sábado, 23 de fevereiro de 2019

Homilia para o VII Domingo Comum - ano c

1Sm 26,2.7-9.12-13.22-23
Sl 102
1Cor 15,45-49
Lc 6,27-38

Para bem compreender o Evangelho deste Domingo, é necessário recordar o Domingo passado: as bem-aventuranças e os ais que Jesus proferiu.
Quem eram os bem-aventurados? Os discípulos que, por causa do Senhor Jesus e do Evangelho, viveram como pobres, experimentaram a fome, fizeram a experiência do pranto e foram odiados, insultados e rejeitados... Numa palavra: bem-aventurado é todo aquele que experimenta as situações-limite da vida unido a Cristo nosso Senhor. Estes são bem-aventurados porque experimentam de perto, tocando com a carne da vida, que o Senhor, somente Ele, é o Tudo, o Rochedo, o Sustento, a Vida da nossa existência.

Pois bem, Jesus, hoje, continua a falar a estes discípulos, a nós:“A vós que Me escutais, Eu digo: amai os vossos inimigos e fazei o bem aos que vos odeiam, bendizei os que vos amaldiçoam e rezai por aqueles que vos caluniam”. É impressionante: o Senhor nosso nos ensina que mesmo sofrendo pelo Evangelho, mesmo experimentando os apertos deste mundo, não devemos perder a paz, a doçura, a esperança, a benignidade de coração. Ele nos pede, a nós cristãos, que conservemos um coração doce e misericordioso, um coração que pulse no ritmo do Coração de Deus, mesmo sofrendo pelo Evangelho: “Sede misericordiosos, como também vosso Pai é misericordioso”.
Pede-nos que, mesmo incompreendidos e injustiçados, não nos tornemos azedos, prepotentes, julgando-nos a nós mesmos melhores que os outros: “Não julgueis e não sereis julgados pelo Pai; não condeneis e não sereis condenados pelo Pai; perdoai e sereis perdoados pelo vosso Pai do Céu”. A lição que Jesus dá é impressionante: vós, Meus discípulos, deveis alicerçar vossa vida em Mim, por Mim deveis estar prontos para perder a vida; deveis apostar tudo em Mim! Por Minha causa, muitas vezes sereis incompreendidos e até rejeitados, passareis por situações difíceis... Mas, não deveis perder a doçura, a bondade, a alegria de viver! Não deveis vos tornar azedos, não deveis julgar-vos superior aos outros; não deveis assumir ares de santarrões! Perdoai, sede bondosos, fazei o bem, perseverai na alegria de viver, continuai arriscando crer no amor, fazendo o bem a todos!” – eis a mensagem do Senhor hoje!

Mas, como isso é possível? Aqui está a novidade e o desafio do cristianismo! Somente poderá viver assim, somente poderá conservar o coração pacífico e benigno sem perder a dignidade e a maturidade, aquele que, impulsionado pelo Santo Espírito, verdadeiramente experimentou o amor de Jesus. Ficar em paz sofrendo somente porque nos mandaram é frustrante; amar a quem nos odeia somente porque Cristo ordenou é moralismo que aliena! O Senhor nos ordena amar e perdoar e guardar a paz porque Ele nos dá as condições para isso: na força operante do Seu Espírito, Ele nos envolve com Seu amor, Ele nos ama primeiro! Quando a gente faz na vida a experiência que Deus, em Jesus nosso Senhor, nos deu tudo, amou-nos sem medida, estendeu-nos a mão de modo irrevogável e total, então, Nele, nós encontramos força para amar sem esperar nada em troca, porque já fomos amados primeiro: Ele nos amou primeiro; Ele, primeiro, dando-nos o Seu Espírito, deu-nos as condições de amar (cf. Rm 5,5)!
O Amor de Deus, revelado e experimentado em Cristo Jesus, torna nosso coração benigno, torna nosso coração capaz de amar gratuitamente! O amor de Deus em nós cura, transforma, dá alegria de viver, faz a vida ficar bonita e torna possível o que antes parecia impossível! Isso Deus faz em nós quando experimentamos de verdade o quanto Ele nos amou! Santo Agostinho, pensando nesta experiência do amor de Deus invadindo e enchendo o nosso coração, dizia: “Imagina que Deus te quer encher de mel. Se estás cheio de vinagre, onde pôr o mel? É preciso jogar fora o conteúdo do jarro e limpá-lo, ainda que com esforço, esfregando-o, para servir a outro fim. Digamos mel, digamos ouro, digamos vinho, digamos tudo quanto dissermos e quanto quisermos dizer, há uma realidade indizível: chama-se Deus. Dizendo Deus, o que dissemos? Esta única palavra é toda nossa expectativa. Dilatemo-nos para Ele, e Ele, quando vier, encher-nos-á”. Eis aqui: a experiência de sermos amados por Aquele que é todo Bem, o sumo Bem o Bem universal, faz-nos benévolos, torna-nos benignos!
Um exemplo disso é-nos dado na primeira leitura: Davi, com o coração em Deus, tem coragem de não matar Saul que o perseguia para matá-lo, de poupar sua vida. E por quê? No perseguidor cruel, Davi vê o Ungido do Senhor; vê a presença e a bondade de Deus em tudo! Tanto mais nós, que conhecemos o amor de Deus em Cristo Jesus! Cristo, que por nós Se entregou; Cristo que morreu por nós!

O Senhor Jesus nos convida a viver como homens e mulheres novos, transformados pelo Seu Espírito Santo, embalados nas ondas do Seu amor! Não somos mais criaturas velhas, mas recriados no Batismo e alimentados na Eucaristia como membros de uma humanidade nova: “O primeiro homem, tirado da terra, é terrestre; o segundo Homem vem do Céu. Como foi o homem terrestre, assim também são as pessoas terrestres; e como é o Homem celeste, assim também são as pessoas celestes”. Não somos mais à imagem do homem terrestre, o antigo Adão, guiado simplesmente por sua lógica e sua racionalidade fria ou apaixonada pelo ódio, a inveja e o egoísmo! Pelo Batismo, fomos recriados à imagem do novo Adão, o Cristo Jesus, manso e humilde! Recebemos um Espírito de bondade e de doçura – Seu Santo Espírito, que é amor! “E assim como já refletimos a imagem do homem terrestre, assim também refletiremos a imagem do Homem celeste”. Pois bem: o Senhor nos convida a viver numa lógica nova, numa Vida nova, que vai terminar na plenitude da ressurreição, quando em corpo e alma, seremos imagem viva do Homem Novo, Jesus ressuscitado.

