Sexta-feira da III semana da Quaresma
Meditação XX: Um amor forte como a morte
Reze o Salmo 119/118,153-160
Agora leia mais uma vez Tb 6 e 7.
1. Nestes dois capítulos, gostaria de chamar atenção para dois temas: o matrimônio e os demônios. Comecemos com alguns aspectos do matrimônio. Na próxima meditação direi algo sobre os demônios...
2. Em Tb 6,20 está dito que o coração de Tobias enamorou-se de Sara de tal modo que já não podia separar-se dela. Este é, sem dúvida, um belíssimo aspecto da realidade conjugal: o amor; e amor aqui compreendido em todas as suas dimensões: afeto, admiração, encantamento, atração física, sentimento de recíproca e exclusiva pertença. A relação conjugal, como pensada por Deus, comporta todos estes elementos, todos destinados a uma comunhão de vida que é expressa maximamente na comunhão de corpos: “eles se tornam uma só carne” (Gn 2,24; Ef 5,30; cf. Mt 19,3-9). A própria Sagrada Escritura canta de modo intenso e poético o amor entre o homem e a mulher. Leia Ct 1,1-4; 2,8-17; 5,9-16; 1,9-11; 4,1-7.9-16. E mais: a Palavra de Deus pensa a aliança de amor entre o amado e a amada como imagem da aliança entre o Senhor e Israel, Sua esposa. Compare a fórmula da aliança (cf. Jr 30,22; 32,38) com a aliança de amor dos amantes dos Cantares (cf. 2,16; 6,3).
Observe como nestes textos sagrados o amor humano é cantado com toda a força, incluindo o sadio erotismo da atração entre os sexos, tal como o Senhor criou o ser humano. Pode parecer estranho que as Escrituras Santas tenham textos assim. No entanto, referindo-se ao Cântico dos Cânticos, os rabinos judeus diziam que o mundo não é digno do dia em que o Eterno deu a Israel esse livro! O amor humano, se é autêntico amor, vem de Deus e exprime algo do amor de Deus: “Pois o amor é forte, é como a morte. Suas chamas são chamas de fogo, uma faísca do Senhor. As águas da torrente jamais poderão apagar o amor, nem os rios afogá-lo. Quisesse alguém dar tudo o que tem para comprar o amor... Seria tratado com desprezo” (Ct 8,6-7). Infelizmente, a nossa cultura pós-cristã e neopagã, incitada pela concupiscência que povoa o coração humano ferido de pecado, deturpou e tem deturpado mais ainda o sentido da sexualidade, da diferença e complementaridade entre os sexos e do próprio ato sexual. Leia Rm 1,18-32. Não é esta a situação de uma cultura e uma sociedade fechadas para Deus, que tomam o homem como medida de todas as coisas? Desvincula-se cada vez mais três realidades que devem estar unidas e ordenadas uma à outra: amor, sexo e procriação. Quando se desvinculam totalmente estes três polos, desestrutura-se gravemente o amor, desfigura-se totalmente a sexualidade e abdica-se de participar da obra criadora de Deus na geração e educação dos filhos, novos membros da sociedade e filhos da Igreja, destinados à Glória celeste.
Pense um pouco: Qual a sua visão sobre estes temas? Você vê segundo Cristo ou segundo o mundo? Que papel a fé desempenha na sua sexualidade?
3. Agora veja: se o matrimônio tem a dimensão do amor erótico e oblativo entre um homem e uma mulher, se tem o aspecto da comunhão íntima e saborosa entre os dois cônjuges que se amam e se desejam, ele também tem uma dimensão social. No plano de Deus, o amor conjugal, gerando a vida, gera a humanidade, cria sociedade, suscita aqueles que serão os cidadãos do mundo e os filhos de Deus, na Igreja, comunidade dos discípulos de Cristo. Assim, em todas as culturas, o matrimônio é regulamentado, não ficando nunca no estrito âmbito fechado dos dois que se amam. Pense um pouco: nas várias culturas, a celebração do matrimônio é sempre um ato social, que envolve familiares, convidados e um reconhecimento oficial por parte da sociedade e das leis que a regem, implicando direitos e deveres. Leia Tb 6,10 – 7,14. Aí aparecem os vários costumes, direitos, obrigações e ritos próprios do matrimônio judaico da diáspora daquela época. Também entre os cristãos, o matrimônio tem uma grande dignidade e está longe de ser uma realidade que envolve somente os dois cônjuges. Leia Mt 19,3-9; Ef 5,21-33; Cl 3,18s.
Para os cristãos, os discípulos de Cristo casam-se apenas “no Senhor” (cf. 1Cor 7,39), de modo que o matrimônio cristão é um sacramento, isto é, um sinal eficaz do amor entre o Esposo-Cristo e a Esposa-Igreja, desposados no vinho do Espírito da Nova e Eterna Aliança (cf. Ef 5,21-33). Agora leia Jo 2,1-11: o Evangelista narra as bodas de Caná querendo mostrar aí uma realidade: sobrenatural:
(1) “No terceiro dia, houve um casamento” (v. 1). Para um cristão, o casamento no terceiro dia, dia da Ressurreição, são as bodas entre Cristo e a Igreja (cf. Ap 19,7-9); neste casamento místico, o Noivo é o Cristo Jesus e a Noiva é a Mulher (cf. v. 4), símbolo da Igreja.
(2) No terceiro dia, houve bodas e o Senhor transformou a água da Antiga Aliança no vinho bom do Espírito Santo da Nova e Eterna Aliança. Eis o sentido profundo: “No terceiro dia houve um casamento... Jesus manifestou a Sua glória... e os Seus discípulos creram Nele” (vv. 1.11). Como se pode observar, para os cristãos, o matrimônio em Cristo é sinal sacramental do amor entre Cristo e a Igreja. Releia Ef 5,21-33.
4. Pense um pouco diante do Senhor: Você tem consciência do sentido do matrimônio cristão? Tem consciência de que, como a relação de aliança de amor entre Cristo e a Igreja, também a aliança de amor entre um cristão e uma cristã devem ser na fidelidade, indissolubilidade e fecundidade? Sua visão do matrimônio e da vida conjugal é segundo o Cristo ou segundo o mundo? Seria muito bom estudar, no Catecismo da Igreja Católica, a fé da Igreja sobre o matrimônio. Veja lá os números 1601-1666.
5. Fique, portanto, claro: na fé cristã, o matrimônio, que nasce do amor e da livre escolha dos cônjuges, não é uma realidade meramente privada, mas, por vontade do Senhor, tem relação com a sociedade e a comunidade dos crentes, que é a Igreja. Esta última, a Igreja, tem o direito e o dever de dar normas sobre a realização e vivência do matrimônio dos seus filhos, sempre seguindo os preceitos do Senhor para esta realidade tão importante e santa. Também os estados laicos têm direito de dar normas para o contrato matrimonial dos cidadãos e os compromissos que daí decorrem. Este direito é reconhecido e legítimo, desde que não viole a natureza mesma das coisas, o bom senso e o respeito pela dignidade e liberdade dos cidadãos.
5. Reze o Salmo 128/127.
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