segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Os sacramentos - Jesus Cristo, o Sacramento Primordial

Com este artigo vou iniciar uma série de meditações sobre os sacramentos. O que são? Quem os instituiu? Qual o sentido de cada um deles? Como são celebrados? Como bem participar deles? São questões que veremos nesta série de temas teológicos.

Antes de mais nada é importante compreender que não podemos falar corretamente dos sacramentos sem começar falando de Jesus Cristo, somente Nele e a partir Dele os sacramentos têm sentido e eficácia: é Ele o Sacramento primordial, a fonte de todos os sacramentos. Vejamos bem isso!

Que é um sacramento? É um sinal eficaz, transformador, da presença de Deus, de Sua Vida e plenitude no nosso meio.
Observe bem: é um sinal, ou seja, indica, recorda, comunica, exprime, evoca, torna-nos presente uma realidade que de outro modo poderia estar ausente;
este sinal é eficaz: não somente recorda, indica, não somente torna presente na lembrança, mas realmente faz acontecer realmente, faz agir aquilo que significa.
É por isso que dizemos que o sacramento é um sinal eficaz, atuante, transformador.
Tomemos como exemplo a Bandeira do Brasil: “a lembrança da Pátria nos traz!” A Bandeira é um sinal do Brasil; mas não é um sinal eficaz: a Bandeira é a Bandeira e o Brasil é o Brasil! Ela é um sinal meramente convencional, exterior. Já com os sacramentos a coisa é diversa: a Eucaristia, por exemplo: aquele pão representa Cristo, indica Cristo, é sinal de Cristo... Mas, não é somente um sinal; é, realmente, Cristo presente, amante, atuante, no Seu Corpo ressuscitado! Então, o sacramento sinaliza e faz acontecer o que foi sinalizado! “Re-presenta”, ou seja, torna realmente presente!
É esta a primeira ideia que devemos ter quando falamos em sacramento.

Como foi dito acima, o Sacramento primordial é Cristo Jesus: Ele é o Sacramento do Pai: “Ele é a imagem do Deus invisível” (Cl 1,15), “É Ele o resplendor da Sua Glória (do Pai), e a expressão da Sua Substância” (Hb 1,3), Ele é a presença real, eficaz, transformadora, verdadeira do Pai entre nós: “Quem Me vê, vê o Pai; Eu estou no Pai e o Pai está em Mim” (cf. Jo 14,9,10).

Nas palavras de Jesus, é o Pai Quem nos fala, nos Seus gestos é o Pai Quem nos estende a mão, no Seu carinho para com os pobres, os fracos, os pecadores, é o Pai Quem manifesta a Sua ternura... Em toda a Sua vida entre nós foi o Pai Quem nos reconciliou Consigo. Muitíssimas vezes a Escritura afirma isso: “No princípio era o Verbo e o Verbo era Deus... e o Verbo Se fez carne e habitou entre nós e nós vimos a Sua glória. A graça e a verdade nos vieram por Jesus Cristo. Ninguém jamais viu a Deus: o Filho único, que está voltado para o seio do Pai, Este O deu a conhecer” (Jo 1,1.14.17-18).

Jesus é Deus como o Pai; Nele, Filho amado, é a própria Vida, a própria presença do Pai que nos é dada; por isso o Evangelista diz: a graça e a verdade do Pai nos vieram por Jesus Cristo! Outro exemplo desta realidade maravilhosa está na exclamação do próprio povo diante das ações de Jesus: “Um grande profeta surgiu entre nós e Deus visitou o seu povo” (Lc 7,16). Quando Jesus curou o endemoninhado de Gerasa, deu a seguinte ordem ao homem curado: “Vai para tua casa e para os teus e anuncia-lhes o que fez por ti o Senhor na Sua misericórdia” (Mc 5,19). Em Jesus nosso Salvador é o Senhor Deus (o Pai) Quem age! Por isso mesmo o próprio Jesus, quando foi criticado porque acolhia os pecadores, justificou Sua atitude contando as três parábolas da misericórdia, mostrando que Ele era amigo dos pecadores porque o Seu Pai também o era (cf. Lc 15). Tantas frases de Jesus mostram que Ele é esta presença de Deus: “O Meu Pai trabalha sempre e Eu também trabalho” (Jo 5,17); “Eu falo o que vi de Meu Pai (Jo 8,38); “Eu estou no Pai e o Pai está em Mim. As palavras que vos digo, não as digo por Mim mesmo, mas o Pai, que permanece em Mim realiza Suas obras” (Jo 14,10-11).

Por tudo isso, Jesus Cristo é o Sacramento do Pai: Nele está a Vida que vem do Pai (cf. Jo 1,4). Entrar em contato com o Cristo morto e ressuscitado é entrar em contato com a Vida do próprio Deus, a Vida que o Pai derrama sobre o Seu Filho na potência do Espírito Santo. Já afirmei isto muitas vezes, em tantos dos meus escritos: o Filho Jesus morto e ressuscitado como homem, recebeu do Pai o Espírito Santo, Espírito de Vida divina, força e poder, e derramou sobre nós: “Exaltado pela Direita de Deus, Ele (Jesus) recebeu do Pai o Espírito Santo prometido e O derramou” (At 2,33).

Então, o caminho pelo qual a humanidade pode caminhar para realmente encontrar Deus é Jesus Cristo, Sacramento (sinal eficaz, verdadeiro, potente, ativo) da presença divina entre nós. É por tudo isso que dissemos que Jesus é o Sacramente primordial de Deus! Não adianta pedir como Filipe: “Mostra-nos o Pai e isto nos basta!” (Jo 14,8) A resposta será sempre a mesma: “Quem Me vê, vê o Pai. Eu estou no Pai e o Pai está em Mim. Eu e o Pai somos um! (Jo 14,9-11)

No próximo texto continuarei, desenvolvendo este tema!


sábado, 28 de setembro de 2019

Homilia para o XXVI Domingo Comum - ano c

Am 6,1a.4-7
Sl 145
1Tm 6,11-16
Lc 16,19-31

Antes de entrar no tema próprio da Palavra de Deus deste Domingo, convém chamar atenção para três idéias do Evangelho que desmentem três erros que se pregam por aí a fora:

(1) Jesus hoje desmente e corrige os que afirmam que os mortos estão dormindo. É verdade que, antes do Exílio de Babilônia, quando ainda não se sabia em Israel que havia ressurreição, os judeus e seus textos bíblicos diziam que quem morria ia dormir junto com os pais no sheol. Tal ideia foi superada já no próprio Antigo Testamento, quando Israel compreendeu que o Senhor nos reserva a ressurreição. Então, na época do Segundo Templo, desde a volta do Exílio da babilônia até os tempos de Jesus nosso Senhor, até os dias de hoje, a grande maioria dos judeus pensava que quem morresse, ficava bem vivo, na mansão dos mortos, à espera do Julgamento Final. Já aí, havia uma mansão dos mortos de refrigério e paz e uma mansão dos mortos de tormento. É esta crença que Jesus supõe ao contar a parábola do mau rico e do pobre Lázaro. Assim sendo, nem mesmo para os judeus, que não conheciam o Messias, os mortos ficavam dormindo; dormiam nos seus corpos, não nas suas almas! Quanto mais para nós, cristãos, que sabemos que “nem a morte nem a vida nos poderão separar do amor de Cristo” (Rm 8,38-39). Afirmar que os mortos em Cristo ficam dormindo é desconhecer o poder da Ressurreição de Nosso Senhor. Muito pelo contrário, como para São Paulo, o desejo do cristão é “partir para estar com Cristo” (Fl 1,23). Deus nos livre da miséria de pensar que os mortos em Cristo ficam presos no sono da morte: na Jerusalém celeste, já desde agora, pela fé e a Eucaristia, podemos nos aproximar da Igreja celeste, isto é, “do Monte Sião e da Cidade do Deus vivo, a Jerusalém celeste, e dos espíritos dos justos que já chegaram a perfeição, e de Jesus, o Mediador de Nova Aliança” (Hb 12,22ss)!