Isso tudo é possível? Isso tudo é besteira? Isso tudo é ilusão? Isso tudo é coisa pra tolo? Isso tudo é ideal vazio? Aos olhos do mundo, esta proposta do Senhor é bobagem impraticável e alienante. Mas, repitamos, quem experimentou a doçura do amor de Deus, quem foi preenchido pela suavidade do Espírito do Homem Novo ressuscitado, sabe que tudo isso é possível. Vale ainda mais uma vez, a palavra de Santo Agostinho: “Dá-me alguém que ama e compreenderá o que eu digo!”
Que a graça da Eucaristia nos dê a coragem desse novo modo de viver, em Cristo Jesus, que é bendito para sempre. Amém!


sábado, 16 de fevereiro de 2019

Homilia para o VI Domingo comum - ano c

Jr 17,5-8
Sl 1
1Cor 15,12.16-20
Lc 6,17.20-26

A Palavra de Deus, neste Domingo é de uma gravidade que chega a ser angustiante! O Senhor nos convida – ou melhor, força-nos – a uma escolha, a que nos decidamos por um modo de viver. E apresenta-nos dois caminhos: o da bênção e o da maldição. Dois caminhos; só dois. Não mais!

Jesus, nosso Senhor, desce da montanha e chega a uma planície, onde encontra Seus discípulos – não só os Doze, mas todo discípulo – e uma grande multidão. Ele é o Deus misericordioso que “desce” até a planície de nossa pobre existência, tão emaranhada em tantas vicissitudes e preocupações, em tantos desafios escolhas, em tantas dúvidas e incertezas. Desce para encontrar as pessoas concretas, aquelas que encontramos nas ruas de nossas cidades... E, então, dirige a palavra, não a todos, mas “levantando os olhos para os Seus discípulos, disse...”
O que Ele vai falar, então, é para nós, cristãos, Seus discípulos!

“Bem-aventurados vós, os pobres... Bem-aventurados vós, que agora tendes fome... Bem-aventurados vós, que agora chorais... Bem-aventurados sereis quando vos odiarem e vos expulsarem... por causa do Filho do Homem...”
São palavras misteriosas, desconcertantes, que desmoralizam definitivamente qualquer “teologia” da prosperidade das seitas neopentecostais! Palavras que desmascaram como diabólica, satânica essa “teologia” impostora que não tem nada de evangélica! Não há nada mais antievangélico e anticristão, nada de mais mascarado e satânico que a maldita “teologia” da prosperidade!

Quem são os pobres e aflitos e famintos e perseguidos de que fala Jesus?
Pobre, na Bíblia, é todo aquele que se encontra numa situação limite, numa situação de miséria, seja qual for: miséria econômica, social, de saúde, moral, psicológica... Mas, aqui, pobre, concretamente, é o cristão que, por causa do Evangelho, por causa de Jesus, “perdeu-se” na vida, levou a pior, perdeu uma chance de se dar bem, de “salvar” a vida, de ter prestígio, fama, poder... Por isso, Jesus diz aos discípulos: Bem-aventurados vós... Meus discípulos, que sois pobres, que chorais, que tendes fome, que sois perseguidos por Minha causa! Um exemplo de pobre, segundo estas bem-aventuranças, foi São Paulo: “O que era para mim lucro eu o tive como perda, por amor de Cristo. Mais ainda: tudo eu considero perda, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor. Por Ele, eu perdi tudo e tudo tenho como esterco, para ganhar a Cristo e ser achado Nele” (Fl 3,7s).
O que perdemos por Cristo? O que estamos dispostos a deixar por Cristo? Até onde? Em que medida? Perguntas angustiantes, desafiadoras!
Jesus exige que deixemos até a própria vida: “Se alguém vem a Mim e não odeia seu próprio pai e mãe, mulher, filhos, irmãos, irmãs e até a própria vida, não pode ser Meu discípulo” (Lc 14,25ss). Não dá para ser cristão vivendo a vidinha do nosso jeito: cristão maneiro, cristão jeitoso, cristão boa-vida, cristão mundano, cristão burguês...

O contrário das bem-aventuranças de hoje, são as maldições: “Ai de vós, ricos... Ai de vós, que agora tendes fartura... Ai de vós, que agora rides... Ai de vós, quando todos vos elogiam...”Quem são esses malditos? “Vós”, ou seja, os discípulos que renegaram o Senhor para salvar a própria pele, para levar uma vida cômoda e acomodada... aqueles que, por um nada, na hora de decidir, não deixam nada, nem se deixam, por Cristo. Para esses, Cristo não passa de um apêndice, de uma crendice, de uma teoria, uma idéia abstrata... Desses, Cristo não é o eixo, o caminho, o fundamento da vida... Como é angustiante a possibilidade concreta de estarmos entre esses malditos! O que não tivemos a coragem de perder por Cristo? O que não quisemos deixar por Cristo? O que colocamos acima de Cristo em nossa vida? Ai de vós, porque tudo quanto ganhastes fora de Cristo é efêmero, ilusório, passageiro: “já tendes vossa consolação... passareis fome... tereis luto e lágrimas... assim foram tratados os falsos profetas...” Dizendo de outro modo: a Palavra do Senhor deste hoje pergunta-nos pela veracidade ou não de nosso ser cristãos, de nosso ser discípulos de Jesus! E coloca as coisas de um modo duríssimo, seríssimo! Não dá para enrolar, não dá para escapar!

Mas, tem mais: o Senhor nos adverte seriamente de que quando estamos nos dando bem na vida, consolados, elogiados, bem sucedidos, temos o sério perigo de nos apoiar nessas coisas e fazer delas o nosso arrimo, a nossa vida, a nossa felicidade! Ai de vós! “Tudo é vosso, mas vós sois de Cristo e Cristo é de Deus!” (1Cor 3,22) É tão grande, tão concreto, o perigo de nos apegar a essas coisas que passam e coloca-las no lugar de Deus! “Ai de vós!”– alerta o Senhor!


