No tempo quaresmal, a Igreja, Povo de Deus do Novo
Testamento, Povo da nova e eterna Aliança, selada no sangue de Cristo, toma
sobretudo a travessia de Israel no deserto como orientador do caminho até a
Páscoa. As provações, lutas, fracassos e vitórias do Antigo Povo nos servem de
lição. A própria Escritura Sagrada ensina-nos isto:
“Esses fatos aconteceram
para nos servir de exemplo, a fim de que não cobicemos coisas más, como eles
cobiçaram. Não vos torneis idólatras como alguns dentre eles, segundo está
escrito: “O povo sentou-se para comer e beber; depois levantaram-se para se
divertir”. Nem nos entreguemos à fornicação, como alguns deles se entregaram
(...), nem tentemos o Senhor, como alguns deles O tentaram, de modo a morrer
pelas serpentes. Não murmureis, como alguns deles murmuraram, de modo a
perecerem... Estas coisas lhes aconteceram para servir de exemplo e foram
escritas para a nossa instrução, nós que fomos atingidos pelo fim dos
tempos...” (1Cor 10,6-11).
Ora, no caminho de Israel, há um momento particularmente
grave. Foi em Rafidim: o Senhor havia guiado os israelitas para uma região
particularmente seca. Não havia água, não havia esperança de sobrevivência. O
povo bem que poderia ter erguido os olhos para o alto e rezado, como o
Salmista, no Salmo 120/121: “Eu levanto os meus olhos para os montes: de onde
pode vir o meu socorro? Do Senhor é que me vem o meu socorro...”
Mas, não! Sedento
e cansado do caminho, Israel murmurou gravemente contra o Senhor:
“Toda a
comunidade dos israelitas partiu do deserto de Sin, seguindo as etapas
indicadas pelo Senhor, e acamparam em Rafidim. Mas não havia água para o povo
beber. Então o povo pôs-se a discutir com Moisés, dizendo: “Dá-nos água para
beber!” Moisés respondeu-lhes: “Por que vos meteis a discutir comigo? Por que
tentais o Senhor? ”. Mas o povo, sedento d’água, reclamava contra Moisés e
dizia: “Por que nos fizeste sair do Egito? Para matar-nos de sede junto com
nossos filhos e o gado?” Moisés clamou ao Senhor, dizendo: “Que vou fazer com
este povo? Por pouco que não me apedrejam”. O Senhor disse a Moisés: “Passa à
frente do povo e leva contigo alguns anciãos de Israel. Pega a vara com que
feriste o rio Nilo e caminha. 6 Eu estarei na tua frente sobre o rochedo, lá no
monte Horeb. Baterás no rochedo e sairá água para que o povo possa beber”.
Moisés assim o fez na presença dos anciãos de Israel. Chamou o lugar com o nome
de Massa e Meriba, por terem os israelitas discutido e tentado o Senhor,
dizendo: “O Senhor está ou não está no meio de nós?” (Ex 17,1-7).
Observe bem, meu Amigo:
1. É verdade que Israel se encontrava numa situação
crítica, no limite de suas forças e sem humana saída possível. A situação era
realmente desesperadora. Mas, o que Israel faz? Não reza, não clama ao Senhor,
não pensa Nele, a Ele não se confia! O que faz? Preso em si próprio, nos seus
limites, na sua limitada análise de conjuntura, somente vê a si próprio, na sua
medida superficial e estreita...
2. Resultado: Israel murmura... A murmuração será uma
constante no comportamento desse povo. Ela é sinal de esquecimento, ingratidão
e falta de fé, sinal de um coração velhaco e leviano! Murmuração é aquela
reclamação, em geral em voz baixa, contínua, com um e com outro; aquele
comentário azedo, aquela crítica, aquela visão sempre negativa e mesquinha...
A
murmuração brota da incapacidade de contemplar, de pensar e sentir em
profundidade, de descobrir o sentido por trás dos acontecimentos! Como não se
vê as coisas com os olhos da fé, não se reza, não se abra ao Senhor; como o
Senhor desaparece do horizonte, resta somente falar sozinho, envenenando-se e envenenando
os demais, pois a boca fala do que o coração está cheio! Na região donde eu
vim, minha Alagoas natal, se diz: “Quem fala sozinho, fala com Cão!” Falar
sozinho é ruminar as coisas e situações de si para si próprio, sem se abrir
para Deus. É aí que entra o Diabo com seu veneno e nos prende na nossa própria
visão, no nosso próprio cálculo... Daí nasce a murmuração: ela destrói a fé,
destrói qualquer comunidade e envenena os corações. Israel murmurará contra a
sede, contra a fome, contra os perigos da guerra. Também serão uma constante as
provas pelas quais o Senhor fará Israel passar, para que ele conheça o fundo de
seu próprio coração: somente se conhecendo a si, Israel será capaz de conhecer
realmente o seu Deus e entrar em comunhão com Ele.
3. Veja só o que faz a murmuração: Israel se queixa de
Moisés, discute com ele, pedindo água para beber! No fundo é contra o Senhor
que está reclamando, mas não assume isto, porque a murmuração o faz leviano e
superficial! Quantas vezes murmuramos... Quantas vezes críticas, reclamações,
comentários disfarçados de maturidade e percepção elevada não passam de
murmuração, de falta de fé, de capacidade de avaliar as coisas da perspectiva
de Deus! É forte como Moisés desmascara os israelitas: “Por que tentais o
Senhor?”
4. Por sua murmuração, Israel termina por fazer a
pergunta mais grave do seu tempo de deserto: O Senhor está ou não no nosso
meio? – É assim: a murmuração, a leviandade faz o Senhor desaparecer do nosso
horizonte: não conseguimos enxergá-Lo, não conseguimos mais discernir Sua ação
na nossa vida! Em outras palavras: para um coração descrente, Deus desaparece
do horizonte da vida... O contrário do murmurador é a Virgem Maria, que sabia
ouvir, guardar no coração e meditar sobre o sentido profundo dos
acontecimentos, compreendendo-os à luz do Senhor. Então, sim: se pode ver a
santa Presença do Senhor em todas as coisas!
Neste hoje quaresmal, pense:
a) Tenho conseguido enxergar os acontecimentos da
vida, as situações e pessoas à luz do Senhor ou, ao invés, prendo-me em mim mesmo,
resmungo comigo mesmo e murmuro?
b) Tenho rezado, colocado diante do Senhor as situações e
acontecimentos do meu caminho?
c) Sei ver o Senhor em tudo quanto me acontece? Ah, se o Povo de
Deus cresse no Senhor! Ah, se ouvisse realmente a Sua voz!
d) Tenho o vício da murmuração, criticando, reclamando, jugando,
comentando sobre tudo e sobre todos, como se eu fosse o juiz de todas as
coisas?
Reze o Salmo 94/95
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