(2) Outro erro que a parábola que ouvimos dos lábios do Senhor Jesus corrige é o de quem prega que o inferno não é eterno. Muitas vezes nas Escrituras – e aqui também – Jesus deixou claro que o Céu e o inferno são por toda a eternidade. Na parábola, aparece claro que “há um grande abismo” entre um e outro! Assim, cuidemos bem de viver unidos ao Senhor nesta única vida que temos, pois “é um fato que os homens devem morrer uma só vez, depois do que vem um julgamento” (Hb 9,27). Que ninguém se iluda com falsas esperanças e vãs ilusões, como a reencarnação! Com nossa única vida neste mundo, construímos a nossa eternidade!

(3) Note-se também como os mortos não podem voltar, para se comunicarem com os vivos. O cristão deve viver orientado pela Palavra de Deus e não pela doutrina dos mortos! Morto não tem doutrina, morto não volta, morto não se comunica com os vivos! Além do mais, os judeus não pensavam que os espíritos ordinariamente se comunicassem com os vivos. Observe-se que o que o rico pede é que Lázaro ressuscite, não que apareça aos vivos como um espírito desencarnado. Daí, a resposta de Jesus: “Eles não acreditarão, mesmo que alguém ressuscite dos mortos”!

Com estes esclarecimentos, vamos à mensagem da Palavra para este hoje. Jesus continua o tema de Domingo passado, quando nos exortou a fazer amigos com o dinheiro injusto. Este é o pecado do rico do Evangelho de hoje: não fez amigos com suas riquezas. Se tivesse aberto o coração para Lázaro, teria um amigo a recebê-lo no Céu! É importante notar que esse rico não roubou, não ganhou seu dinheiro matando ou fazendo mal aos outros. Seu pecado foi unicamente viver somente para si: “se vestia com roupas finas e elegantes e fazia festas esplêndidas todos os dias”. Ele foi incapaz de enxergar o “pobre, chamado Lázaro, cheio de feridas, queestava no chão”, à sua porta. “Ele queria matar a fome com as sobras que caíam da mesa do rico. E, além disso, vinham os cachorros lamber suas feridas”. O rico nunca se incomodou com aquele pobre, nunca perguntou o seu nome, nunca procurou saber sua história, nunca abriu a mão para ajudá-lo, nunca lhe deu um pouco de seu tempo. O rico jamais pensou que aquele pobre, cujo nome ninguém importante conhecia, era conhecido e amado por Deus. Não deixa de ser impressionante que Jesus nosso Senhor chama o miserável pelo nome, mas ignora o nome do rico! É que o Senhor se inclina para o pobre, mas olha o rico de longe! Afinal, os pensamentos de Deus não são os nossos pensamentos!

É esta falta de compaixão e de solidariedade que o nosso Jesus não suporta, sobretudo nos Seus discípulos; não suporta em nós! Já no Antigo Testamento, Deus recrimina duramente os ricos de Israel: “Ai dos que vivem despreocupadamente em Sião, os que se sentem seguros nas alturas de Samaria! Os que dormem em camas de marfim, deitam-se em almofadas, comendo cordeiros do rebanho; os que cantam ao som da harpa, bebem vinho em taças, se perfumam com os mais finos ungüentos e não se preocupam com a ruína de José”. É necessário que compreendamos isso: não podemos ser cristãos sem nos dar conta da dor dos irmãos, seja em âmbito pessoal seja em âmbito social. Olhemos em volta: a enorme parábola do mau rico e do pobre Lázaro se repetindo nos tantos e tantos pobres do nosso País, do nosso Estado, da nossa Cidade, muitas vezes bem ao lado da nossa indiferença. Como o mau rico, estamos nos acostumando com os meninos de rua, com os cheira-colas, com os miseráveis e os favelados, com o assassinato dos moradores de rua, com as drogas que circulam livres nos mais variados ambientes da nossa sociedade... A advertência do Senhor é duríssima: “Ai dos que vivem despreocupadamente em Sião... e não se preocupam com a ruína de José!”

Talvez, ouvindo essas palavras, alguém pergunte: mas, que posso eu fazer? Pois eu digo: comece por votar com vergonha! Não vote nos ladrões, não vote por interesse, não vote nos corruptos, não vote nos descomprometidos com a população, sobretudo com os mais fracos, não vote em que não tem nada além de palavras e promessas vazias! Vote com sua consciência, vote buscando o bem comum. Dê-se ao trabalho de escolher com cuidado seus candidatos, dê-se ao trabalho, por amor aos pobres, de pensar bem em quem votar! Só isso? Não! Olhe quem está ao seu lado: no trabalho, na rua, no sinal de trânsito, no seu caminho. Olhe quem precisa de você: abra o coração, abra os olhos, abras as mãos, faça-se próximo do seu irmão e ele o receberá nas moradas eternas.

Irmãos caríssimos, durante dois domingos seguidos o Senhor nos alertou para nosso modo de usar nossos bens. Fomos avisados! Um dia – no Dia final –, Ele nos pedirá contas! Que pela Sua graça, nós tenhamos, naquele solene e tremendo Dia, amigos que nos recebam nas Moradas Eternas. Amém.


segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Necroses de um tecido

A sociedade ocidental está se decompondo, desfigurando-se rapidamente. Sua matriz geradora foi a tradição judeu-cristã, que pariu nossa cultura do Ocidente. Foi o cristianismo, com sua crença de que cada indivíduo é imagem e semelhança de Deus em Cristo, quem possibilitou que essa cultura desenvolvesse conceitos como pessoa, direitos humanos, democracia, dignidade do indivíduo, etc. Foi o judeu-cristianismo, ao afirmar que a história é aberta e caminha para uma plenitude e que o homem tem a função de “dominar” a terra, quem inspirou e possibilitou o desenvolvimento tecnológico que fez com que o Ocidente se afirmasse hegemonicamente frente a outras culturas. Sem o cristianismo, o Ocidente não existiria. Até mesmo correntes de pensamento que se mostraram visceralmente antirreligiosas e anticristãs, beberam no cristianismo as bases de suas afirmações...

Desde o século XVIII, no entanto, com o iluminismo racionalista, o homem ocidental deu as costas a Deus, a Cristo, à Igreja e engendrou um projeto suicida: conservar e aprimorar os valores de nossa sociedade negando Deus. Tal projeto continua de pé; vai de vento em popa: a ilusão de um humanismo sem Deus e o Seu Cristo, um plano de fraternidade universal escondendo Jesus Cristo, nosso Senhor... Só há um problema, grave, urgente, inevitável: sem a sua seiva cristã, a grande árvore ocidental vai murchar, morrer e secar. Renegando a cosmovisão cristã que os inspirou, nossa sociedade não poderá conservar os valores admiráveis que construiu.

