A Epístola aos Hebreus, logo no capítulo segundo, falando de Jesus, o santo Filho eterno do Pai, que Se fez homem para salvar a humanidade, nos surpreende afirmando que, fazendo-Se homem, Jesus “libertou os que, por medo da morte, passavam a vida toda sujeitos à escravidão” (Hb 2,15).
Que significam tais palavras?
Que medo da morte é este?
E, por que ele escraviza assim tão fortemente, a ponto de necessitar da encarnação do Filho eterno? E como o Filho nos liberta dessa escravidão?
Primeiro, o medo da morte... De que morte fala aqui o Escritor sagrado?
Morte é tudo aquilo que nos nega, que nos contrista.
Morte é cada tristeza, cada renúncia, cada derrota, cada decepção, cada perda, cada separação, cada medo, cada solidão, cada lágrima derramada, cada fracasso.
Morte é, enfim, a morte do termo da nossa vida.
E temos medo da morte. Pelamo-nos de medo!
A ânsia que temos de viver é tamanha, que pensamos, iludidos, que a vida está em nossas mãos, que é nossa de modo absoluto e, assim, devemos fazer tudo do nosso modo para escapar das experiências negativas e dolorosas, custe o que custar... E, nesta ilusão, quebramos propósitos, rompemos compromissos, transgredimos preceitos do Senhor, esquecemos o próprio Deus, e pensamos, e dizemos, e gritamos: “Tenho que ser feliz, tenho o direito de ser feliz, o único que importa é ser feliz do meu jeito!”
O homem tem tanto medo das mortes, que rouba, corrompe, mente, mata, manipula, usa os demais, engana, engana-se... Tudo para levar a melhor, tudo pela ilusão de ser feliz do seu modo e na sua medida...
Assim, pelo medo da morte, ilude-se, escravo de si e do seu pecado, escravo da ilusão que aquele que é Sedutor deste o princípio lhe oferece, como no Jardim do Paraíso... Por medo de morrer as mortes da vida, terminamos por cair na morte da escravidão de nós mesmos, do nosso pecado. Bem que Jesus nos previne: “Quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la” (Mt 16,25).
Pense, você, nos seus medos...
Experimentados, vivenciados, longe de Deus, fora de Sua santa presença, esses medos apavoram, condicionam, bloqueiam-nos...
Esses medos da morte, por vezes, ditam a regra das nossas ações e omissões: medo de ser incompreendido, medo de perder amizades ou privilégios, medos... tantos medos temos!
Quais os medos determinantes na sua vida?
Como eles condicionam você?
Uma segunda questão: Como Jesus nos salva de tamanha e tão total perdição, que invade toda a nossa existência consciente e inconsciente?
Ele Se fez um de nós, viveu em tudo a nossa condição; mas, não teve medo da morte!
Abandonou-Se totalmente nas mãos do Pai, fez do Pai Seu tesouro, Seu alicerce, Sua luz, o sentido último e absoluto da Sua vida, fazendo-Se a Ele obediente até a morte e morte de cruz!
Nos embates e lutas da vida, Ele aprendeu a obedecer no sofrimento (cf. Hb 5,8s) tornando-Se livre e libertador! Desta maneira, Jesus foi livre – totalmente livre, o homem mais livre que jamais existiu! Tão livre, a ponto de exclamar: “Ninguém tira a Minha vida. Eu a dou livremente. Tenho o poder de entregá-la e o poder de retomá-la. Este é o preceito que recebi do Meu Pai” (Jo 10,18).
Assim livre, assim senhor de Si, assim totalmente obediente, Ele foi até a cruz.
Ressuscitado, dá-nos Seu Espírito que, agindo em nós, configura o nosso coração ao coração do Salvador, colocando a nossa vida na Sua obediência e na Sua liberdade.
Pense bem, meu Irmão de caminho quaresmal!
Enquanto houver em seu coração apego à própria vida, com a ilusão de que você sozinho, você do seu jeito, você na sua própria medida e na sua própria verdade mentirosa, sem Deus e até contra Deus, pode ser feliz, pode construir sua própria felicidade, construindo seu próprio projetozinho pessoal... enquanto sua vida for assim, você nada mais será que um pobre escravo!
Com todo o prestígio, você não passa de um pobre escravo;
com todo o seu dinheiro e poder, você não passa de um escravo;
com todos os talentos, prazeres e potencialidades, escravo;
com todo o seu sucesso, você será só escravo, todo escravo, enganado escravo!
Escravo da própria escravidão; tão escravo que pensa que a escravidão é liberdade!
Por medo de não ser feliz, por medo de perder a vida, você se torna escravo e vive uma grande ilusão que, ao fim de tudo, será colocada por terra, desmascarada! Escravo!
Como sair disso?
Como quebrar tão terrível, profunda e generalizada maldição que nos ilude?
Vivendo a vida numa profunda união com Aquele Jesus que foi livre, totalmente abandonado nas mãos do Pai, totalmente obediente ao Deus Santo de Israel, totalmente centrado Nele.
Aí, quando “nem a morte nem a vida nem criatura alguma” (Rm 8,38s) nos poder separar do amor de Cristo, quando tivermos os sentimentos Dele, a liberdade Dele, então já não teremos medo das mortes da vida e, livres, saberemos viver a vida com serenidade, usando os bens e oportunidades deste mundo sem a eles nos escravizar, mas deles fazendo caminho para Deus e para os outros.
Olhe! Pense nestas coisas, porque elas dizem respeito a você, bem de pertinho; dizem respeito a mim, a cada um de nós! O próprio Jesus nos preveniu: “Se o Filho vos libertar, sereis realmente livres” (Jo 8,36).
É Ele – somente Ele – Quem, de fato, nos livra da morte, pois é o único que é capaz de nos fazer atravessar os vales das mortes e entrar na vida verdadeira.
Vá: seja livre; largue tantas escravidões, geradas da tola ilusão de salvar você mesmo a sua vida, às vezes passando por cima de Deus, dos outros e até da sua consciência. Seja livre, meu Leitor! Sejamos nós livres! Para isto fomos criados e salvos por Cristo: “Foi para a liberdade que Cristo nos libertou!” (Gl 5,1).
Reze o Salmo 17/18