não está entre o Pai e o Filho, mas todo no Pai e todo no Filho, unindo-Os numa infinita perfeita e imediata comunhão.

Assim, o Pai ama o Filho Amado. Somente a Ele. O Pai não ama o Espírito! O Pai ama no Espírito! O Espírito é o próprio Amor do Pai, procede do Pai, é o Amor do Pai em êxodo eterno e pleno para o Filho. Eis o modo de amar do Pai: no Espírito-Amor, dá-Se todo, completamente ao Filho, Nele jogando-Se sem reserva! O Pai é eterno Amor-Amante!
Também o Filho: Ele não ama o Espírito! Ele é o Amado no Espírito, totalmente invadido por Este santo Paráclito! Todo o Amor que o Pai derrama no Filho, gerando-O, é o Espírito. Se o Pai é o Amor-Amante, o Filho é o Amor-Amado, que acolhe completamente, totalmente o Amor do Pai, permitindo que seja Amor em circulação. Assim, o Amor que procede o Pai, procede também do Filho, pois, para haver Amor é necessário o Amante e o Amado, o que é todo Doação e o que é todo Acolhimento. Só há Amor no movimento eterno do Amante para o Amado no eterno jogo do Amor! Portanto, se o Pai tudo dá ao Filho, o Filho tudo recebe amorosamente do Pai! O Pai ama derramando Amor, o Filho ama acolhendo o Amor do Pai! O Pai é pleno de Amor porque é Amante, o Filho é pleno de Amor porque é Amado! E este Amor é Deus, é Pessoa, é Santo e Divino Espírito. Ele não é o Amante, Ele não é o Amado, Ele é o Amor! Santa e divina humildade, santa e divina disponibilidade, santa e divina comunhão: Ele Se deixa entregar pelo Pai e receber pelo Filho; Ele é o laço de amor, Vinculum amoris, é Nele que o Pai está todo no Filho e o Filho está todo no Pai, na unidade incompreensível eterna, infinita, plena do Espírito Santo!

Ora, neste amor que circula de modo eterno, perfeito e feliz, realizado, pleno, autossuficiente, de nada precisando, o Pai, eterno Amante, tudo criou através do Filho, eterno Amado, na potência do Espírito Santo, eterno Amor. A criação é uma livre e soberana explosão de amor por parte do Deus Triúno! E, por isso, por este Amor em circulação, que o mundo existe, as estrelas brilham, a vida brota e, sobretudo, nós existimos. Viemos do Pai, pelo Filho, no Espírito; vivemos no Pai pelo Filho no Espírito; vamos para o Pai, através do Filho no Espírito, Trindade Santa, nossa Vida e plenitude eterna. É assim que os cristãos confessam o seu Deus como eterno amor, amor vivo e circulante que, gratuita e livremente, Se derrama sobre o mundo e sobre a nossa vida.
De fato, nós conhecemos o amor de Deus e Sua Vida íntima porque o Pai amou tanto o mundo, a ponto de enviar o Seu Filho e, pelo Filho, derramou no nosso coração o Espírito do Filho que, em nós, clama Abbá, Pai. Por isso, podemos dizer que Deus é amor e, quem não ama, não conhece a Deus!

Eis um pouquinho, um acanhado e pobre balbuciar do Mistério da santa, consubstancial e eterna Trindade, a quem a glória e o louvor pelos séculos dos séculos. Amém.



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