Atualmente, é moda criticar o cristianismo, avacalhar a Igreja e seu passado, relativizar Cristo, destruir a moral cristã, desfigurando-a. Fazem isso nas universidades, promovem isso nos meios de comunicação, levam adiante essa política nos vários programas de governos... O preço será alto, as consequências serão tremendas, porque o homem não pode matar Deus e continuar sendo humano, vivendo uma vida humana. Seremos lobos de nós mesmos, de nós mesmos desiludidos, por nós mesmos desgostosos. Exemplos dessa necrose? A destruição do conceito de família e de sua realidade mesma, o desencanto e falta de ideal de nossos jovens, a banalização e aviltamento da sexualidade, a exaltação da homossexualidade como ideologia, a corrupção deslavada na política, a violência nas suas mais diversas manifestações, a droga e a guerrilha urbana nas nossas cidades, o desprezo pela vida: aborto, experimentos imorais com embriões humanos, a promoção da eutanásia.

O Ocidente está matando Deus. O Ocidente, por isso mesmo, morrerá! A continuar assim, nosso destino não muito distante serão a barbárie e a tirania. Ao fim das contas, valem para toda a nossa sociedade as palavras que o ateu Miguel de Unamuno dizia ao Deus em Quem não conseguia crer: “Que pena que Tu não existas. Se existisses, eu também existiria de verdade”.


sábado, 21 de setembro de 2019

Homilia para o XXV Domingo Comum - ano c

Am 8,4-7
Sl 112
1Tm 2,1-8
Lc 16,1-13


O sentido do Evangelho de hoje encontra-se numa constatação e num conselho de Jesus, nosso Senhor.
Primeiro, a constatação: “Os filhos deste mundo são mais espertos em seus negócios que os filhos da luz”.
Depois, o conselho, que, na verdade, é uma exortação: “Usai o dinheiro injusto para fazer amigos, pois, quando acabar, eles vos receberão nas moradas eternas”. Que significam estas palavras?

A constatação do Senhor Jesus é tristemente real: os pecadores são mais espertos e mais dispostos para o mal, que os cristãos para o bem. Pecadores entusiasmados com o pecado, apóstolos do pecado, divulgadores do pecado... Cristãos sem entusiasmo pelo Evangelho, sem ânimo para a virtude, sem criatividade para crescer no caminho de Deus! Pecadores motivados, cristãos cansados e preguiçosos! Que vergonha! Hoje, como ontem, a constatação do Cristo Jesus é verdadeira. Olhemo-nos, olhemos uns para os outros, olhemos para esta Comunidade que, dominicalmente, se reúne para escutar a Palavra e nutrir-se do Corpo do Senhor... Somos dignos da Eucaristia? Sê-lo-emos se nos tornamos testemunhas entusiasmadas e convictas Daquele que aqui escutamos, Daquele por quem aqui somos alimentados!

Da constatação triste do Senhor, brota a Sua exortação grave: “Usai o dinheiro injusto para fazer amigos, pois, quando acabar, eles vos receberão nas moradas eternas”. Palavras estranhas; à primeira vista, escandalosas... Que significam?
Jesus chama o dinheiro de “injusto”. Dinheiro, aqui, é tudo quanto tenhamos de precioso, de bom, de desejável, de agradável, tudo quanto, para nós, seja uma riqueza... E este dinheiro é “injusto” porque o dinheiro, a riqueza, os bens materiais e os bens da inteligência, do sucesso, da fama, ainda que adquiridos com honestidade, são sempre ambíguos: sempre traiçoeiros, sempre perigosos, sempre na iminência de escravizar nosso coração e nos fazer seus prisioneiros. Dinheiro injusto porque sempre nos tenta à injustiça de dar-lhe a honra que é devida somente a Deus e de buscar nele a segurança que somente o Senhor nos pode garantir. Por isso, o Senhor nosso chama os bens deste mundo de “dinheiro injusto”... Sempre injusto, porque sempre traiçoeiro, sempre traiçoeiro, porque sempre sedutor! Constantemente corremos o risco de nos embebedar com ele, fazendo dele o fim de nossa existência, nossa segurança e nosso deus... Mas, os bens materiais, em geral, e o dinheiro, em particular, não são maus de modo absolutos... 
No entanto, eles podem ser usados para o bem. Por isso Jesus nos exorta a fazer amigos com eles... Fazemos amigos com nossos bens materiais ou espirituais quando os colocamos não somente ao nosso serviço, mas também ao serviço do crescimento dos irmãos, sobretudo dos mais necessitados. Aí, o dinheiro se torna motivo de libertação, de alegria e de vida para os outros... Então, assim procedendo, tornamo-nos amigos dos pobres, que nos receberão de braços abertos na Casa do Pai!
Bendito dinheiro, quando nos faz amigos dos pobres e, por meio deles, amigos de Deus! Que o digam os cristãos que foram ricos e se fizeram amigos de Deus porque foram amigos dos pobres! Que o digam Santa Brígida da Suécia, Santo Henrique da Baviera, São Luís de França, os Santos Isabel e Estevão, reis da Hungria... e tantos outros, que souberam colocar seus bens a serviço de Deus e dos irmãos! Uma coisa é certa: é impossível ser amigo de Deus não sendo amigo dos pobres deste mundo! Sobre isso o Senhor nos adverte duramente na primeira leitura: ai dos que celebram as festas religiosas dos sábados e das luas novas em honra do Senhor com o pensamento de, no dia seguinte, roubar, explorar o pobre e pisar o fraco! Maldita prática religiosa, esta! A queixa do Senhor é profunda, Sua sentença é terrível. Ouçamos o que Ele diz, e tremamos: “Por causa da soberba de Jacó, o Senhor jurou: ‘Nunca mais esquecerei o que eles fizeram!’” A verdade é que não podemos usar nossos bens como se Deus não existisse e não nos mostrasse os irmãos necessitados, como também não podemos adorar a Deus como se não tivéssemos dinheiro e outros bens materiais ou da inteligência, bens que devem ser colocados debaixo do senhorio de Cristo! Não se pode separar nossa relação com Deus do modo como usamos os nossos bens! Ou as duas vão juntas, ou a nossa religião é falsa! Por isso, perguntemo-nos hoje: Como uso os bens materiais, como uso meus talentos, como uso minha inteligência? Somente para mim? Ou sei colocar-me a serviço, fazendo de minha vida uma partilha, tornando outros felizes e o nome de Deus honrado?

Os bens deste mundo são pouco, em relação com os bens eternos que o Senhor nos promete para sempre. Pois bem, escutemos o que diz o nosso Salvador: “Quem é fiel nas pequenas coisas, também é fiel nas grandes. Se vós não sois fiéis no uso do dinheiro injusto, quem vos confiará o verdadeiro bem? E se não sois fiéis no que é dos outros, quem vos dará aquilo que é vosso?" Em outras palavras, para que ninguém tenha a desculpa de dizer que não compreendeu o que o Senhor quis dizer: Quem é fiel nas coisas pequenas deste mundo, será fiel nas coisas grandes que o Pai dará no Céu. Se vós não sois fiéis no uso dos bens desta vida, como Deus vos confiará a Vida eterna, que é o verdadeiro bem? E se não sois fiéis nos bens que não são vossos para sempre, como Deus vos confiará aquilo que é o verdadeiro bem, a Vida eterna, que será vossa para sempre?

Olhemos nós, que o modo de nos relacionarmos com o dinheiro e demais bens diz muito do que nós somos, afinal o nosso tesouro está onde está nosso coração! Dizei-me onde anda o vosso coração, o vosso apego, a vossa preocupação, e eu vos direi qual é o tesouro da vossa vida! Tristes de nós quando o nosso tesouro não for unicamente Deus! Tristes de nós quando, por amor ao que passa, perdemos a Deus, o único Bem que não passa! Uma coisa é certa: a advertência duríssima de Jesus: “Ninguém pode servir a dois senhores. Vós não podereis servir a Deus e ao dinheiro!”