Eco deste desafio do Senhor Jesus, é a afirmação de Jeremias: “Bendito o homem que confia no Senhor, cuja esperança é o Senhor. É como a árvore plantada junto às águas... não teme a chegada do calor... não sofre míngua em tempo de seca... Maldito o homem que confia no homem e faz consistir sua força na carne humana, enquanto seu coração se afasta do Senhor... ele não vê chegar a floração, vegeta na secura do deserto, em região salobra e desabitada”. Não há como escapar: o Senhor não nos deixa alternativa! É preciso escolher um dos dois modos de viver: abertos para o Senhor ou fechados em nós!

Pensemos bem o que estamos fazendo de nossa existência. Se cremos que Jesus é o Cristo-Deus, Aquele que pode nos dar um sentido para a vida já agora e nos pode dar a Vida plena após a morte, então, vale a pena segui-Lo! Esta é a questão, será sempre a questão! Nossa vida será salva ou não, terá sentido ou não, será perdida ou não, dependendo de nossa decisão e de nosso comportamento em relação a Jesus!
São Paulo deixa isso muito claro na segunda leitura: “Se Cristo não ressuscitou, a vossa fé não tem valor e ainda estais em vossos pecados. Se é para esta vida que pusemos nossa esperança em Cristo, nós somos os mais dignos de pena de todos os homens!”Aqui está a questão:
Qual a nossa esperança?
Cremos, de fato, que nossa vida neste mundo é fermento de eternidade?
Cremos que aqui estamos de passagem e que em Cristo é que permanecemos para sempre? 
Cremos que o Senhor de nossa vida e de nossa morte é Cristo?
O Apóstolo coloca as coisas de modo cru e muito realístico. E termina, triunfal: “Mas, na realidade, Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram!” Por isso Paulo teve a coragem de se fazer pobre, de perder tudo, de viver para Cristo: porque sabia com toda convicção que a vida e a morte somente em Cristo podem encontrar um sentido definitivo: “Ninguém de nós vive e ninguém morre para si mesmo, porque se vivemos é para o Senhor que vivemos, e se morremos é para o Senhor que morremos. Portanto, quer vivamos, quer morramos pertencemos ao Senhor” (Rm 14,7s).

Bem-aventurado, vós... Ai de vós! Pensemos bem onde nos enquadramos, onde estamos nos colocando, que vida estamos construindo! Recordemos que o mundo não compreenderá nunca a lógica do Cristo, nem mesmo muitos dos que tomam o nome de cristãos. Mas, o que conta é a Palavra do Senhor; e ela é dura, é exigente, nos desmascara e incomoda...

Que a comunhão no Seu Corpo e no Seu Sangue nos dê a coragem da fé e da generosidade para perder a vida para ganhar a Vida verdadeira, já neste mundo - como paz, certeza, consolação e força... e, após a nossa morte, por toda a eternidade, na feliz ressurreição que o Cristo nos garante e nos concede. A Ele, nosso Senhor e Deus, a glória para sempre. Amém.


quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

V Domingo Comum: 1Cor 15 (Parte II)

O Evangelho de Paulo é o Evangelho da Igreja. O Evangelho não é propriedade de ninguém, particularmente: nem de Pedro, nem de Paulo, nem dos Doze, nem do Papa, nem dos Bispos, nem de grupo algum!
O Evangelho de Cristo foi confiado à Igreja inteira na potência do Santo Espírito. E, na Igreja, cada um, de acordo com seu carisma e ministério, tem sua responsabilidade própria de manter a integridade da fé católica e apostólica, que nos dá esse Evangelho da graça, que é fonte de salvação.

Por isso, o Apóstolo afirma: “Transmiti-vos aquilo que eu mesmo recebi”. Eis: não é invenção dele, não pode ser adulterado! O tesouro do Evangelho da salvação deve ser acolhido, guardado no coração e na vida da Igreja e anunciado ao mundo para que este se converta e, convertendo-se, seja salvo!

Mas, qual é o Evangelho da salvação? São Paulo no-lo apresenta no seu núcleo essencial, que contém todo o mais:
“Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras. Foi sepultado, ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras”. Eis o núcleo: o Filho eterno do Pai, por nós feito homem, morreu por nós, para a nossa salvação!
Sem acolher que Cristo morreu por nós, para a remissão dos nossos pecados, não há salvação! Absolutamente, é necessário crer em Jesus, Cristo do Pai, e acolher o anúncio de que Ele morreu para que tenhamos Nele o perdão dos nossos pecados! O homem precisa do perdão do Senhor; e ele nos vem pela morte de Cristo.

Mas não basta dizer que Cristo morreu na Cruz! É preciso proclamar que Ele realmente entrou na morte: esteve na situação de morte, de cadáver, experimentou as dores do Sheol: foi sepultado, foi engolido pela morte! Desceu ao vale da morte, aquela morte que todos nós experimentamos, morte de pecado! Ele, que não tem pecado, morreu e entrou na morte feia, morte ameaçadora, morte de pecado! É este o mistério, a tremenda realidade que a Igreja celebra liturgicamente no Sábado Santo.

E venceu a morte: Ressuscitou, segundo as Escrituras! Cristo entrou na morte, mergulhou na morte e atravessou o mar da morte: Ele entrou no Pai, na Vida do Pai, na Glória do Pai; Ele ressuscitou!
Esta é a nossa esperança, este é o alicerce da fé cristã, este é o motivo pelo qual colocamos em Cristo toda a nossa certeza!