Que nos converta a misericórdia de Deus, que sendo tão bom, quer que todos se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade” (1Tm 2,4). A Ele a glória para sempre. Amém.


terça-feira, 17 de setembro de 2019

Ilumina as trevas do meu coração!

Do Primeiro Livro de Samuel (1Sm 24,3-21)

Naqueles dias, Saul tomou consigo três mil homens escolhidos em todo o Israel e saiu em busca de Davi e de seus homens, até os rochedos das cabras monteses. E chegou aos currais de ovelhas que encontrou no caminho.
Havia ali uma gruta, onde Saul entrou para satisfazer suas necessidades. Davi e seus homens achavam-se no fundo da gruta e os homens de Davi disseram-lhe: “Este certamente é o dia do qual o Senhor te falou: ‘Eu te entregarei o teu inimigo, para que faças dele o que quiseres’.
Então Davi aproximou-se de mansinho e cortou a ponta do manto de Saul. Mas logo o seu coração se encheu de remorsos por ter feito aquilo, e disse aos seus homens: “Que o Senhor me livre de fazer uma coisa dessas ao ungido do Senhor, levantando a minha mão contra ele, o ungido do Senhor”.
Com essas palavras, Davi conteve os seus homens, e não permitiu que se lançassem sobre Saul. Este deixou a gruta e seguiu seu caminho.
Davi levantou-se a seguir, saiu da gruta e gritou atrás dele: “Senhor, meu rei!” Saul voltou-se e Davi inclinou-se até o chão e prostrou-se. E disse a Saul: “Por que dás ouvidos às palavras dos que te dizem que Davi procura fazer-te mal? Viste hoje com teus próprios olhos que o Senhor te entregou em minhas mãos, na gruta. Renunciando a matar-te! Poupei-te a vida, porque pensei: Não levantarei a mão contra o meu senhor, pois ele é o ungido do Senhor, e meu pai.
Presta atenção, e vê em minha mão a ponta do teu manto. Se eu cortei este pedaço do teu manto e não te matei, reconhece que não há maldade nem crime em mim, que não pequei contra ti. Tu, porém, andas procurando tirar-me a vida. Que o Senhor seja nosso juiz e que Ele me vingue de ti. Mas eu nunca levantarei a minha mão contra ti.
‘Dos ímpios sairá a impiedade’, diz o antigo provérbio; por isso, a minha mão não te tocará. A quem persegues tu, ó rei de Israel? A quem persegues? Um cão morto! E uma pulga! Pois bem! O Senhor seja juiz e julgue entre mim e ti. Que Ele examine e defenda a minha causa, e me livre das tuas mãos”.
Quando Davi terminou de falar, Saul lhe disse: “É esta a tua voz, ó meu filho Davi? E começou a clamar e a chorar. Depois disse a Davi: “Tu és mais justo do que eu, porque me tens feito bem e eu só te tenho feito mal. Hoje me revelaste a tua bondade para comigo, pois o Senhor me entregou em tuas mãos e não me mataste. Qual é o homem que, encontrando o seu inimigo, o deixa ir embora tranquilamente? Que o Senhor te recompense pelo bem que hoje me fizeste. Agora, eu sei com certeza que tu serás rei, e que terás em tua mão o reino de Israel”.

Dois homens, dois corações.
Primeiro Saul, o atormentado, o homem carcomido pelo demônio da malignidade que provoca medo, inveja, ciúme, desconfiança... O rei de Israel é apenas uma sombra de homem, um poço de contradições. Persegue Davi covardemente, como uma fixação doentia, porque deixou os demônios dos maus sentimentos tomarem conta de seu coração! Nunca esqueçamos: é preciso cuidar do coração, não deixar que a maldade e os maus movimentos se aninhem nele, é necessário sempre cortar pela raiz, ao nascer, o que de ruim vai aparecendo em nós... Saul não fez isto e agora paga o preço de ser escravo de si mesmo... É um homem menor, um poço de contradições: persegue Davi e depois chora com remorso, vendo o papelão que está fazendo; chega mesmo a reconhecer: “Hoje me revelaste a tua bondade para comigo, pois o Senhor me entregou em tuas mãos e não me mataste. Qual é o homem que, encontrando o seu inimigo, o deixa ir embora tranquilamente? Que o Senhor te recompense pelo bem que hoje me fizeste. Agora, eu sei com certeza que tu serás rei, e que terás em tua mão o reino de Israel”. E, contudo, no seu desaprumo louco, continuará ainda a perseguir Davi, na tentativa de eliminá-lo...

Depois, Davi! É um homem grande, largo de coração. Homem benévolo. Será sempre assim, mesmo quando cair e pecar feio... O que encanta no futuro rei de Israel é a sua espontaneidade, a sua generosidade, a sua sinceridade cheia de simplicidade. Por um lado, é um homem esperto e astuto, mas isto não endurece seu coração. Mesmo sofrendo e tendo que viver feito bandido, sabe conservar a sensibilidade e reger-se por princípios fundados no temor de Deus. Poderia ter matado Saul e não o faz porque ele é o Ungido do Senhor. Mas, no entanto, não é tolo: sabe que está certo e Saul, errado, e entrega sua causa ao Senhor. Suas palavras são tremendas: “Presta atenção, e vê em minha mão a ponta do teu manto. Se eu cortei este pedaço do teu manto e não te matei, reconhece que não há maldade nem crime em mim, que não pequei contra ti. Tu, porém, andas procurando tirar-me a vida. Que o Senhor seja nosso juiz e que Ele me vingue de ti. O Senhor seja juiz e julgue entre mim e ti. Que Ele examine e defenda a minha causa, e me livre das tuas mãos”. Deveríamos aprender com Davi: ele coloca sua causa nas mãos do Senhor, confia-Lhe o julgamento e a vingança.

Não tenhamos medo de apresentar ao Senhor nossa causa; não temamos sequer em pedir-Lhe que nos faça justiça contra nossos inimigos, pois a justiça de Deus não é como a nossa: ela se manifesta em Cristo, que revela a justiça divina justificando o pecador.

Uma coisa é certa: nos embates e pelejas da vida é necessário cuidar do coração, colocando-o sempre diante do Senhor: somente na Sua luz nós veremos a luz e compreenderemos realmente as motivações e movimentos mais profundos, que inspiram nossas ações e reações. “Jesus, Tu és minha luz interior: não deixes que minha escuridão me fale! Jesus, Tu és minha luz interior: possa eu acolher Teu amor!”


segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Um Deus presente e atuante

Do Primeiro Livro de Samuel (1Sm 9,1-4.17-19; 10,1a)

Havia um homem de Benjamin, chamado Cis, filho de Abiel, filho de Seror, filho de Becorat, filho de Afia, um benjaminita, homem forte e valente. Ele tinha um filho chamado Saul, de boa apresentação. Entre os filhos de Israel não havia outro melhor do que ele: dos ombros para cima sobressaía a todo o povo.
 Ora, aconteceu que se perderam umas jumentas de Cis, pai de Saul. E Cis disse a seu filho Saul: “Toma contigo um dos criados, põe-te a caminho e vai procurar as jumentas”. Eles atravessaram a montanha de Efraim e a região de Salisa, mas não as encontraram. Passaram também pela região de Salim, sem encontrar nada; e, ainda pela terra de Benjamin, sem resultado algum.
Quando Samuel avistou Saul, o Senhor lhe disse: “Este é o homem de quem te falei. Ele reinará sobre o Meu povo”. Saul aproximou-se de Samuel, na soleira da porta, e disse-lhe: “Peço-te que me informes onde é a casa do vidente”. Samuel respondeu a Saul: “Sou eu mesmo o vidente. Sobe na minha frente ao santuário da colina. Hoje comereis comigo, e amanhã de manhã te deixarei partir, depois de ter revelado tudo o que tens no coração”.
Na manhã seguinte, Samuel tomou um pequeno frasco de azeite, derramou-o sobre a cabeça de Saul e beijou-o dizendo: “Com isto o Senhor te ungiu como chefe do Seu povo, Israel. Tu governarás o povo do Senhor e o livrará das mãos de seus inimigos, que estão ao seu redor”.