O credo da Igreja, o seu Evangelho, também afirma com toda a convicção que tudo isto ocorreu para que se cumprissem as Escrituras de Israel. Sim: Cristo morreu, foi sepultado e ressuscitou como realização da fidelidade invencível do Deus de Israel às Suas promessas, ao Seu desígnio de salvar toda a humanidade! É muito importante compreender que este “segundo as Escrituras” mais que se referir a um determinado texto isolado, refere-se a todas as Escrituras.
Vejamos: todas as Escrituras são caminho para Cristo, dão testemunho de Cristo, preparam para Cristo. E o que elas dizem o tempo todo, em cada palavra, em cada narrativa, em cada oração?
Que Deus nos ama, que o Senhor salvaria o Seu Povo e toda a humanidade, que enviaria o Seu Messias.
Todo o tempo as Escrituras dão testemunho do justos que sofrem confiando no Senhor, as Escrituras apresentam o sofrimento do justo como instrumento de redenção;
continuamente as Escrituras mostram Deus libertando os Seus da morte, do Sheol, das garras da escuridão da morte…
Tudo isto se cumpre em Cristo, em Cristo alcança seu ponto culminante, paradoxal, dramático, definitivo! Em Cristo, o Maligno mostrou toda a sua escura perversão, em Cristo, as trevas mostraram sua força tremendamente assustadora, em Cristo, o Maligno foi enfrentado e derrotado, em Cristo, a Vida, a graça, a Glória, a fidelidade invencível e potente de Deus revelou toda a sua força de salvação! Em Cristo, todas as Escrituras foram cumpridas para sempre! Deus, no Seu Filho morto e ressuscitado, disse-nos o Seu sim definitivo!

A Páscoa de Paixão, Morte e Ressurreição do Cristo Jesus é o centro da nossa fé! Jesus, feito Senhor e Cristo na Sua Ressurreição, por iniciativa gratuita e potente do Pai na força operante do Espírito Santo, é a razão de toda a nossa esperança!
Por isso mesmo, jamais o mistério pascal pode ser deixado de lado ou tirado do olhar da Igreja! Isto é tão forte, que o Apóstolo invoca testemunhas: apareceu a Cefas, a Pedra. Pedro, não simplesmente Simão! Pedro, a Pedra, deverá sempre testemunhar na Igreja a força pascal da Ressurreição do Senhor, o Cristo, o Filho do Deus vivo! Se não fizer isto, será infiel à sua missão! Toda vez que Pedro acolher a lógica pascal da Cruz e Ressurreição, colocando Cristo no centro, ele será “pedra da Igreja”; mas, toda vez que pensar segundo o mundo, será, na Igreja e para sofrimento e escândalo na Igreja, “pedra de tropeço” (cf. Mt 16,17s.23)
Mas, não é nunca Pedro sozinho, isolado! Pedro como membro e cabeça do grupo dos Doze. O Senhor também apareceu aos Doze! Eis as primeiras testemunhas autorizadas, isto é, com autoridade. Esses, primeiramente, têm o dever sagrado de testemunhar a fé no Cordeiro imolado e ressuscitado.

Mas, não só estes: apareceu também a mais de quinhentos irmãos de uma vez! Os fieis todos têm o dever e o direito de propagar e defender a fé católica e apostólica no Cristo Senhor! Se o Papa é sucessor de Pedro, se os Bispos são sucessores dos Apóstolos, os fieis leigos de hoje, de cada geração, são sucessores da Igreja apostólica, dos leigos daquele tempo inicial, dos que viram o Senhor ressuscitado!

O fato de São Paulo chamar atenção para as testemunhas do Ressuscitado, que foram encontrados por Ele e viram-No, recorda-nos de modo gritante que nossa fé não se funda em ideias, em carta de princípios ou intenções, em verdades abstratas, em opções ideológicas, mas num fato, num evento: Cristo Jesus, feito homem, morto e ressuscitado! É no amor a Cristo, na escuta fiel e crente das Sua Palavra, na união com Ele nos sacramentos, na vida de amor fraterno na comunidade dos cristãos, que é a Igreja, é aí que nossa fé se concretiza, é fecunda, verdadeira, viva e pode ser guardada e testemunhada.


terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

V Domingo Comum - 1Cor 15 (parte I)

No Domingo último, a Liturgia nos fez escutar o início do capítulo 15 da Primeira Epístola aos Coríntios. Este capítulo trata da ressurreição dos mortos, nossa esperança em Cristo, motivo pelo qual somos cristãos!

Proponho meditá-lo com você, caro Amigo, para que fique mais claro qual a nossa esperança e nossa certeza em Cristo Jesus, nosso Senhor!

Vale a pena, primeiramente, lê-lo todo… Faça isto, assim você poderá compreender do que São Paulo está falando.

Logo no início, o Apóstolo, em dois versículos, afirmar coisas muito importantes. Vamos lá:

“Lembro-vos, irmãos!” Esta expressão pode parecer fortuita, simplesmente uma introdução de estilo, mas não é. Lembrar-se, fazer contínua memória dos atos salvíficos de Deus, é um dever daquele que crê. Já no Antigo Testamento, esquecer de Deus, esquecer o que Deus fez, esquecer o que os pais nos contaram, é o princípio de todo pecado!
Também no cristianismo, recordar é central. Não é por acaso que a Eucaristia é memorial: “Fazei isto em memorial de Mim” – disse o Senhor! Na Tradição cristã, fazer memorial é anunciar, é tornar realmente presentes os atos salvadores de Deus nosso Senhor em Jesus, o Messias Salvador!

“Lembro-vos o Evangelho que vos anunciei”. A fé nasce da pregação, do anúncio de Jesus nosso Senhor.
Observe que São Paulo não fala em “evangelhos” no plural. O Evangelho é um só: é o anúncio de Jesus Cristo morto e ressuscitado! Os quatro textos que nos chegaram nas Escrituras e que dão testemunho dos atos e palavras do Senhor, da Sua Paixão, Morte e Ressurreição, são chamados de “evangelhos” porque nos transmitem o Evangelho da graça! A Igreja e cada cristão vivem do Evangelho anunciado e nele colocam toda a esperança! 
E veja bem: esse Evangelho bendito não é fruto de especulações da inteligência ou da ciência humana, não se presta a se engaiolado pela nossa lógica ou nossas modas ideológicas! O Evangelho é recebido no anúncio vivo de Jesus Cristo nosso Senhor, feito pela Igreja no decorrer dos séculos, anúncio feito na força do Espírito Santo!