Realmente, a Escritura é apaixonante: mostra-nos o Senhor como um Deus vivo, presente concretamente na vida do mundo, na vida das pessoas, na nossa vida. Eis o nosso Deus: Deus do dia-a-dia, Deus da vida cotidiana, Deus que entra nas contradições da vida; não um Deus teórico, distante, metafísico, exato, frio, previsível...

Lá vai Deus metido com Saul, que está medito com umas jumentas! Lá vai Deus, envolvido com o jovem Samuel, agora já velho, chamado de “vidente” pelo povo, porque falava em nome de Deus e discernia a vontade de Deus na vida das pessoas... Lá vai Deus, ungindo Saul como rei do seu povo. Lembra, caro Irmão? Essa unção é fruto de um pedido do povo, um pedido que desgostou o Senhor Deus... Pois bem: lá vai Deus escrevendo certo por linhas tortas, metendo-se com a complicada história dos homens...

Quem dera hoje soubéssemos escutar o Senhor, discernir Sua graciosa presença nos mil modos em que vem a nós de modo discreto, educado, elegante, velado! Ah! Se o povo de Deus acreditasse realmente no Senhor, se hoje ouvisse a Sua voz!

Mas, que pena, que somos gente de hoje, teimosa, que só escuta a própria razão, que só escuta a si mesma, que deseja meter o Senhor na gaiola da razão à nossa medida ou na distância da inutilidade, de um Deus frio e calculado, do nosso tamanho.

Ah, Senhor Deus, que Tu és livre e libertador! Ah, que ninguém pode medir Tua grandeza! Ah, que ninguém pode sondar Teus pensamentos! Deus vivo, Deus presente, Deus soberano, que elevas e abaixas, que fazes morrer e ressuscita! A Ti a glória, ó glória da nossa vida, por Cristo na Igreja, pelos séculos dos séculos. Amém.


domingo, 15 de setembro de 2019

Árvore admirável, de Fruto divino!

Ontem, a Igreja celebrou a Festa da Exaltação da Santa Cruz.

“Anunciamos Cristo crucificado” (1Cor 1,23) – afirmava São Paulo na leitura das Vésperas.

Cristo crucificado, Cristo fracassado, frágil, impotente, segundo a humana lógica; Cristo esquecido por Deus e pela humanidade, deixado só, feito homem de dores... Cristo morto até a morte por Sua fidelidade ao Pai, por Seu compromisso não com as modas de Sua época, não com os bem pensantes de plantão, mas unicamente com o Pai e o Seu Reinado, que deveria vir não segundo os modos, os tempos e a lógica dos homens, mas somente segundo o critério misterioso e oculto de Deus...

“Pregamos Cristo crucificado!” – Palavras tremendas para a Igreja de todas as épocas, porque não há outro Cristo a ser pregado (qualquer outro é falso, não é o Cristo, mas um anti-Cristo, obra de Satanás...).

E a Liturgia da Festa da Exaltação continuava, tomando as palavras do santo Apóstolo: “Escândalo para os judeus, e tolice para os gentios”... Pense bem, meu caro Irmão, porque nada mudou!
Cristo, com Sua Cruz, com Sua lógica, continua escândalo, continua tolice desprezível que não deve ser levada a sério... Sua lógica não é o sucesso, o poder, as ideias da moda, as ideologias de plantão, o que aparece nos meios de comunicação e aí faz sucesso.
Na verdade, Ele não Se deixa aprisionar nem mesmo pela lógica dos Seus discípulos! Para compreendê-Lo é necessário mesmo olhar e contemplar e sentir a Cruz do Senhor. Só ali o mistério do Crucificado deixa de ser loucura, tolice e escândalo...

“Mas para nós, chamados, judeus ou gentios, é Cristo, força e sabedoria de Deus”. Deve ser assim; deveria ser assim!
A Cruz do Senhor e o Senhor da Cruz – deveríamos ver aí a sabedoria e o poder do nosso Deus, que com força divina destroça o pecado e a morte com Seu amor até a Cruz e com sabedoria surpreendente revela a insensatez da pura lógica humana... 
Nós, cristãos, deveríamos compreender a linguagem da Cruz, inscrita no coração do mundo, no coração da história, no coração da nossa própria vida... E, no entanto, também a nós, a Cruz escandaliza e também nós tanta vez não conseguimos compreender sua lógica salvadora!

A Cruz, a Cruz!

Lembra, caro Irmão, do Paraíso? Recorda-se das duas árvores plantadas pelo Senhor Deus?
A primeira era aquela que dava ao homem o poder de ser como Deus, senhor do bem e do mal. O homem poderia decidir não simplesmente fazer o bem e o mal, mas, muito mais ainda, decidir o que é bem e o que é mal, transformar o mal em bem e o bem em mal! É a nossa tentação fundamental – e tantas vezes fazemos isto na nossa vida, quando optamos pelo mal e, disfarçadamente, chamamo-lo bem! A outra árvore era a da Vida. Atenção para esta árvore; seu sentido é profundo!

Mesmo tendo criado o homem perfeito, Deus ainda lhe daria Sua plenitude dando-lhe a Vida divina, a plenitude de uma Vida de eterna e plena bem-aventurança, aquela Vida que ainda hoje é o desejo e a saudade do nosso coração. Mas, esta Vida – como tudo na nossa existência – seria dom de Deus, não simples conquista humana, que pensa poder estender a mão e tudo pegar... O homem receberia essa Vida gratuitamente, como dom, se não tivesse tentado tomar o lugar de Deus, querendo ser senhor do bem e do mal... Mas tentou, teimou, quis, quer ser como Deus... Resultado: ao invés da Vida, a morte, o coração ferido, a vida capenga, medrosa, frágil, que experimentamos na nossa existência...

Quanto à árvore da Vida, o caminho foi fechado para que o homem não pudesse, presunçosamente, comer seu fruto – Deus fechou o caminho... E o homem procura a Vida: vai à lua, a Marte, ao fundo do mar, ao coração da matéria, vasculha as galáxias, penetra no inconsciente e nas camadas mais profundas do psiquismo e não encontra esta árvore e não pode comer do seu fruto, que lhe daria a Vida plena, beata, feliz, divina, pela qual tanta anseia, mesmo quando insiste em dizer que não a deseja...

Mas, Deus (bendita seja a Sua bondade, o Seu amor, a Sua misericórdia), livremente nos abriu o caminho para esta árvore de Vida, gratuitamente nos ofereceu o seu fruto! Quem comer dele vive da Vida divina, quem provar dele vence a Morte, quem dele se alimentar tem a Vida eterna.

Que árvore? Que fruto?