“O Evangelho que vos anunciei, que recebeste, no qual permaneceis firmes e pelo qual sois salvos…”
O Evangelho, anúncio e testemunho de Jesus como Cristo Salvador, realizado na força do Espírito Santo, deve ser recebido com fé. Crendo no que foi anunciado, tornamo-nos cristãos! Mas, não basta receber: é necessária permanecer firme, sendo fiel ao que se recebeu e perseverando na fé, aderindo ao Senhor, confiando Nele e guardando fielmente a doutrina que nasce do anúncio. Permanecer firme, sem fugir, sem renegar o Senhor e sem deturpar a doutrina segundo as modas e gostos do mundo. Somente assim, o Evangelho será “Evangelho de salvação”! Deturpar a doutrina é macular o Evangelho, até poder chegar mesmo a invalidar o anúncio da salvação! “Sois salvos se o guardais como vo-lo anunciei!” Cuidado com os que dizem que importa a fé somente, sem atenção à retidão doutrinal! É necessário crer, recebendo o Evangelho e guardá-lo fielmente na vida e na doutrina, “doutro modo teríeis acreditado em vão!” 

O Evangelho genuíno, instrumento e porta de salvação, é unicamente aquele crido, vivido, celebrado e anunciado pela Igreja, sem interrupção, século após século! Ele não pode ser adulterado, falsificado, aguado aos gostos do mundo!
O Evangelho é aquilo que a Igreja crê como doutrina, vive na sua existência concreta, na  vivência de moral e piedade, celebra nos seus sacramentos e transmite como anúncio na sua pregação e catequese. Este Evangelho da graça será o critério sobre o qual seremos julgados fieis ou infiéis! Uma boa expressão do Evangelho encontra-se no Catecismo da Igreja.

Então, num tempo de tantos relativismos e incertezas, permaneçamos ancorados no que a Igreja sempre creu, procurou viver e proclamar! Tenhamos esta certeza: pela nossa fidelidade ao Evangelho a nós confiados, seremos salvos!




domingo, 10 de fevereiro de 2019

V Domingo comum - Sobre Is 6 - parte 3

Poderia ter findado assim, esta perícope, este capítulo 6 de Isaías. Mas, não!
O Santo de Israel diz ao Profeta, ao enviado, o que ele deverá dizer e como os ouvintes reagirão:

O Profeta falará com ardor, com amor, com paixão, com disponibilidade...
Mas, os destinatários
ouvirão, mas não entenderão,
verão, mas não conhecerão,
terão o coração pesado e os ouvidos surdos, os olhos cegos e o coração sem conversão!

E o Profeta, angustiado, perplexo, desanimado, perguntará: “Até quando, Senhor?”
Até quando um povo assim, pastores assim, ovelhas assim:
fascinadas pelo mundo, pela pauta mundana que nos é imposta,
pelo fascínio do que é deste mundo e o esquecimento do que é eterno?
Até quando critérios mundanos? Até quando a Tua Palavra silenciada e neutralizada com diabólica doçura?
Até quando, tão especialistas no que não é nosso e tão amadores no que nos deveria ser próprio?
Até quando, tão entendidos no que não compreendemos e tão desajeitados, tão frios e desmotivados no que é nossa missão?
Até quando, tão preocupados com o que é nosso interesse, do nosso modo e medida, e tão esquecidos do que é Teu, do Teu jeito, na Tua medida?

O Senhor é tremendo – será sempre!
“Até ficarem desertas as cidades, e as casas vazias, e a terra deserta!
E será grande a desolação!
E se restar ainda uma décima parte, será novamente entregue ao corte!”
Sentença tremenda: o frio destruidor, gélido, o bafo da morte, de esterilidade, fruto da infidelidade!
Teu Povo, Senhor, geme! Teu Povo sofre! Teu rebanho é disperso pelos lobos...

Mas, ao final, a fidelidade invencível do Santo:
“Aquilo que nela restar será uma semente santa!”
Eis! Anuncia, espera, profetiza: o Senhor prepara um Resto fiel! Com esse Resto, tudo será renovado! Com esse Resto, a glória do Senhor brilhará! Com esse Resto, o sal tornará a salgar e a luz voltará a iluminar!

Mas, por agora, basta que eu e você, meu Amigo, meu Irmão, digamos:
“Eis-me aqui! Envia-me!”


V Domingo comum - Sobre Is 6 - parte 2

Isaías Profeta diante do Santo de Israel...

E o Santo, o Eterno, o Soberano Onipotente revela ao pobre profeta o Seu Coração:
“Quem enviarei? E quem irá por Nós?”
Admirável! O Deus vivo precisa de nós, conta conosco, chama-nos ao Seu serviço de salvação!
Ainda hoje é assim! Ele nos apela, interpela-nos: “Quem enviarei? Quem irá por Nós?”

E o Profeta, audazmente, apresenta-se: “Eis-me aqui, envia-me!”

Ainda agora, esta dinâmica da salvação se repete! Nós somos os embaixadores de Deus, somos Seus servos, Suas testemunhas! Ainda hoje, o Senhor precisa graciosamente que, neste mundo sem graça, nós vamos por Ele, em Nome Dele, como testemunhas Dele!

- Eis-nos aqui! Envia-nos, Senhor!
Mesmo numa Igreja em crise no meio de um mundo em crise,
Mesmo que nos entristeçamos com tantas realidades no interior da tua Igreja amada,
Nós sabemos que não desistes de nós, que Tua Aliança conosco é inquebrantável, porque selada no sangue do Cordeiro imolado e ressuscitado, Teu Filho fiel e bendito! Assim, mesmo agora, esperando somente em Ti e na Tua fidelidade, dizemos:
“Eis-nos aqui! Envia-nos!”

E nos alegramos porque vemos de todos os lados, tantos filhos da Igreja que se levantam nem sabemos bem de onde, nem compreendemos bem como, e,
com disponível jovialidade, com generosidade,
não por ideologias, não por panfletos politicamente corretos, não por gastos e repetitivos discursos de moda,
mas unicamente por causa de Jesus Cristo, exclamam com a vida, com o entusiasmo, com a radicalidade, com paixão pela santidade do Santo:
“Eis-me aqui! Envia-me!”