Tu, Jesus, és o Fruto de Vida eterna: quem comer de Ti viverá! E a árvore da Vida, a árvore que dá esse Fruto bendito, é a Tua cruz!
Eis o mistério que adoramos na Exaltação da Santa Cruz: a árvore da Vida é a Tua Cruz, Senhor!
Em Ti, temos a Vida, em Ti, somos saciados de eternidade, em Ti, a morte é vencida de modo definitivo!
A Ti a glória para sempre, ó Poder de Deus, ó Sabedoria do Pai, que desmoraliza o escândalo dos judeus e a tolice dos gentios!


sábado, 14 de setembro de 2019

A árvore da Vida é a Tua Cruz, ó Senhor!

Hoje, a Igreja celebra a Festa da Exaltação da Santa Cruz.
Segundo antigas crônicas eclesiásticas a Imperatriz Santa Helena, mãe de Constantino Magno, encontrou a Cruz do Senhor em 14 de setembro de 320 nas escavações do Monte Calvário em Jerusalém. No dia 13 de setembro de 355 foi solenemente consagrada a Basílica do Santo Sepulcro e, no dia seguinte, 14 de setembro, a Cruz que fora encontrada anos antes foi solenemente exposta à veneração dos fiéis. Daí por diante, todas as igrejas que posteriormente foram adquirindo uma relíquia da Cruz, neste dia expunham-na solenemente. Daí a Festa da Exaltação da Santa Cruz. A Cruz do Cristo deve perenemente recorda-nos três coisas:

(1) Até onde o homem caiu no seu desejo de ser como Deus, na sua pretensão de autossuficiência: o homem é capaz de matar Deus! Matá-Lo no seu coração, matá-Lo na sua vida pessoal e social. Ao mesmo tempo, aquele Desfigurado da Cruz é como que uma imagem do homem desfigurado no seu pecado.

(2) Mas, a Cruz nos revela também até onde Deus está disposto a ir para nos encontrar. Até onde o Senhor é capaz de descer em busca de Sua ovelha perdida: Deus amou tanto o mundo a ponto de entregar o Seu próprio Filho, o Amado, o Único! Não há sofrimento ou escuridão que sejam maior que o amor de Deus por nós! Mesmo na treva, mesmo na dor, o Senhor estará sempre presente com Seu amor.

(3) A Cruz nos revela o modo de agir de Deus. Ela é a chave para se compreender como Deus pensa, como Deus faz; e nos assusta, porque a lógica do Senhor é totalmente diversa da nossa! Na Cruz aparece claro o quanto os pensamentos do Senhor são diversos dos nossos... Neste sentido, ela é sempre um forte apelo à conversão, a que mudemos nosso modo de compreender a vida e os acontecimentos! Na Cruz, quando dizemos: “É o fim!”, Deus está dizendo: “É um novo começo!”

Uma última palavra. Recorde-se, caro Irmão, do livro do Gênesis: no paraíso havia duas árvores: a do conhecimento do bem e do mal e a árvore da Vida. O homem comeu o fruto da primeira, querendo ser como Deus, senhor do bem e do mal; assim, perdeu o fruto da segunda: foi privado da Vida plena. Nunca mais a humanidade encontrou o caminho para a árvore da Vida. Pois bem, ei-la: a árvore da Vida é a Cruz do Senhor; Ele, Jesus, é o Fruto bendito desta árvore: quem Dele comer terá a Vida eterna, Vida em abundância! E este Fruto bendito é-nos dado em cada Eucaristia! Seja louvado o Senhor por Seus desígnios maravilhosos!


Homilia para o XXIV Domingo Comum - ano c

Ex 32,7-11.13-14
Sl 50
1Tm 1,12-17
Lc 15,1-32

Na Solenidade do santo Natal, na segunda leitura da Missa da Aurora, a Igreja, olhando o Presépio, faz-nos escutar as palavras de São Paulo a Tito: “Manifestou-se a bondade de Deus nosso Salvador, e o Seu amor pelos homens. Ele salvou-nos, não por causa dos atos de justiça que tivéssemos praticado, mas por Sua misericórdia...” (Tt 3,4s). O Menino que veio viver entre nós, Jesus, nosso Senhor, é a bondade de Deus, é a Sua salvação misericordiosa...
Estas palavras são maravilhosamente ilustradas pela liturgia deste Domingo. Hoje, o Cristo nos é apresentado como a própria bondade, a própria ternura misericordiosa do Pai dos Céus, do nosso Deus.
Aquilo que já fora prefigurado por Moisés, intercedendo pelo povo pecador, na primeira leitura; aquilo que, na segunda leitura, São Paulo pregou e experimentou na própria vida: “Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores. E eu sou o primeiro deles!” – tudo isso nós tocamos nas três parábolas da misericórdia do capítulo XV do Evangelho de São Lucas.

Sigamos a narrativa. Por que Jesus contou essas parábolas? Porque “os publicanos e pecadores aproximavam-se Delepara O escutar. Os fariseus, porém, e os escribas criticavam Jesus: ‘Este homem acolhe os pecadores e faz refeição com eles’.”
Aqui está: Jesus nosso Senhor era um fio de esperança para aqueles considerados perdidos, metidos no pecado, sem jeito nem solução... Os publicanos, as prostitutas, os ignorantes, os pequenos e desprezados, gente sem preparo e sem cultura teológica estavam aproximando-se de Jesus para escutá-Lo; viam Nele a ternura e a misericórdia de Deus. Os escribas e fariseus – homens praticantes e doutores da Lei – criticavam Jesus por isso. Ele Se misturava com os impuros, Ele acolhia a gentalha e os pecadores. Pois bem, foi para esses doutores que Jesus contou as parábolas, para mostrar-lhes que o Coração do Pai é ternura, é amor, é vida, é amplo como uma casa grande... Ora, o agir do Senhor nosso nada mais era que um reflexo, um sacramento do amor do próprio Deus de Israel, a Quem Jesus chamava de Pai: “Quem Me vê, vê o Pai; Eu estou no Pai e o Pai está em Mim! O Pai, que permanece em Mim, realiza Suas obras. Crede-Me: Eu estou no Pai e o Pai está em Mim!” (Jo 14,9.10b-11)

O Pai Se alegra, porque Jesus, o Bom Pastor, era capaz de deixar noventa e nove ovelhas para ir atrás daquela que se perdera totalmente, até encontrá-la!
O convite que Jesus estava fazendo aos escribas e fariseus era claro: “Alegrai-vos Comigo! Encontrei a Minha ovelha que estava perdida!”Alegrai-vos, porque o Coração do Pai está feliz: Ele não quer a morte do pecador, mas que se converta e tenha a Vida!
Do mesmo modo, na parábola da dracma perdida: Deus é como aquela mulher que acende a lâmpada e varre cuidadosamente a casa até encontrar sua moedinha. E não descansa até encontrá-la! Quando a encontra, como Deus, quando encontra o pecador, ela exclama: “Alegrai-vos comigo! Encontrei a moeda que havia perdido!”
O Deus que Jesus nos revela, o Deus a quem Ele chamava de Pai é assim: bom, compassivo, misericordioso, preocupado conosco e com cada um de nós, persistente, teimoso, perseverante no Seu amor por nós! Ele somente é glorificado quando estamos de pé, quando estamos bem, quando somos felizes. Mas, não há felicidade verdadeira para nós, a não ser juntinho Dele, que é o Pai de Jesus e nosso Pai. É isso que Jesus inculca com a terceira parábola, a mais bela de todas: o Pai e os dois filhos.