Que coisa admirável, que dessa pedregosa realidade continuem a surgir filhos de Abraão! Obra do Senhor! Ação do Santo Espírito! O mesmo que purificou os lábios do Profeta como fogo; o mesmo que encheu o Templo como nuvem de incenso!
Ó Senhor, derrama continuamente o Teu Espírito, e faz viver e reviver os ossos secos de Israel! Tu és fiel! A Ti a glória! Amém.




sábado, 9 de fevereiro de 2019

V Domingo comum - Sobre Is 6 - parte 1

No Templo, num êxtase, o profeta Isaías viu o Senhor, o Deus de Israel!
O Deus de Israel é infinito, inabarcável; não pode ser visto, medido, circunscrito, imaginado!
Sua Glória é tão intensa, Sua Energia de Vida divina é tão intensamente infinita que ninguém pode vislumbrá-Lo, ninguém pode Dele se aproximar e continuar vivendo: é demais, infinitamente demais para qualquer criatura!

Tudo isto é significado com uma palavra: Kadosh – Santo!
O Deus de Israel é isto: o Diferente de tudo, o Outro em relação a qualquer outra coisa existente ou pensada.
Infinito, Onipotente, Onipresente, Onisciente, Eterno, Atemporal, Incircunscrito, Vital e Vitalizante...
Santo! Santo! Santo! Três vezes Santo: Santísssimo!

Isaías O experimentou assim, no distante século VIII antes de Cristo!
E como o universo está cheio da Glória, da Kavod do Senhor, também o Templo estava cheio de fumaça, isto é, duma Nuvem que exprimia bem a Shekinah, a Presença gloriosa e santa do Senhor Deus.

Imerso numa experiência tão grande e intensa, a atitude do Profeta somente poderia ser a de tremor e temor, de pasmo, de admiração, de profundo sentido da sua indignidade diante de Deus!
Um verdadeiro crente jamais toma Deus por compadre, jamais brinca com o que é divino, jamais manipula as coisas de Deus, o Santo:
“Ai de mim, estou perdido!” – É a primeira reação do Profeta, sua primeira atitude!
“Sou impuro! Vivo no meio de um povo impuro! E meus olhos viram o Rei, o Senhor!”

- Senhor Deus! Deus de Israel, Deus dos Patriarcas, de Moisés, dos Profetas!
Tem piedade da Tua Igreja, Teu novo e definitivo Israel!
Vê quantos cristãos já não têm mais consciência clara da Tua santidade, agora revelada de modo admirável no Teu Filho bendito!
Senhor, perdoa porque banalizamos a Tua santa Revelação e Tua Palavra e preceitos!
Senhor, perdoa porque queremos domesticar-Te à nossa medida, procurando agradar ao mundo e não a Ti!
Senhor, perdoa porque profanamos com nossas banalidades as Tuas coisas santas!
Senhor, perdoa pelas teologias blasfemas e profanas, vulgares e desrespeitosas, feitas por quem não Te conhece!
Senhor, perdoa pelo orgulho de pensar que se Te apreende por títulos acadêmicos!
Senhor, perdoa por querermos adaptar a Tua verdade às nossas mentiras!
Senhor, perdoa pela vilania de rebaixar o Evangelho do Teu Cristo, proclamado na Força gloriosa do Teu Espírito, às ideologias e agendas de um mundo pagão, que não Te conhece nem deseja Te conhecer!
Senhor, perdoa por esquecer e esconder que caminhar Contigo exige contínua conversão a Ti, à Tua Palavra santa!
Senhor, perdoa por confundir a Tua Palavra eterna com os ruídos vazios e enganosos das ideologias do mundo que não Te conhece nem ama!

Nós reconhecemos e proclamamos:
Só Tu és o Santo! Só Tu és o Senhor! Só Tu és o Altíssimo!
Só Tu és o Único com o Teu Filho e pelo Teu Filho na gloriosa unidade do Teu Espírito, pelos séculos dos séculos. Amém!


Homilia para o V Domingo Comum - ano c

Is 6,1-2a.3-8
Sl137
1Cor 15,1-11
Lc 5,1-11


Comecemos nossa meditação pelo Evangelho. É comovente: Jesus apertado pela multidão sedenta da Palavra de Deus. Ao terminar Sua pregação, sentado à barca de Pedro, que é imagem da Igreja, ordena a Simão Pedro e à Igreja de todos os tempos: “Avança para as águas mais profundas!”
É a missão que o Senhor nos confia: anunciar o Evangelho do Reino, Evangelho que é o próprio anúncio de Cristo, único Salvador, único Caminho, única Verdade, única Vida da humanidade. Fora Dele não há Verdade, não há Vida!

O Senhor confia aos ministros sagrados e confia a todo o Povo de Deus, a toda a Igreja, barca de Pedro: “Avança para as águas do mar da vida; ide pelo mundo, em cada época, em cada tempo; pregai o Evangelho!” Atualmente, frente à descristianização do nosso mundo, esta ordem do Senhor é um desafio acima de nossas forças; e um desafio que chega a amedrontar. A resposta de Pedro deve ser também a nossa: “Mestre, trabalhamos a noite inteira e nada pescamos. Mas, em atenção à Tua palavra, vou lançar as redes!”

Bendito Pedro, que, na Palavra do Senhor, lançou as redes! 
Bendito Pedro, que não cedeu a cálculos humanos nem a modas humanas!
Bendita a Igreja se fizer o mesmo em cada época da história humana!
Benditos nós se, no meio em que vivemos, tivermos a coragem de lançar as redes da pregação do Evangelho!

Observemos que aqui são de pouca valia a inteligência e astúcia nossas: “Na Tua Palavra lançarei as redes!”
Só na Tua Palavra, Senhor, a pregação pode ser realmente eficaz, só na Tua verdade, só no Teu Evangelho sem cortes, sem deturpações, sem descontos, sem concessões desonestas ou ingênuas ao politicamente correto dos senhores do mundo!
O Evangelho será sempre pregado na fraqueza, na pobreza, na loucura. E, no entanto, ele será sempre força, riqueza e sabedoria de Deus! Não tenhamos dúvidas: os homens passarão, as gerações suceder-se-ão, mas o Evangelho na Igreja única, santa, católica e apostólica permanecerá enquanto durar o caminho humano neste mundo!