“Um homem tinha dois filhos”. Este homem é o Pai dos Céus. “O filho mais novo disse ao pai: ‘Dá-me a parte da herança que me cabe’”. Esse moço quer ser feliz, deseja ser livre, autônomo e imagina que somente vai sê-lo longe do olhar do pai. Assim, sem juízo, como que mata o pai, pedindo-lhe logo a herança. “e partiu para um lugar distante”. Quanto mais longe do pai, melhor, mais livre! E aí, dissipa tudo, numa terra pagã, longe do pai, longe de Deus. E termina na miséria, tendo esbanjado a vida, a felicidade, o futuro, o amor e o sexo... Vai pedir trabalho e dão-lhe o mais vergonhoso para um judeu: cuidar de porcos, animais impuros. E ele queria comer a lavagem dos porcos e não lha davam!
Em que deu o sonho de autonomia, de liberdade, de felicidade longe do pai! Tudo não passara de ilusão!
Mas, apesar de louco, o jovem era sincero: caiu em si, reconheceu que pecara. Não colocou a culpa no pai, nos outros, no mundo, no destino. Reconheceu-se culpado e recordou e confiou no amor do pai: “Vou voltar para meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei contra o Céu e contra ti!” E volta! O jovem era corajoso, generoso, era sincero!
O que ele não sabia é o pai nunca o esquecera; esperava-o todos os dias, olhando ao longo do caminho. De longe, o avistou e o reconheceu, apesar da miséria e da fome e das roupas maltrapilhas. E, cheio de compaixão – como o Coração do Pai de Jesus – correu ao encontro do filho, cobriu-o de beijos e de vida, e restituiu-lhe a dignidade de filial. E deu uma festa!
O Pai é assim: não quer ninguém fora de Sua casa, de Seu coração, da festa do Seu amor, do banquete de Sua Eucaristia!

Mas, havia ainda o filho mais velho. Este, como os escribas e os fariseus, jamais havia desobedecido ao pai; cumprira todos os seus preceitos, os mandamentos da Lei. Por isso, ficou com raiva e não quis entrar na festa do pai: “O pai, saindo, insistia com ele...”
Notai que o mesmo pai que saíra ao encontro do filho mais novo, saiu agora ao encontro do mais velho, que estava perdido no seu egoísmo, na sua raiva, fora da festa e do aconchego do pai!
E o mais velho passou-lhe na cara: “Eu trabalho para ti há tantos anos e tu nunca me deste um cabrito para eu festejar com meus amigos...” O pai respondeu: “Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu...”
É que aquele filho nunca amara o pai de verdade: cumpria tudo, de tudo fazendo conta e, um dia, iria pedir o pagamento, a recompensa por tudo... Por isso nunca se sentira íntimo do pai, por isso não sentira que tudo quanto era do pai era dele também! Atenção, irmãos, que se pode estar junto do pai e nunca o conhecê-lo de verdade! Não era esta a situação daqueles escribas e fariseus?
Interessante que Jesus não diz se o filho entrou na festa do pai e na alegria do irmão ou se, ao contrário, ficou fora, onde somente há choro e ranger de dentes.

Pois bem, o Senhor nos convida hoje a acolher no Cristo Jesus a misericórdia incansável de Deus para conosco, um Deus que não sossega até nos encontrar... Mas, nos convida também a ser misericordioso para com os outros.
É triste quando experimentamos que somos pecadores, experimentamos a bondade acolhedora de Deus para com nossos pecados e, depois, somos duros, insensíveis e exigentes em relação aos irmãos.
Que o Senhor nos dê um coração como o Coração de Cristo, imagem fidelíssima, sacramental, do Coração do Pai, capaz de acolher o perdão e a misericórdia de Deus e transbordar esse perdão e essa misericórdia para com os outros. Amém.


sexta-feira, 13 de setembro de 2019

O grande Mistério da Piedade

São Paulo Apóstolo, falando do Cristo Jesus, nosso único Senhor e Salvador:

"Grande é o Mistério da piedade:

Ele foi manifestado na carne,
(isto é, fez-Se homem)

justificado no Espírito,
(isto é, ressuscitado pelo Pai na potência do Espírito Santo)

aparecido aos anjos,
(isto é, os anjos, certamente maravilhados, contemplaram, surpresos, o tremendo Mistério: o Filho feito homem, agora crucificado e, como homem, ressuscitado em Glória)

proclamado às nações,
(isto é, o que os anjos contemplaram e acolhendo, humildemente, foram salvos, agora deverá ser proclamado e anunciado a todos os povos; a Igreja não poderá sossegar enquanto não anunciar a todos os homens o Evangelho da salvação e da graça)

crido no mundo,
(isto é, acolhido já pelo Resto de Israel, que é a Igreja, será também acolhido por todos aqueles inscritos no Livro da Vida),

exaltado na Glória,”
(isto é, o homem Jesus, feito Cristo, não somente ressuscitou glorioso, mas tornou-Se Senhor de todas as coisas no Céu e na terra e de toda a humanidade. Ele tem toda a autoridade sobre toda criatura, sobre vivos e mortos, sobre todas as coisas (1Tm 3,16).

Irmão, Irmã,
esta é a nossa fé!
Disto nunca duvidemos,
mais que isto jamais desejemos,
menos que isto em hipótese alguma aceitemos!

Esta é a fé que recebemos!
É este o Evangelho,
é esta a Verdade,
é nisto que tudo o mais deve ser lido, avaliado, julgado, interpretado, discernido como bom ou mal, verdadeiro ou falso, caminho de salvação ou de condenação!

Nesta fé perseveremos,
por esta fé demos a vida
e nesta fé seremos salvos neste mundo e no Mundo que há de vir! Amém.


quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Um Ocidente sem Deus

Basta olhar com atenção... Os sintomas estão em toda parte: o mundo ocidental não aceita o cristianismo; tornou-se uma civilização ateia, que julga a religião como fonte de alienação e atraso. Para os bem-pensantes da atualidade, é inaceitável que o homem precise de Deus para organizar sua vida e discernir o que é certo ou errado, bem ou mal. Valem, para esse pessoal, as palavras de Nietzsche: “Deus morreu! Deus está morto! E nós é que O matamos! Tudo o que havia de mais sagrado e de mais poderoso no mundo esvai-se em sangue sob o peso do nosso punhal... Não vos parece grande demais essa ação? Não deveríamos nós mesmos nos tornar deuses, para pelo menos nos tornar dignos dela?” E, no entanto, muito mais que o filósofo prepotente, vale-nos a sabedoria da Palavra de Deus: "Os pensamentos dos mortais são tímidos e falíveis os nossos raciocínios. A custo conjecturamos o terrestre, com trabalho encontramos o que está à mão: mas quem rastreará o que há nos Céus?" (Sb 9,14.16)

Eis: a civilização ocidental, nascida no regaço da Mãe católica, alimentada com o leite do cristianismo, agora renega o Cristo e Sua Igreja. Pagará caro: o desprezo por sua matriz levará o Velho Continente à velhice cultural, à falta de identidade, à perda de tantas conquistas inspiradas também no cristianismo, como o respeito pela pessoa, o apreço à liberdade, o profundo sentido de solidariedade, a democracia, tudo isto, cedo ou tarde, desmoronará. A nossa civilização está se matando na loucura do imanentismo que renega toda Transcendência e na hipocrisia do politicamente correto, a serviço de uma ideologia sem Deus. Mas, quando o homem mata Deus, ele se mata também!

Os cristãos não devem ter medo de professar sua fé, de proclamar a moral e as exigências do Evangelho. Não devemos ter medo da pecha de obscurantistas, intolerantes ou anacrônicos...
Nosso critério é Cristo,
nossa Verdade é Cristo,
nossa Esperança é Cristo,
nossa Certeza é Cristo
e Cristo tal qual é crido, adorado, anunciado e testemunhado pela Igreja católica nestes vinte e um séculos, século após século, sem interrupção.
Não reconhecemos outro e de outro não queremos saber!