É comovente também a atitude de Simão após a pesca: “Senhor, afasta-Te de mim, porque sou pecador!” O Senhor é tão grande (não é Aquele que enchia a terra com a Sua Glória, na primeira leitura? Aquele que está envolto numa nuvem de fumaça? Aquele que faz o Templo tremer?), Seus desígnios nos são tão incompreensíveis; somos tão pequenos, tão estultos e frágeis diante Dele: “Senhor, afasta-Te de mim! Chama alguém melhor!” E, no entanto, este Senhor tão grande quer precisar exatamente de nós, pequenos, pobres, estultos, frágeis. Este Senhor tão imenso, pergunta na primeira leitura: ‘Quem enviarei? Quem irá por nós?” Que mistério tão grande! Como pode Deus querer realmente contar conosco? Como pode o Evangelho depender de verdade da nossa pregação, do nosso testemunho? E, no entanto, é assim! É realmente assim! “Não tenhas medo! De hoje em diante, tu serás pescador de homens!” Eis aqui um mistério que não compreenderemos nunca nessa vida! Creiamos, adoremos, e digamos “sim” ao Senhor que nos chama e nos envia! Envia-nos a todos nós batizados e crismados! Lavou-nos no Batismo, como purificou os lábios de Isaías, e ungiu-nos com o Espírito de força e testemunho na Crisma, para que sejamos mensageiros do Seu Evangelho!

Vejamos, finalmente, a atitude de Pedro e de Tiago e João, diante do chamado do Senhor: “Então levaram as barcas para a margem, deixaram tudo e seguiram Jesus”... Nunca mais barcas, nunca mais pescarias, nunca mais a vida de antes... “Deixaram tudo e seguiram Jesus...” É isto que é ser cristão: deixar-se a si, deixar uma vida voltada para si e dobrada sobre si mesmo, para seguir Aquele que nos chamou e consagrou para a missão! Então, somos todos chamados e enviados como testemunhas do Senhor!

Mas, há ainda dois outros aspectos importantes na palavra que Deus nos dirigiu hoje.
O primeiro: em que consiste o anúncio que devemos fazer ao mundo? São Paulo no-lo diz de modo maravilhoso na segunda leitura: “Transmiti-vos em primeiro lugar, aquilo que eu mesmo tinha recebido, a saber: que Cristo morreu pelos nossos pecados segundo as Escrituras; que foi sepultado; que, ao terceiro dia, ressuscitou, segundo as Escrituras...” Vejamos bem que o anúncio do Evangelho não é simplesmente um anúncio sentimental e vazio sobre Jesus nem tampouco uma filantropia ou um projeto de governo e gerenciamento para o mundo e a sociedade. Não é pregar curas, não é comentar a Bíblia, não é pregar preceitos morais! Isso não seria evangelização, mas charlatanismo, embromação!

A pregação do Evangelho tem um conteúdo preciso, recebido da Tradição dos Apóstolos. Estejamos atentos como São Paulo diz: “Transmiti-vos aquilo que eu mesmo tinha recebido...” Paulo não inventa; não prega a si mesmo nem por si mesmo, não cede ao mundo e aos gostos da sua época; prega o que recebera na Igreja, prega a fé da Igreja em Jesus. Por isso mesmo, mais tarde, ele vai a Jerusalém para ver Pedro. Vai conferir sua pregação com a de Pedro (Cefas), para ver se não havia corrido em vão! (cf. Gl 2,1-2) E pensemos que Paulo fora chamado diretamente pelo Senhor, de um modo absolutamente original e único! (cf. Gl 1,15-23). Então, para não corrermos em vão, o Evangelho vivido e pregado por nós não pode ser outro que Jesus morto e ressuscitado por nós, nosso único Salvador e Senhor, como crido, vivido, celebrado e anunciado perenemente, geração após geração, pela Igreja. Repetindo: Jesus Cristo como é crido, vivido, celebrado e testemunhado pela Igreja. E quando dizemos “Igreja”, não tenham dúvida alguma: estamos nos referindo à Igreja católica, comunhão no tempo e no espaço de todos aqueles que ouviram a pregação originada dos Apóstolos e guardada pelos legítimos pastores da Igreja!

Mas, há ainda um segundo aspecto importante: este Jesus que pregamos não é um mito, uma lenda, um sonho, uma ideia, uma ideologia! Ele é a mais profunda e verdadeira realidade: o que diz São Paulo sobre o Cristo ressuscitado? “Apareceu a Cefas e, depois aos Doze. Mais tarde, apareceu a mais de quinhentos irmãos, de uma só vez. Destes, a maioria ainda vive... Depois apareceu a Tiago e, depois, apareceu a mim, como a um abortivo”. É comovente o testemunho pessoal do Apóstolo! Ele viu o Senhor ressuscitado, ele é testemunha em primeira pessoa, juntamente com Pedro, em primeiro lugar, juntamente com os Doze e com toda a Igreja (os quinhentos irmãos)! O Evangelho que testemunhamos e anunciamos é uma realidade, é firme como uma rocha!

Que fiquem hoje no nosso coração estes santos e piedosos pensamentos: o Senhor nos chama e envia para a missão; nós realmente somos importantes para a pregação do Evangelho! Este Evangelho é uma Pessoa concreta: é Jesus morto e ressuscitado, nosso Deus e Salvador, tal como é crido e anunciado pela Igreja católica, dentro da legítima e contínua Tradição dos Apóstolos. Que nos resta dizer? Sejamos fiéis a tão grande e tão urgente missão que o Senhor nos confia nos tempos de hoje: “Avança para as águas mais profundas, e lançai as redes para a pesca!”
Vem conosco, Senhor Jesus, porque o Teu mar é tão vasto e nosso barco, Tua Igreja, é tão pequena! Vem conosco e temos certeza que nossas redes não se romperão nem ficarão vazias! Na Tua Palavra, ensina-nos a lançar as redes! Amém.