O diálogo com o mundo tem um só nome: amor! Amar é dizer a verdade, anunciar a verdade, sem meios termos nem meias medidas, com respeito, com compreensão, mas sem medos nem complexos.
A Verdade é Cristo e Cristo total, que nos convida à conversão. “Se não vos converterdes, perecereis todos!” (Lc 13,3.5). Não podemos converter Cristo ao homem. É o homem quem deve converter-se ao Senhor.
Que se converta a Cristo nosso Deus a sociedade atual, o homem do século XXI.


terça-feira, 3 de setembro de 2019

Homilia para o XXIII Domingo Comum - ano c

Sb 9,13-18
Sl 89
Fm 9b-10.12-17
Lc 14,25-33


O “naquele tempo” do Evangelho que escutamos, prolonga-se neste tempo que se chama hoje. “Naquele tempo, grandes multidões acompanhavam Jesus”. Eram muitos os que O admiravam, muitos os que O escutavam, como hoje.
Mas, Jesus voltando-Se, lhes disse – e diz aos que O querem acompanhar hoje -, com toda franqueza, quais as condições para serem aceitos como Seus discípulos: “Se alguém vem a Mim, mas não se desapega e seu pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas irmãs e até da sua própria vida, não pode ser Meu discípulo. Quem não carrega sua cruz e não caminha atrás de Mim, não pode ser Meu discípulo”. É impressionante a sinceridade do Senhor nosso! 
É tão escandaloso para os ouvidos politicamente corretos e almofadinhas do mundo atual, mas, olhemos bem que não são todos os que podem ser discípulos do Cristo Jesus! É certo que todos são chamados, pois “o desejo de Deus é que todos se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade” (1Tm 2,4), mas também é certo que nem todos estão dispostos a escutar de verdade o convite do Senhor e a aceitar Suas exigências. E Jesus, nosso Senhor, é claríssimo: Ele somente aceita como discípulo – somente pode ser Seu discípulo – quem se dispõe, com sinceridade, a caminhar atrás Dele, seguindo os Seus passos no caminho! É Ele quem dá as cartas, é Ele quem dita as normas, é Ele quem mostra o caminho e quem diz o que é certo e o que é errado! Que palavra tão difícil para cada um de nós, para o mundo atual, que se julga maduro e sábio o bastante para fazer seu próprio caminho e até para julgar os caminhos de Deus! Quem assim age, permanecendo fechado em si mesmo - diz Jesus, o nosso Deus Salvador -, “não pode ser Meu discípulo!”

E o que é ser discípulo? É colocar-se no caminho Dele, é renunciar a decidir por si mesmo que rumo dar à sua vida, para seguir o caminho do Mestre, colocando os pés nos Seus passos; ser discípulo é se renunciar a si próprio para ser em Jesus, pensando como Ele, vivendo como Ele, agindo como Ele... Ser discípulo é fazer de Jesus Cristo o tudo, o fundamento da própria existência: “Qualquer um de vós, se não renunciar a tudo que tem,a tudo que é, à sua própria segurança, ao seu próprio modo de pensar,não pode ser Meu discípulo!”

É preciso que compreendamos que esta exigência tão radical do Senhor não é por capricho, não é arbitrária, não é humilhante ou desumana para nós. O Senhor é tão exigente porque nos quer libertar de nós mesmos, de nosso horizonte fechado e limitado à nossa própria razão, ao nosso próprio modo de ver e pensar as coisas e o mundo. O Senhor nos quer libertar da ilusão de que somos autossuficientes e sábios, de que somos deuses! Como têm razão, as palavras do Livro da Sabedoria: “Qual é o homem que pode conhecer os desígnios de Deus? Ou quem pode imaginar o desígnio do Senhor? Quem, portanto, investigará o que há nos céus?” O homem, sozinho, é incapaz de compreender o mistério da vida, que somente é conhecido pelo Coração de Deus! Isto valia para ontem, e continua valendo para hoje e valerá ainda para amanhã, mesmo com todo o desenvolvimento da ciência, com toda a pressão do politicamente correto e com toda a ilusão de que nos bastamos a nós mesmos e podemos por nós mesmos decidir o que é certo e o que é errado. O homem, fechado em si mesmo, jamais poderá compreender de verdade o mistério de sua existência e o sentido profundo da realidade. É preciso ter a coragem de abrir-se, de ser discípulo, de seguir aquele que veio do Pai para ser nosso Caminho, nossa Verdade e nossa Vida! “Na verdade, os pensamentos dos mortais são tímidos e nossas reflexões, incertas... Mal podemos conhecer o que há na terra e, com muito custo compreendemos o que está ao alcance de nossas mãos”. É por isso que o Salmista hoje nos faz pedir com humildade: “Ensinai-nos a contar os nossos dias, e dai ao nosso coração sabedoria!”

Só quando nos renunciarmos, só quando colocarmos o Senhor como o centro de nossa vida, do nosso modo de pensar e de agir, somente quando Ele for realmente o nosso Tudo, seremos discípulos de verdade. Então mudaremos de vida, de valores, de modo de agir. É o que São Paulo propõe a Filêmon, cristão, proprietário do escravo Onésimo. O Apóstolo recorda ao rico Filêmon que ser discípulo de Cristo comporta exigências e mudança de mentalidade: o escravo deve agora ser tratado como irmão no Senhor. Não podemos ser cristãos, apegados à nossa lógica e às coisas próprias do homem velho! Não podemos ser cristãos fazendo política como o mundo faz, tendo uma vida sexual como o mundo tem, pensando em questões como a homossexualidade, o divórcio, o aborto, o adultério como o mundo pensa, não podemos ser cristãos comportando-nos como o mundo se comporta e fazendo o que o mundo faz! Querer seguir o Senhor sem deixar-se, sem colocá-Lo como eixo e prumo da vida, é como construir uma torre sem dinheiro: não se chegará ao fim; é como ir para uma guerra sem exército suficiente: seremos derrotados! “Do mesmo modo, portanto, qualquer um de vós, se não renunciar a tudo que tem, não pode ser Meu discípulo!”

Que o mundo não compreenda esta linguagem, é de se esperar... Afinal, o homem psíquico – homem entregue somente à sua própria razão – não pode mesmo compreender as coisas do Espírito de Deus (cf. 1Cor 2,14). O triste mesmo é que os cristãos, isto é, nós, tenhamos a pretensão de ser discípulos sem procurar sinceramente nos renunciar, mortificando nossas tendências desordenadas, educando nossos instintos desatinados e deixando que a luz do Evangelho ilumine nossa razão e nosso modo de pensar... Triste mesmo é ver tantos cristãos na ilusão de que podemos ser de Cristo procurando aplausos e compreensão e elogio do mundo! Nada feito: “A linguagem da Cruz é loucura para aqueles que se perdem, mas para aqueles que se salvam, para nós, é poder de Deus” (1Cor 1,18). Esta sentença não tem apelo! 

Cuidemos bem, para que, no fim de tudo, o nosso cristianismo não seja inacabado, tão inútil quanto uma torre deixada pela metade ou uma guerra na qual a derrota é certa. Que nos valha a misericórdia de nosso Senhor e nos ajude a viver da sua Palavra, porque, como disse hoje o Autor sagrado, dirigindo-se a Deus, “só assim se tornaram retos os caminhos dos que estão na terra e os homens aprenderam o que Te agrada, e pela Sabedoria foram salvos”. Que nos salve o Cristo, Sabedoria de Deus e Poder de Deus (cf. 1Cor 1,24). Amém.