sábado, 2 de fevereiro de 2019

Homilia para o IV Domingo comum - ano c

Jr 1,4s.17-19
Sl 70
1Cor 12,31 – 13,13
Lc 4,21-30

Se uma ideia que dê unidade às leituras da Missa de hoje, encontraremos a fé. Comecemos pelo Evangelho. Após ler o trecho do rolo de Isaías, “O Espírito do Senhor repousa sobre Mim, porque o Senhor Me ungiu... para levar a Boa Nova aos pobres e proclamar o Ano da graça do Senhor”, Jesus afirma, cheio de autoridade: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir”. É uma afirmação ousada. Somente quando o Messias viesse tal Escritura seria cumprida. Jesus, portanto, apresenta-Se como o Messias. E o encanto de Seu ensinamento dá testemunho de que Ele é verdadeiro... Mas, infelizmente, crer não é fácil, sobretudo quando Deus nos visita de modo humilde, corriqueiro, nas coisas pequenas e banais. E, assim, os nazarenos se escandalizam com Jesus: “Não é Este o filho de José?” Como pode alguém nosso, alguém tão do nosso meio ser o Messias? Como pode Deus Se manifestar por Este, que cresceu e viveu entre nós? Santo de casa não faz milagre! Gostamos do excepcional, da novidade, do exótico!
O quanto é necessário sermos abertos para discernir a Palavra e o apelo do Senhor naqueles que nos são enviados e convivem conosco! O quanto precisamos aprender que Deus não é somente Deus de longe, mas também Deus de perto! A mesma experiência o profeta Jeremias fizera antes de Jesus. E o Senhor ordena que Seu profeta fale e que não tenha medo, ainda que seja incompreendido e rejeitado pelo seu povo e seus parentes: “Não tenhas medo, senão Eu te farei tremer na presença deles. Eu te transformarei hoje numa cidade fortificada, numa coluna de ferro, num muro de bronze... Eles farão guerra contra ti, mas não prevalecerão, porque estou contigo para defender-te!”

Por um lado, o Senhor exige fé e confiança absoluta daqueles que Ele envia, de Seus profetas; por outro lado, espera daqueles aos quais o profeta é enviado, espera do Seu povo, a capacidade de discernir, de acolher, de crer! E quantas vezes não cremos: pensamos que Deus Se calou, que não mais Se manifesta, não mais nos dirige a Palavra. E, no entanto, o Senhor nos interpela por Seus profetas, por aqueles que , tantas vezes, são na comunidade do irmãos e na vida uma palavra de Deus para nós!
Caso não sejamos abertos à Palavra, corremos o risco de perdê-la. É o que Jesus recorda aos nazarenos: a viúva pagã de Sarepta e o leproso Naamã, também ele pagão, foram mais abençoados que as viúvas e os leprosos de Israel, porque foram abertos...
Os nazarenos sentiram-se ofendidos porque Jesus insinuou que eles não tinham fé e não sabiam discernir Nele Aquele que o Pai enviara e terminam por expulsar Jesus de Sua cidade. É dramático: a falta de fé fez os nazarenos expulsarem o Messias, o Enviado de Deus. A falta de fé e discernimento, a cegueira do coração, a dureza e o fechamento para as novidades de Deus, podem fazer o mesmo conosco: expulsar do coração e da vida aqueles que nos trazem a Palavra do Senhor e Sua vontade a nosso respeito.

Mas, por sua vez, aqueles que são testemunhas do Senhor e ministros do Evangelho, devem estar preparados para a possibilidade de serem rejeitados. Somente os falsos pregadores, os malditos vendedores do Evangelho, os missionários de televisão, é que pregam uma adesão a Jesus fácil e que resolve nossos problemas.
Na verdade, seguir o Cristo nos amadurece e nos faz, muitas vezes, enfrentar problemas e contradições. Qualquer um que queira colocar-se a serviço do Senhor, deve preparar-se para tal contradição: “Meu filho, se te ofereceres para servir o Senhor, prepara-te para a prova. Endireita teu coração e sê constante... Tudo o que te acontecer, aceita-o, e nas vicissitudes que te humilharem, sê paciente” (Eclo 2,1.4). Como Jesus e os profetas que vieram antes dele, o serviço e a fidelidade ao Evangelho nos colocam em dificuldades e provações! É a dor do Reino de Deus!

A mesma visão de fé que faz distinguir os profetas do Senhor, também nos abre os olhos para reconhecer nos outros irmãos de verdade, irmãos no Senhor, e amá-los de todo o coração. É este o verdadeiro dom, o maior carisma de que fala São Paulo na segunda leitura. Aí, o Apóstolo não fala de um amor-sentimento, amor-simpatia, amor-amizade, mas do amor-caridade, o amor de Deus, que é o Espírito Santo derramado em nossos corações, amor que é capaz de dar a Vida, amor como aquele do Cristo que nos amou primeiro e amou-nos até o fim!
É este amor, que nasce da raiz do amor a Deus, da abertura para Deus, da intimidade com Deus, que dá sentido a todas as coisas. E sem ele, nada tem sentido para o Reino de Deus, nem a fé! Em última análise, quem salva não é a fé, mas o amor que dá vida e sabor à fé! E o amor a Deus, que desabrocha no amor aos irmãos, é concreto, tem que ser concreto: pode ser visto na paciência, na benignidade, na generosidade, na humildade, na gratuidade, na mansidão, na retidão, na verdade... E São Paulo recorda que um amor assim é coisa de adultos na fé. Quem não ama é imaturo na fé, é criança que pensa e age como criança! Só o amor nos amadurece, só o amor nos faz ver os outros e a vida com os olhos de Deus

Eis, então, de modo resumido, o desafio, o convite da Palavra de Deus hoje: (1) uma fé, uma capacidade de acolher o Senhor, de tal modo que reconheçamos que Ele vem a nós na palavra e no testemunho de tantos irmãos e irmãs que conosco convivem; (2) uma fé capaz de suportar com paciência e alegria os reveses da missão que Deus nos confiou e (3) uma fé capaz de desabrochar em amor aos irmãos; amor provado e revelado em atitudes concretas.

Creiamos: somos a Igreja, Comunidade do Senhor Jesus, continuamente vivificada e orientada pelo seu Espírito de amor! Arrisquemos crer; arrisquemos viver de amor e experimentaremos a doçura do Senhor e a alegria de viver como irmãos. Que o Senhor no-lo conceda pela Sua graça! Amém.